Personificação de sofrimento

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Hanna já me disse uma vez que só temos um amor verdadeiro em toda a vida. Podemos ter milhares de relacionamentos amorosos, mas apenas um foi feito exatamente para você. Não é o que vai dar certo, necessariamente, isso cabe aos dois decidir. Uma vez impregnada com as digitais dele, você nunca mais será a mesma. E todo aquele sentimento que te fez transbordar? Nunca existirá um tão forte quanto.

Eu partilhava dos mesmos pensamentos que Hanna, e acreditava, fielmente, ter encontrado esse amor exclusivo em Justin. Então, ele me foi roubado e eu soube que me mudaria para sempre. Minha única esperança era poder encontrá-lo depois de superar a morte. Justin não foi tão ruim a ponto de ir direto para o inferno, e eu não sou tão boa para merecer o Céu imediato, o que deixava nós dois esperando no purgatório. Por mais insano que pudesse parecer, essa era minha única chance de reencontrá-lo.

Nessa minha lógica totalmente questionável, eu quase podia experimentar o gosto do reencontro na minha língua. Quanto mais Annelise avançava, mais eu sentia os braços dele ao meu redor, me prometendo segurança e abrigo. Meus batimentos cardíacos se acalmavam com o eco em minhas veias de que tudo ficaria bem agora. Deixei-me acolher por essa letargia até parar de lutar contra a pessoa real que me mantinha imobilizada. O fundo do meu consciente suspeitava do fato de alguém ter me drogado devido ao meu emocional ser quase dominado por uma paz e felicidade desconhecida.

Quando Annelise parou à minha frente, minha tosse já cessara. Eu estava preparada. Sabia que aquele era exatamente o lugar onde eu deveria estar. Finalmente a loucura tomara conta do meu cérebro? Provavelmente.

Os olhos de Annelise estagnaram em chamas acima do meu ombro e sua mandíbula se contraiu, a mão fechada em punho se contorceu. Ela estava se controlando; como uma pessoa que tinha sérios problemas de autocontrole, eu podia reconhecer o sentimento. Identifiquei também que se obrigava àquela condição por uma força maior. Talvez por causa do sujeito atrás de mim.

Isso me levava a pergunta mais importante, uma que eu ignorara completamente. Quem me segurava pela cintura?

— O que você está esperando? — impeli-me a perguntar, desatinando mais uma sequência de tosse.

— Já terminou seu escândalo? Podemos ir? — questionou-me com a voz ácida — Não sou obrigada a aguentar esses surtos psicóticos e não quebrar nem um braço dela — completou, emburrada. Aquela frase podia ser sobre mim, mas não me era dirigida.

Eu estava certa, o ser humano incógnita era alguma espécie de autoridade à Annelise. O nervosismo infiltrou-se em minha calmaria estranha. Mesmo tendo noção de que não deveria, virei minha cabeça na tentativa de vê-lo. Foi inútil, seu traje completo de paintball o deixava indistinguível.

— Ok. Vamos indo — Annelise expirou, virando-se para Rafael — E o que fazemos com esse gatinho?

— Se você machucar ele, eu juro que te parto ao meio — eu estava fazendo muitas ameaças ao vento ultimamente. Contando ainda o fato de que ela já o havia machucado.

Rafael se colocou em pé, atravessando o choque e a dor, o braço ferido contra o peito, os olhos alarmados correndo entre nós três. Foi o que bastou para me despertar do meu instante de insanidade. Eu ainda não podia desistir. Haviam muitas pessoas contando comigo. Hanna deveria estar apavorada em Boston. Justin teria que me esperar mais um pouco.

— O que vocês querem? Nos deixem em paz! — ele avisou. Embora Rafael desse o dobro de mim em musculatura, o efeito fora o mesmo que o meu.

— Acho que podemos deixá-lo bem aqui. Ele não corre risco com a gente no controle — Annelise concluiu, esperando a aprovação superior.

Fui devolvida ao chão, minha cintura se viu livre. Em contrapartida, a mão grande coberta por uma luva agarrou meu braço com firmeza. Entendi muito bem o recado, eu não sairia enquanto eles não deixassem.

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