Remorso

252 17 23
                                    

Eu havia limpado todo o meu quarto, que estava mais para um banheiro químico naquela manhã. Aproveitei e passei o trabalho para o meu banheiro também. Aquele cheiro nojento estava impregnado em qualquer coisa num raio de dois metros. Tive que trocar o lençol e a fronha do travesseiro por um conjunto preto pego na lavanderia sexta feira. Sem Flê, precisei aprender algumas coisas, mas Caitlin e eu nos recusávamos a lavar e passar roupa. Eu não tinha tantas peças assim para me arriscar a manchá-las ou queimá-las. Tinha certeza que andar por aí com estampa de ferro quente nunca entraria na moda, embora não fosse um assunto que eu acompanhasse.

Meu humor desceu de menos dez para menos cinquenta. Caitlin cravou aquelas palavras em mim e não consegui me livrar delas — ou do cheiro horroroso em meu quarto — para poder dormir novamente. O que ela esperava ganhar dizendo aquelas coisas pra mim? Por um acaso havia algum manual obrigatório de como lidar com a morte? Eu não tinha dúvida de que era covarde, e podia mesmo estar me esquecendo de que eles também estavam sofrendo; não é porque não demonstram estarem caindo aos pedaços que estão inteiros. Possivelmente, também, eu precisava de ajuda profissional. Entretanto, não aceitaria o fato do mundo seguir em frente sem a presença de Justin. Qual era a lógica de haver felicidade numa terra em que ele não existia?

Frustrada, segui para a cozinha. Eu não passaria por aquela ressaca daquela forma. Caitlin e Ryan não estavam em lugar nenhum, e por um lado aquilo era bom, eu não aguentaria mais uma briga sem estapear a cara de alguém. Quando coloquei a mão na geladeira, porém, vi o calendário grande preso por dois imas de morango ali. Nós decidimos que precisávamos de um para guardar datas importantes. Na verdade, Caitlin decidiu e eu concordei. Então notei a data de hoje circulada em verde várias vezes. Em cima do número 15 havia uma nota gritante em letras garrafais "QUEEN'S BIRTHDAY!!!"

Paralisei, desacreditando. No próximo segundo, tudo fez sentido. Eu havia prometido para Caitlin acompanhá-la em tudo o que ela quisesse em seu aniversário, e ao que parece, ela quis começar pela igreja. O remorso chacoalhou meus ossos. Eu havia esquecido seu aniversário. Pior, havia feito com que começasse da pior forma possível. No passado, Caitlin sofreu um acidente que quase a matou; por mais louco que pareça, um Jet Ski a atropelou, passando em cima de suas pernas. Desde então, ela me contara que 15 de maio se tornara um dos dias mais esperados do seu calendário. Para completar o combo desastroso, esse era o primeiro que passaria sem Christian.

Bati na minha cabeça como punição, me sentindo uma inútil, a dor da ressaca já estava lá, e não recebeu o acréscimo muito bem. A culpa removeu o monopólio da raiva e frustração que me corroía há cinco meses. Corri para o quarto, abrindo o guarda roupa e pegando qualquer coisa que vi na frente para me vestir. Peguei a bolsa transversal e quase esqueci de trancar o apartamento. Disquei o número em meu caminho para o ponto de ônibus.

— Onde vocês estão? — perguntei assim que a chamada foi atendida.

Ryan suspirou do outro lado da linha.

— Almoçando no Union Bar & Grill.

— Estou indo! — avisei, desligando o telefone.

Chegando no ponto, grunhi. Eu não havia lhe comprado um presente ainda. Planejava comprar depois que voltasse da minha sessão de espionagem no dia anterior, mas toda aquela visita me deixou desnorteada.

O que eu compraria em menos de cinco minutos?

— Oi, Maya — a saudei no telefone, tendo arquitetado um plano.

Não precisei esperar muito para que ela aparecesse com seu carro. Pulei no banco antes que parasse completamente.

— Você está me devendo dois favores — ela anunciou representando o número com os dedos.

One LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora