Certezas

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Espreitei pela janela a rua escura e larga em frente ao hotel que nos hospedávamos. Não havia muita movimentação, e isso me deixava inquieta. Tinha certeza que a qualquer momento algum empregado da companhia Bieber — mais precisamente Annelise — escalaria os três andares do prédio para chegar até nós dois e cortar nossas cabeças fora como um prêmio de alto prestígio. Ao mesmo tempo sabia que ainda que a rua estivesse apinhada de gente, eu teria a mesma paranoia.

Os protestos de Bryan ainda ecoavam em meus ouvidos. Quando recebi a chamada de Caleb em meu celular através do facetime, deveria ter previsto a zona que estaria do outro lado. Afinal, meu irmão não prometera segredo dos nossos pais, e eu não me lembrava de ter pedido. Escutei calada o escândalo da minha família, Eleanor estava histérica e provavelmente chorando enquanto Bryan me ordenava voltar imediatamente para casa, a perplexidade quase os impedia de exprimir pensamentos lógicos. Só falei quando me foi concedida a chance, num intervalo de três segundos, repetindo veementemente as mesmas coisas que prometi a Caleb. Não podia espantá-los já com a notícia de que pensava em cursar uma faculdade por aqui mesmo. Notando minha decisão inabalável, afirmou que os três viriam atrás de mim. Gastei ao menos uma hora com meus melhores argumentos para explicar que estava tudo bem, e então desisti, assegurando-lhes que enviaria o endereço que eu estava quando terminasse a viagem. Justin e eu estávamos na estrada, menti. Não, não há nenhum hotel que possamos nos instalar para esperá-los. Sim, estou bem alimentada e ainda me resta algum dinheiro. Aceitei a transferência monetária da conta de Bryan para amenizar a situação, e alegando sinal precário, consegui desligar.

Justin saíra do quarto de duas camas para me dar alguma privacidade, uma vez que ouvia-se tudo da discussão como se eu fosse estúpida o bastante para ligar o viva voz. Recebi a chamada no instante em que deixávamos o hospital com a notícia de que Maya devia ficar em observação, tive tempo de me despedir dela e acordar com Justin que a esperaríamos ter alta antes de nos movermos para Toronto, a cidade em que sua família morava, e a partir de então fiquei incomunicável.

Desatenta aos detalhes quando cheguei, reparei naquele momento a estrutura do quarto. As camas, acolchoadas em tons de vermelho e branco, posicionavam-se paralelamente à porta de entrada; entre elas estava a janela que eu agora observava e um criado mudo bege. Do lado esquerdo estava o banheiro, e ao direito um guarda roupa compacto com portas de correr; a televisão plana fora pregada na parede em frente as camas, e uma chaise lounge marfim acomodava-se bem abaixo desta. Permiti que meus neurônios se preocupassem com a lógica dessa última escolha de posição e recebi agradecimentos do meu cérebro pela pausa de questões complexas. Encontrei aí uma oportunidade de sentir falta da pintura, o movimento gracioso do pincel sob meus dedos parecia desfrouxar o mais apertado dos nós mentais. Igual tratamento me dava as cordas do violino, criando melodias relaxantes próximas ao meu ouvido.

— Eles me odeiam — minha mais nova melodia preferida lamuriou da entrada do quarto.

Justin trazia uma caixa de pizza, dois copos e uma coca cola na outra mão — tanto equilíbrio seria bem-vindo caso decidisse se aventurar como garçom algum dia —, baixou tudo no criado mudo ao meu lado, infestando o quarto, que exalava produtos de limpeza e móveis novos até agora, com o cheiro de cebola, queijo, massa de tomate e bacon?, e se sentou majestosamente na cama contrária a que eu me empoleirava. Sua postura ereta como a de um trono real deixava dúvidas de que algo tão banal quanto o que dissera pudesse lhe preocupar. Mas o humor na ponta de seus lábios não escondia o leve incômodo apertando seus olhos. De qualquer forma, ambos sabíamos que eu não podia contestar aquela verdade.

Dei de ombros.

— Eu também já te odiei. Só lhes dê um pouco de tempo para digerir a ideia.

— Se eu fosse eles também me odiaria. Na verdade, posso muito bem fazê-lo sendo eu mesmo.

O repreendi com o olhar antes de me sentar pesadamente ao seu lado, torcendo para que nossa proximidade pudesse me ajudar a convencê-lo. Uma pessoa como Justin não combinava com auto depreciação. Ele se adiantou às minhas palavras, olhando-me de perto.

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