22

63 7 4
                                    

Christopher observou seu reflexo no espelho longo. — Esse maldito alfaiate terá de ser dispensado. Olhe para isto! — Ele ergueu os braços à frente, mostrando como a camisa repuxava, esticando a costura dos ombros.

— Lamento, senhor. — O criado olhou timidamente para as calças do patrão, que também estavam apertadas demais.

Vendo sua expressão, Christopher exclamou: — Quieto, Grieves. Tem de me sobrar um pouquinho de dignidade ao fim do dia. — Ele pegou um novo colete dos braços do criado e tentou vestir, parando quando sentiu um aperto e a costura rasgar. Ele se virou, ainda curvo, de braços flexionados. Grieves se apressou para auxiliá-lo.

— Deixe-me ajudá-lo, senhor.

— Traga minha arma, Grieves, e darei um tiro no sujeito.

— Certamente só precisa de alguns ajustes.

— Minha arma, Grieves!

Com um suspiro profundo, Christopher tirou os ombros largos do casaco e Grieves estendeu o braço para alisar as mangas de sua camisa. — Falarei com o alfaiate, senhor.

— Dar-lhe um tiro é mais rápido.

— No entanto, não é tão prático. Afinal, ele é o melhor alfaiate de Londres, segundo dizem.

— Rá. — Virando de um lado para o outro, Christopher olhou seu reflexo. — Nunca vi um trabalho tão ordinário. A visão do sujeito só pode estar falhando se ele não consegue tirar uma simples medida corretamente.

Grieves educadamente sugeriu que o patrão tivesse ganhado um ou dois centímetros na cintura e no peito desde que as medidas haviam sido tiradas da última vez.

Chirstopher tirou a nova camisa e fez uma careta, olhando o ombro. — Grieves, é evidente que você está de conluio com esse novo alfaiate. Eu me atrevo a dizer que ele deve ter lhe dado um trocado para que você me recomendasse seus serviços. Você sempre foi um sujeito conivente.

— Absolutamente não, senhor!

— De qualquer forma, sou só músculos — acrescentou Christopher com uma das mãos na barriga, os dedos espalhados para sentir os sulcos e se tranquilizar. — Graças ao clube de boxe. Sólido como uma rocha.

— Uma montanha de masculinidade, se me permite a ousadia, senhor.

— Se ousadia também significa ser jocoso, não, não permito. — Ele sabia que Grieves achava que o clube de boxe era outro meio de Christopher para desesperadamente se agarrar à juventude, mas, na verdade, era apenas parte de seu empenho de progresso pessoal. Isso provia um meio de extravasar suas frustrações, mantinha seu físico em forma e a mente focada.

Depois que a camisa ofensora estava na caixa, Grieves olhou para a bandeja de prata lotada com a correspondência matinal. — Estou vendo que hoje há vários convites, senhor. Gostaria que eu...?

Desnudo, fora as calçolas apertadas, Christopher irrompeu rumo à bandeja e, em segundos, seus dedos firmes repassavam a pilha de cartões, jogando cada um deles na lareira depois de uma olhada rápida.

A cada dia que passava e com a chegada da alta estação, os horrores da sociedade londrina se acumulavam. Membros regressavam à cidade aos bandos, abrindo suas casas, preparando-se para ver e ser vistos. No ano-novo, um desfile de debutantes de olhos arregalados — com suas mamães a tiracolo — baixava em Londres como uma nuvem de gafanhotos para devorar um campo de trigo. Antes que ele percebesse, podia ser novamente acusado de ter arruinado a reputação de alguém.

Um convite, em meio aos cartões de adornos dourados, chamou-lhe a atenção, e ele parou para coçar os cabelos despenteados. — Archie Playter está se casando de novo? Meu bom Deus, achei que ele estivesse morto. Da última vez que o vi no clube, ele certamente aparentava estar empalhado.

O criado sacudiu a cabeça sinistramente. — É, de fato, um casal curioso, senhor. Seu mordomo me informou que a mulher é estridente e tem um gosto estranho para vestir-se. Ela é de Essex.

— Então está explicado.

— Lorde Playter não tem tido sorte com as damas — observou Grieves, sério. — Não se pode evitar sentir um pouquinho de pena dele, senhor.

— Pena? Por aquele tolo arrogante e pomposo? Archibald Playter acha que está sempre certo. — Ele fingiu não notar o sorriso irônico que passou brevemente pelos lábios de Grieves. — O homem é gentalha, Grieves, sem dúvida. Ele merece o que tem. — Enquanto falava, ele sabia que isso era algo que sua avó diria. Alguns hábitos eram mais difíceis de romper e ela tinha sido uma influência séria em boa parte de sua vida, passando-lhe mais coisas do que ele podia contar.

— Mas dessa vez ele pode estar apaixonado, senhor. Dizem que o amor muda tudo.

Christopher ainda estava olhando a correspondência e só conseguiu dar um gemido distante.

— Lamento, senhor. Perdoe-me.

— Pelo que, Grieves?

— Mencionei novamente aquela palavra, senhor. Aquela que o senhor nunca mais queria ouvir. — O criado parou. — Amor, senhor.

Christopher jogou a bandeja de prata vazia em uma cadeira próxima. Hoje essa palavra não incomodou nada. Estranho. Ele apressou-se até a janela e olhou para fora, para o jardim murado e seu pessegueiro solitário, os galhos atualmente nus, esperando um manto nevado.

Amor. Ele deixara que essa palavra o fizesse de tolo no passado. Tinha acreditado nela por causa de Anahi Portilla. E olhe aonde isso o levou. Transformou-o em piada durante meses.

Ele finalmente percebeu que Grieves segurava uma camisa mais antiga, como uma oferta de paz. Conforme Christopher a vestiu, passando por cima da cabeça e dos ombros, ele buscou uma conversa para manter a mente em assuntos práticos e fazê-la girar e ir ao encontro de outras coisas. Ficar tão excitável não era bom para seu orgulho, Uckermann. Sua avó recomendaria um banho gelado e compressas, mas ele não tinha tempo para nenhum dos dois naquela manhã. Ele nem dedicara um tempo para se barbear, pois estava ansioso demais para chegar a Willard Street e pegar sua noiva antes que ela tivesse outra chance de fugir.

Olhando novamente para baixo, para as calçolas apertadas, ele indagou: — O que aconteceu com o alfaiate anterior? Ele fazia minha roupa direito durante os últimos vinte anos, pelo menos.

— O senhor Chadworth nos deixou, senhor — declarou Grieves, lamentoso. — Eu lhe comuniquei quando aconteceu.

— Ele nos deixou? Como isso pode ser permitido?

— Duvido que tenha sido intencional, senhor. O cavalheiro está morto.

— Morto? Mas que desatencioso.

— Um ataque do coração, eu creio. Ele era bem idoso.
Christopher saiu da sala como um raio, sacudindo a cabeça diante da inconveniência. — Agora que paro para pensar, ele era um sujeito horrendo, com hálito que podia arrancar o pelo de um texugo. Ouso dizer que estamos melhores sem ele. Mas e esse novo alfaiate? Tem certeza de que pode ocupar o lugar de Chadworth?

— Asseguraram-me que ele é o melhor que há. É recém-chegado da França e... — Grieves se enrolou, pegou um colete na beirada da cama e colocou nos braços do patrão.

MADRUGADAS DE DESEJO - Adaptada | VondyOnde histórias criam vida. Descubra agora