Verdades

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O ser humano é semelhante, mas ao mesmo tempo, totalmente diferente. Todos sentimos fome, sono, medo, raiva, alegria, tristeza; somos mortais, nossa pele é facilmente dilacerada, e até certo ponto, temos uma capacidade regenerativa incrível. É a mesma teoria para todo mundo, apenas o processo de cada um diverge. O tempo para a cicatrização de um corte, a superação de um trauma, a restauração de um espírito perturbado.

Então eu sabia, ninguém, na terra inteira, poderia me ajudar naquele momento, bem como não puderam quando Justin se foi. Ninguém tinha a minha carga emocional, minhas vivências, minha visão sobre o mundo. Portanto, nunca me entenderiam. Pior era constatar que nem eu mesma me entendia.

Esperei de tudo de mim para aquela ocasião. Eu pedi todos os miseráveis dias para que Justin fosse devolvido a mim; implorei até estar sem voz, me mantive ajoelhada até estar sem forças, elenquei razões até estar sem argumentos. E num estalar de dedos, quando eu estava cedendo, meu pedido foi atendido. O fato me pegara desprevenida, a ruptura da minha mais triste realidade desabara sobre minha cabeça um jorro de emoções impossível de distinguir.

Com medo de lidar com meu interior, preferi confirmar minha constatação, prolongando o momento em que teria de tomar a decisão iminente que me cercava. Toquei seu rosto demoradamente, tateando sua sobrancelha, descendo para o nariz, contornando a boca e prestes a finalizar no queixo. Aquele era o formato certo e singular de Justin, não havia como negar. Eu conhecia seus traços como se fosse cega, enxergando-o apenas com minhas mãos.

Tomei coragem para enfrentar o desconhecido. Armazenar uma nova parte dele em minhas memórias queria dizer uma coisa a mais para me despedir quando o perdesse de novo — nada é eterno. Refiz todo o caminho para chegar até sua cabeça, o cabelo pequeno fez cócegas em minhas palmas quando o explorei.

Assim, me permiti descer pelos seus ombros e desenhar riscas imaginárias em cima de suas tatuagens. Os músculos em seus braços permaneciam definidos, talvez até mesmo um pouco maiores, explicitando o motivo de ter me tirado com tanta facilidade de cima de Annelise — não que eu fosse tão forte assim. Acompanhei suas veias até chegar nas costas das mãos simultaneamente, sentindo em seguida suas unhas curtas. Ele virou as palmas para cima para facilitar meu trabalho, deixando-me descobrir cada calo escondido ali. Quando dei por mim, meus dedos se enlaçavam aos seus. Um arfar singelo escapuliu entre meus lábios. Nada seria capaz de descrever aquela sensação.

Voltei a encarar seus olhos, e surpreendentemente, não quis dizer nada, contemplando meu próprio milagre. Não importava quanto tempo passasse, me sentia extremamente agraciada de poder olhá-lo mais uma vez.

— Posso... te abraçar? — ele disse em dúvida, um tanto quanto incomodado com meu choro silencioso.

Ele realmente estava perguntando?

Assenti freneticamente. No próximo segundo, fui puxada contra seu peito com firmeza, num cerco de proteção e conforto. Minhas mãos se fecharam em torno de sua camiseta. Não iríamos a lugar algum se não fôssemos juntos.

E ali, enfim, me senti viva, ouvindo sua respiração e os batimentos cardíacos em um ritmo constante. Nunca um som fora mais bonito do que aquele, uma canção preparada especialmente para mim. Cada segundo de plena angústia que passei escorria por minha bochecha e encharcava a sua roupa, transferindo-se para o mundo exterior e me deixando livre. Uma liberdade doce quase impossível de ser conquistada. Aquela era uma chance em sete bilhões.

Ele acariciou meu cabelo, me deixando chorar, deitando sua cabeça na minha, reforçando a outra parte dele que eu apreendi, uma nova colônia masculina. Por mim, ficaríamos ali para sempre, eternizando aquele reencontro em que as palavras não eram bem-vindas, tão simples para conseguir carregar a emoção pulsando no carro. Minhas perguntas pareciam insignificantes agora, escolhi digerir e apreciar o fato de que Justin estava vivo. Deixei o calor de seu corpo derreter a predominância do gelo em mim, do jeito que só ele podia fazer. Assim, descansei em seus braços.

One LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora