Amor na Cabeça

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Nicole entregou uma caixa rosa com laço vermelho em cima nas mãos da mulher que eu julgara recepcionista da festa. Pensei seriamente em avisar que deixasse a caixa bem longe da casa, temendo que houvesse um explosivo ali dentro. Se ela só deixasse o presente e fosse embora, teríamos que evacuar o imóvel imediatamente. Atrás deles, entraram Flê, Raul — seu esposo — e Etienne que os pegara no aeroporto.

Flê estava linda, o cabelo solto emoldurava seu rosto delicadamente, escovado como ela gostava; um vestido preto de renda lhe caía até os joelhos. A filha, com cachos assumidos de dar inveja que puxara do pai, escolhera um vestido amarelo de alça rodado que mal lhe cobria a bunda — mas quem era eu para falar sobre vestidos escandalosos essa noite. Me senti feliz por não ter escolhido um vestido amarelo conforme Maya recomendara. Paralisei bem onde estava, dividida entre a vontade de correr e abraçar minha mãe de criação ou me varrer da face da terra para fugir da filha dela. Conforme os anos passavam, nossa inimizade aumentava, embora esperava-se o contrário.

Pela visão periférica, vi Justin, numa expressão quase endemoneada, fazer menção de se dirigir ao meu lado. Neguei com fervor em sua direção, imaginando o alvoroço que Nicole faria se o visse, e quando voltei a encará-los, Eleanor apontava para mim animadamente — do jeito que mostrava ao Bryan bolsas novas de Louis Vuitton nas vitrines. Assim que vi a fisionomia emocionada de Flê ao colocar os olhos em mim, quase me esqueci de tudo mais. No próximo segundo eu estava avançando para encurtar nossa distância.

— Minha querida — saudou-me trêmula em seu afeto maternal — Feliz aniversário!

Me afastar de Flê foi um dano colateral o qual eu desejava nunca ter imposto. Nos falamos raras vezes pelo telefone nesses seis meses. Ficar longe dela doía mais do que de qualquer um. Quando consegui me desvencilhar de seus braços miúdos, ela limpou a umidade dos meus olhos, deixando sua mão repousar em minha bochecha enquanto trocávamos aquele olhar exclusivo de ternura. Flê nunca me pressionava por explicações, portanto, essa era sua forma de se comunicar comigo. Queria dizer que independentemente do que eu passara ela me amava e nada, nunca, seria capaz de mudar esse sentimento. Lembrei-me vagamente da parábola bíblica do filho pródigo, olhar para Flê me fazia enxergar minuciosamente meus erros, mas que apesar deles, eu tinha um lar para voltar muito maior e concreto do que aqueles construídos por tijolos, um lar cercado pelas paredes do seu coração.

Flê cedeu espaço para que eu cumprimentasse Raul e logo em seguida Etienne. Ele também já tinha que enxugar o rosto com as costas das mãos.

— Você levou todo o brilho dessa casa, menina.

Etienne era o segundo anjo que Deus me concedera. Embora eu passasse mais tempo com Flê e consequentemente conversasse mais com ela, Etienne sempre cuidou de mim, justificando a ligação emocional que tínhamos.

— Feliz aniversário! Barbara não pode vir porque Rosie não estava muito bem. Não se preocupe, é apenas dor no estômago. Ela pediu para te passar os cumprimentos.

Barbara, sua filha, e Rosie, sua neta de quase um ano, eram praticamente tudo o que Etienne tinha. Depois que sua esposa faleceu, pensamos que ele pediria demissão para cuidar das duas, mas, bem como Flê, seu carinho por nós também era grande demais para que abrisse mão.

Jean foi o próximo, me pegando num abraço apertado que me ergueu do chão.

— E como vai minha maninha mais nova? Feliz aniversário!

Dei risada de sua festa.

— Muito bem, e você?

— Eu não acredito que trouxeram Rihanna aqui. Faith, vocês se superam.

Meu espírito tão em paz por conta daqueles poucos minutos se preparou para toda a faísca de Nicole. Nossa última experiência juntas se resumia em humilhação pública e ameaças, então eu não esperava que ela mantivesse a fachada fina de fingir que nos gostávamos com um abraço apertado tão genuíno quanto a morte dos meus sentimentos por Justin.

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