Falsidade

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Caminhei desnorteada até o homem de costas. Seu físico era do tamanho certo. O modo de se vestir era certo. Mas quando toquei seu ombro, incerta de que minha mão não atravessaria seu corpo — imaginando que seria mais um fruto de minha imaginação —, os traços do rosto não eram.

O homem aparentando uns trinta anos arqueou a sobrancelha para mim, me esperando falar alguma coisa útil. Entretanto, eu estava engasgada com frustração e a toxina que meu coração liberava a cada vez que sofria um ataque.

— Pois não? — ele me incentivou.

Me forcei a engolir tudo, sabendo da importância que era essa noite para Hazel. Consequentemente, para o meu emprego e o cumprimento da minha promessa.

Mentalizei um sorriso profissional e proferi minhas desculpas mais convincentes.

— Gostaríamos de saber se está aproveitando a noite. O que achou de Rafael Mendez?

Um ar de compreensão limpou sua expressão, deixando apenas alguns resquícios em seus olhos castanho escuros. Não claros.

— Ele é um grande pintor, vocês tiraram a sorte grande. Até me sinto inspirado a comprar um quadro.

Suas palavras não fizeram o menor sentido ao passarem por meu ouvido, eu estava ocupada demais em listar as diferenças da simetria de sua boca e um coração.

— Claro. Se eu puder lhe ajudar me procure.

Me afastei sem muita cerimônia, encontrando uma taça de champanhe e tomando o conteúdo de uma vez para sobreviver ao menos até o fim da música idiota. Maldita seja Taylor Swift.

O tiquetaquear do relógio da galeria machucava meu cérebro. Qual era o problema de Hazel para manter aquela merda? Estávamos na era digital! Me senti totalmente confortável em odiá-la também por me obrigar a trabalhar de ressaca. Depois do sucesso do evento da noite anterior eu deveria ter uma folga, mas a sede daquela mulher por dinheiro não morria. A única coisa que aliviava seu lado era ter me proporcionado a oportunidade de sair com Maya. Empurrando champanhe o suficiente pra ela, consegui finalmente um "sim" para a noite de amigas de hoje. Isso e mais a árdua tarefa de conseguir-lhe um encontro com Rafael.

Meio segundo depois o próprio entrava na galeria, como se estivesse conectado com meus pensamentos. Ele levantou uma garrafa que segurava na mão direita e um sorriso ao receber meu olhar.

— A melhor vendedora de todas!

— O melhor surrealista de todos! — devolvi o elogio.

— Vladimir acaba de se revirar no túmulo — murmurou com uma expressão convencida.

Não me dei ao trabalho de levantar da cadeira assim que ele se aproximou do balcão, colocando a garrafa ali em cima.

— Trouxe para comemorar o sucesso de ontem com você.

Li o rótulo do Whisky Bourbon um pouco impressionada. Eu bebia raramente whisky já que custava o meu rim. Por que gastar tanto dinheiro em uma bebida se eu podia comprar dez de outra com qualidade inferior e o mesmo efeito?

— Caramba, acho que você quer minha demissão.

Ele riu, apresentando dois copos na mão escondida atrás das costas.

— Hazel está aqui?

— Não, mas se ela chegar e ver uma coisa dessas...

Ele já estava enchendo um dos copos.

— Se está comigo, está com Deus — me empurrou o líquido.

Não recusei, embora ainda sentisse o gosto amargo na boca de ressaca da noite anterior.

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