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Christopher encontrou suas calças remendadas com tanta habilidade que nem dava para ver os pontos. A garota Robbins tinha mesmo muita paciência e uma mão firme.

— Soltei um pouquinho a costura para o senhor — disse ela, corando ligeiramente, desviando os olhos. — Então, devem ficar mais confortáveis.

— Sim, estou vendo. — Ele limpou a garganta. — Obrigado. — Ela fizera um trabalho melhor do que o elegante alfaiate francês, pensou ele, sinistramente.

Lady Mercy Danforthe entrou na cozinha feito um raio com o rosto sardento parecendo uma nuvem de temporal. — Ela disse que você vai me levar para conhecer essa vila imbecil, Robbins. Estou proibida de
tocar a espineta ou falar com os adultos. Devo ficar contente com sua companhia monótona.

— Mas eu estava no meio das costuras, lady Mercy.

— Não me interessa. É para você me levar de uma vez. Foi ideia dela, não minha. — Ela encarou Christopher. — Eu a detesto, aquela mulher mandona.

— Sim — disse Christopher —, ela é difícil de gostar.

A garota Robbins espetou a agulha na tampa acolchoada da caixinha de costura de Eliza Cawley. — Muito bem, milady. Só vou pegar meu casaco.

— Bem, ande logo.

Christopher olhou para baixo, para a criatura imperiosa. Lady Mercy já estava sem pai havia anos e seu irmão claramente não estava apto à tarefa de orientá-la. Como Christopher pretendia assumir a paternidade, talvez agora fosse um bom momento de praticar. Afinal, tornar-se pai exigia muito mais do que apenas doar a semente, independentemente do que a
senhorita Saviñon pensasse. Ele sabia disso por sua própria experiência como filho.

Quando a menina Robbins disparou pelo corredor, Christopher abaixou sobre a petulante lady Mercy e sussurrou em seu ouvido. — Aquela garotinha é da sua idade e tem onze irmãos. A família dela é tão pobre
que eles precisaram mandá-la para rua, para trabalhar. Ouso dizer que ela tem muitas outras coisas que preferiria fazer com seu tempo a lhe fazer companhia por aí. O mínimo que pode fazer é ser educada com
ela. — Ele parou. Ela finalmente ergueu os olhos para ele, mordendo o lábio com força. — Vejo que seu irmão não lhe ensinou boas maneiras, mas ninguém, lady Mercy, jamais gostará de você se não as tiver. Um
dia, as pessoas com quem você talvez queira fazer amizade vão procurar desculpas para se livrar de sua companhia, então você se arrependerá de muitas coisas que disse no passado. Eu lhe sugiro que acrescente algumas palavras ao seu vocabulário. Palavras como por favor e obrigada serão um começo. Estamos claros?

Ela só ficou em silêncio, teimosa.

— Estamos claros? — Ele repetiu.

— Ah... muito bem.

— Que bom. Não quero mais vê-la sendo rude com ela. Agora vá. Seja criança uma vez na vida e brinque com crianças de sua idade. Faça amigos. Não tenha tanta pressa em crescer.


O jardim de sua tia era uma colcha de retalhos de canteiros de flores divididos em fileiras de grama e um caminho de cascalho que conduzia a um caramanchão com galhos de salgueiro. Dulce rumou em frente um pouco veloz para acabar logo com aquilo, mas Trenton
arrastava os pés, parando totalmente quando eles fizeram a curva do caminho, e ficou atrás de uma cerca viva que tampava a visão da casinha.

— Senhorita Saviñon — disse ele, bruscamente. — Gostaria de lhe fazer uma proposta de casamento.

Perplexa, ela quase tropeçou ao lado na cerca do caramanchão. — Perdão?

— Já faz alguns anos que a senhorita deve saber que eu...

— Trenton Shale, o seu pai o colocou nisso?

Ele hesitou. Suas bochechas finas empalideceram. — Ele está muito ansioso pela união.

— Mas eu não tenho...

— Ele diz que preciso salvá-la dos escândalos em que a senhorita se mete. — Quando o jovem fez menção de ajoelhar no cascalho, ela agarrou suas mangas e o forçou a ficar de pé.

— Componha-se, Trenton. Você não quer se casar comigo. Por que não disse isso ao seu pai?

Ele pareceu que ia discutir, mas quando ela cruzou os braços e bateu o pé, ele viu que não ia aceitar desculpas. Suspirando profundamente, ele recolocou o chapéu e olhou o arbusto com olhos tristes. — Ele discutiu o assunto com seu padrasto, senhorita Saviñon. O almirante lhe deu permissão — na verdade, até o incentivou.

Ela ficou olhando.

— O almirante Saviñon não lhe escreveu para dizer? — Perguntou ele, queixoso.

— Não, ele não escreveu. — Seu padrasto não escrevia para ela havia muitos anos, exceto para pedir ajuda, como credora. Bem, nunca sei onde você estará de um dia para o outro, Dulce Maria, era sempre sua desculpa
para a falta de correspondência, embora suas mensagens não tivessem dificuldade de encontrá-la quando ele precisava de uma conta importante
paga.

O almirante era sempre distraído. Ainda assim, era difícil acreditar que ele tivesse se esquecido de lhe escrever para contar essa pérola.

Então, ele tinha desistido de esperar que ela encontrasse um marido e arranjou-lhe um.

— Posso lhe perguntar quando lorde Shale se encontrou com meu padrasto?

— Foi no mês passado, senhorita Saviñon. Depois que deixei Cambridge. O papai decidiu que era hora de me casar.

Ela ouvira que o pai o tirara da faculdade porque ele estava sob más influências. Lorde Shale era muito protetor com Trenton, seu único filho e herdeiro.
— Ele achou que o almirante Vyne estivesse desesperado o suficiente para deixá-la se casar comigo — prosseguiu o jovem. — No fim das contas, ele estava certo. O almirante é da opinião de que, em sua idade,
suas chances de se casar são poucas. Eu não sou chegado a garotas, senhorita Saviñon, nunca fui.

Pela primeira vez desde que conhecera Trenton Shale, ela sentiu pena dele. Quase podia perdoá-lo por ter roubado seus ovos de páscoa na caçada. Quase.

Ela observava os galhos retorcidos do caramanchão de salgueiro, tentando aquietar os pensamentos depois da dança embaralhada que eles faziam pela surpresa. — Lamento, Trenton, mas não posso me casar
com você.

Ele abaixou a cabeça. — Nem por um momento achei que casaria. Mas eu tinha de perguntar. Meu pai insistiu.

Ainda impressionada com tudo isso, ela exclamou: — Depois de todos esses anos, eu me pergunto como ele se fixou em mim como sua noiva.

— Meu pai acredita que você pode prover-lhe um neto forte e saudável. Você é uma “boa reprodutora”, foi o termo que ele usou.

Ela acabara de prender a saia no galho da cerca e estava soltando. Levou um instante para assimilar as palavras. — Uma boa...? — Quando ela se soltou do salgueiro, a força a lançou cambaleando na direção de
Trenton e ele a amparou, segurando-a pelos braços.
— E o conde de Bonneville nos disse que você viria para o interior. Nós a seguimos ontem, na estrada, sabe. Não foi coincidência. Eu disse ao meu pai que ele estava perdendo tempo, mas ele foi inflexível para que eu tentasse.

— O conde de Bonneville? — Certamente, ele estava se referindo a outra pessoa, ela pensou.

— Sim. Eu me tornei conhecido do cavalheiro recentemente. — Trenton remexeu os pés inquieto no caminho de cascalho.

— O conde de Bonneville? — Disse ela outra vez.

— Isso mesmo.

Dulce olhava a cerca viva, a mente se esforçando para dar sentido àquilo. — Posso perguntar onde conheceu o conde?

— Em Bath, na última primavera, e em Brighton, neste verão. Perdi uma soma considerável para ele.

Quem diabo estava por aí fingindo ser o conde de Bonneville? E nos mesmos lugares por onde ela havia viajado, na mesma época. Ela pensou na sombra que a seguia ultimamente. Agora ela sabia que sempre esteve certa em sentir o perigo.

— Senhorita Saviñon, parece muito pálida. Está passando mal?

Ela passou os dedos na nuca, onde os cabelos tinham começado a eriçar novamente, provocando um arrepio que percorreu toda a espinha.

— De forma nenhuma, Trenton. — Será que suas palhaçadas iam pegá-la logo quando ela tinha esperanças de deixar tudo para trás?

— O que devo dizer ao meu pai? Nunca consigo fazer nada para agradá-lo. Como seu único filho, sou uma grande decepção.

Ah, aprovação. Era o que todos queriam das pessoas com quem se importavam. Ela costumava pensar que isso não importava para ela. Achou que pudesse passar a vida agradando somente a si mesma. Contudo, não era verdade. Agora ela sabia. O mundo era um lugar frio quando se está sempre do lado de fora, sem pertencer a lugar nenhum.

Apenas uma vez ela gostaria de ser terna, sentir-se amada por ser quem ela realmente era, com suas falhas e tudo o mais. De pertencer a algum lugar, nos braços de alguém.

Pensando profundamente, ela encarava a cerca viva mais uma vez, acima do ombro de Trenton, depois conseguiu dar um sorriso retraído. — Não diga nada a seu pai. Acabamos de desfrutar de um agradável passeio pelo jardim. Não há necessidade de que ele saiba nada além disso. Ele não pode esperar que você me conquiste com uma conversa.

— Acho que não — disse ele, duvidoso.

Ela pegou braço do rapaz e eles continuaram andando. Alguém estava se passando pelo conde por seus próprios motivos desonestos. Dulce não sabia o que pensar disso, mas os dedos frios do medo subitamente agarraram com firmeza seu coração.

MADRUGADAS DE DESEJO - Adaptada | VondyOnde histórias criam vida. Descubra agora