47

55 7 0
                                    

DULCE LEVANTOU-SE IRRITADA PELO segundo dia seguido, depois de algumas horas de sono bastante inquieto. Como gostaria de ter ficado com Christopher no sofá! Mesmo no espaço apertado, sua companhia era preferível à de lady Mercy que, embora dormisse profundamente, tinha sonhos agitados, chutando e se virando, enrolando-se na colcha de retalhos e deitando em diagonal na cama estreita, tomando a maior parte do espaço. Chegou o amanhecer e a garota estava roncando em seu travesseiro, esticada e mergulhada em seus sonhos, enquanto Dulce tinha perdido toda esperança de dormir.

Molly Robbins subiu ao quarto assim que ouviu Dulce se movimentando e ofereceu ajuda para desfazer seu baú.

— Estou torcendo para ser dama de companhia um dia, senhorita Saviñon — sussurrou a menina, aflita para não acordar lady Mercy — de fato, estavam todos contentes pela paz de agora. — Assim que eu costurar as calças do cavalheiro, posso passar toda sua roupa, costurar furos e lavar quaisquer manchas.

Ela se lembrou de Molly como uma garotinha tímida que corria atrás das outras crianças da vila sempre se escondendo, temendo até a própria sombra. No entanto, ela havia crescido alguns centímetros e se tornara uma menina calma e equilibrada. Seus longos cabelos castanhos estavam amarrados para trás com um laço, e seu rostinho era bem sério para alguém tão jovem. A família Robbins tinha poucos recursos financeiros e Molly era a caçula de uma família de doze irmãos. Ela havia sido mandada para procurar trabalho assim que foi considerada capaz por seus pais preocupados. Ellie supunha que isso deixaria qualquer pessoa um tanto melancólica.

— Então, boa sorte pra você — ela respondeu, bocejando. — Você ficará de mãos cheias remendando a minha roupa.

A menina da família Robbins imediatamente se pôs a desfazer a bagagem enquanto Ellie terminava de se vestir. Ao observar a menina ocupada e a outra roncando na cama, ocorreu-lhe que elas tinham mais ou menos a mesma idade, no entanto viviam vidas muito diferentes.

— Talvez hoje você possa mostrar a vila a lady Mercy, Molly — ela sugeriu. — Do contrário, ela ficará o dia todo no pé da minha tia até que seu irmão venha.

Molly ergueu a cabeça e seus olhos escuros timidamente observaram o amontoado inconsciente na cama. — Mas o que posso mostrar a ela, senhorita Saviñon? Tenho certeza de que ela está acostumada a coisas bem mais nobres do que as que temos em Sydney Dovedale.

— Mas esse é exatamente o objetivo, Molly. É importante descobrir coisas novas.

Molly pareceu hesitante. — Vou tentar, senhorita Saviñon. Ela tem roupas muito elegantes, para caminhar pelo campo. — A menina gesticulou para as belas botas caprichosamente colocadas ao pé da cama, com os bicos perfeitamente alinhados, e suas combinações de renda sobre uma cadeira esmeradamente dobradas. Lady Mercy era bem preparada e bem calçada para alguém que tinha fugido. Ela colocara roupas bem bacanas na mala para sua aventura. — Não há muitos lugares limpos ao redor da vila.

— Acho que um pouquinho de sujeira lhe fará bem. — Ela sempre pensara isso sobre Christopher também.

Dulce estava junto à janela do quarto enquanto penteava os cabelos e olhava o céu carregado acima da casinha da tia, como se pudesse despencar sobre a terra a qualquer momento. Ela se sentia estranhamente fora de prumo nesta manhã. Ela sentia seu interior dançar como centelhas de uma fogueira enquanto, por fora, esforçava-se para conter tudo e ser sensata. Já não era mais uma garota tola, que facilmente ficava de cabeça virada, se é que algum dia fora, pensou, sorumbática — e tinha de ser capaz de conduzir esse caso sem fazer papel de tola. E daí que Christopher, seu amante maravilhosamente pecaminoso, estava no andar de baixo, e ela em breve o veria novamente? Certamente eles poderiam se olhar sem que ela virasse uma manteiga derretida. Contudo, ela protelou descer só para ter certeza de que tinha controle de si mesma.

A vila estava quieta, poucas almas saíam e circulavam em um dia tão ruim. Do outro lado do campo, duas garotinhas brincavam com bambolês e os giravam nas poças. Um bando de gansos voou acima, irrompendo na paz com seu coro de gargarejo.

Subitamente, lá estava Christopher, com aquelas calçolas emprestadas, deixando a casinha de sua tia e caminhando pela rua. Dulce parou com a escova embaraçada em um cacho teimoso.

Aonde o diabo estava indo agora? Ela o alertara para descansar o tornozelo hoje. Ele não tinha como caminhar até Morecroft e não havia ninguém em Sydney Dovedale que ele quisesse visitar.
Exceto Anahi.

A percepção chegou como uma bomba igual ao touro do fazendeiro Osborne, que a perseguiu em um verão pelo campo inteiro, cravando os chifres em uma cerca de madeira, tentando pegá-la. Ela teve de subir em uma árvore e ficar esperando por mais de uma hora até aparecer alguém para salvá-la. Agora, ela sentia o mesmo medo de ser cravada por chifres afiados, depois a impotência de se sentir encurralada. Ela não podia sair correndo atrás dele como uma criança, exigindo saber aonde ele estava indo. Afinal, sua mãe era americana e ela não saía correndo atrás de um homem pela rua.

Seu coração doía por bater tão depressa, com tanta força. Será que a noite passada tinha significado tão pouco para ele que a primeira coisa em que pensou nesta manhã foi em Sophie, sua antiga paixão?

— Ah, senhorita Saviñon, mas que lindo vestido.

Ela olhou por cima do ombro. Molly estava ajoelhada ao lado do baú surrado erguendo um antigo vestido de festa. — Isso? Não uso há anos e agora está bem fora de moda. Ela ficou imaginando por que ainda se dava ao trabalho de carregar o vestido com ela. Pelo que se lembrava, ele tinha uma mancha grande de sopa na saia, e a bainha estava rasgada, além de muitas miçangas faltarem em volta da cintura porque ela havia prendido a faixa da cintura em uma maçaneta quando estava fugindo de um rapaz entusiasmado.
Molly ergueu o vestido sob a luz matinal suave. — Mas a musselina ainda está em boas condições, senhorita Saviñon.

— Se for útil para você, pode ficar com ele.

— Tem certeza, madame?

Ela assentiu. — É até bom que você o torne útil. E se tiver outras peças de que você goste, pode pegar.

— Eu não poderia, madame.

— Bobagem. Tenho certeza de que há várias irremediavelmente danificadas para que sejam usadas novamente. — Suas irmãs sempre diziam que ela era tão dura com os vestidos quanto com os homens que a cortejavam.

Ao olhar novamente pela janela, ela viu uma silhueta alta e angular e logo reconheceu como a intrometida e indomável amiga de sua tia, a senhora Flick, saindo de sua própria porta, na esquina, e vindo pela via com uma pressa considerável. Sem dúvida, a senhora Flick tinha ouvido falar da chegada de Dulce. Agora, a qualquer minuto ela bateria à porta da casinha.
Tomando rapidamente uma decisão, Dulce desceu correndo a escada, gritou um rápido “bom dia” para a tia, que estava acendendo a lareira da sala, pegou as botas e o casaco e saiu pela porta dos fundos, na cozinha. Apesar de ainda ser cedo, ela visitaria sua amiga Anahi. Só porque a última coisa de que precisava nesta manhã era a bisbilhotice da senhora Flick — não tinha nada a ver com Christopher, pois nem estava ligando para onde ele ia. Nada a ver.

A brisa fresca era uma mudança maravilhosa depois do cheiro tão fedorento do ar de Londres.

Dulce, Dulce. Disfarça melhor esse ciúmes, mulher kkkkk

MADRUGADAS DE DESEJO - Adaptada | VondyOnde histórias criam vida. Descubra agora