Capítulo 1

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O carro para na frente de uma casa bege de dois andares no fim da avenida Buckland, e eu quase bato minha cabeça contra o vidro da janela. Pequenas gotas de chuva caem contra o para-brisa, enquanto uma música animada preenche o ambiente abafado tentando dispersar meu humor fúnebre. O limpador indo para lá e para cá pelo vidro contando os segundos. Com uma mala pesada em uma mão e o guarda-chuva preto na outra, pulo para fora do carro e sigo pelo gramado molhado até a porta de entrada. Cada passo me levando para mais longe de minha antiga vida e me trazendo para mais perto da nova.

Depois de deixar toda minha vida para trás em Nova York por causa de uma maldita tentativa de assalto, estou finalmente aqui em Rochester, uma cidade com pouco mais de 200 mil habitantes a três horas de distância para morar com meu pai. A ideia foi de minha mãe que pensou que o melhor era me levar para um lugar menos violento. Queria que ela entendesse que talvez existissem alternativas menos radicais.

Ainda consigo ver vividamente as imagens em minha mente. Eu tinha acabado de deixar a casa de meu melhor amigo e andava pela calçada a caminho de casa quando alguém com o rosto coberto e uma faca na mão surgiu a minha frente. Eu congelei no lugar, não sabia como reagir. E de repente me senti tão sozinha. A pessoa não disse nada, apenas apontou a faca em minha direção e começou a se aproximar. Eu queria correr, gritar, mas era como se não conseguisse fazer nenhuma dessas coisas. Felizmente, antes que a pessoa pudesse chegar mais perto, alguém se atirou contra ela e os dois acabaram no chão. A ponta da faca passando de raspão por meu braço. Não perdi a oportunidade e corri o mais rápido que meu coração podia aguentar.

Levei pelo menos três horas para recuperar a voz e contar a minha mãe o que aconteceu. Sequer pude ver o rosto de meu salvador. Mas ela não gostou nada da história e disse que era última vez que aconteceria algo do tipo. Até porque não era a primeira vez que eu passava por um acontecimento traumatizante. Já era um costume acontecer algo que fizesse meu coração bater freneticamente no peito.

Eu sei que as intenções eram boas, só não foram as melhores. Alguns minutos na cidade e já não consigo deixar de me sentir sufocada aqui. As ruas parecem tão estreitas, como se lotes pretendessem esmagá-lo. Mal deixei Nova York e já sinto falta dos prédios altos e das calçadas lotadas de pessoas.

Diante da entrada coberta e branca da casa, largo a mala no chão e desarmo o guarda-chuva. Respiro fundo e olho para a porta marrom de madeira a minha frente com medo do que vem a seguir. Não é a primeira vez que venho aqui, certamente. Todo verão, nas férias, venho passar algumas semanas com meu pai. Em alguns feriados durante o ano também. E eu gostava disso. Nós nos divertíamos bastante indo ao cinema nas sextas à noite, ou quando nadávamos no lago a alguns quilômetros daqui nas tardes de domingo. Mas isto é diferente. Não é uma visita de alguns dias, é uma estada até pelo menos eu me formar no ensino médio. Seria recomeçar. Cidade nova. Escola nova. Pessoas novas. E eu não quero isso. Nunca quis.

Depois de meio minuto de hesitação, aperto a campainha. Faz-se silêncio por um, dois, sete segundos até a porta se abrir e revelar uma mulher sorridente de olhos esverdeados e tez escura. Do seu pescoço, pende um crucifixo de prata. "Sophie! Entre, querida," ela diz, afastando-se para abrir passagem para mim. Esperávamos por você!"

A mulher é Luce, a esposa de meu pai. Sr. Harrison era uma vez um religioso fervoroso que frequentava a igreja todo domingo. Em um desses domingos ele conheceu a jovem Luce. Luce pretendia se tornar freira, estava bastante confiante em seu destino, até conhecer um homem charmoso e gentil que a fez desviar de seu caminho. Eles estão casados há cinco anos agora. Nunca considerei Luce como minha madrasta, por alguma razão a ideia me deixa um pouco desconfortável. E ela é tão mais nova que a minha mãe. Mas eu gosto de Luce, e ela parece gostar de mim. E do meu irmão. Luce aparenta gostar muito dele também. Então posso dizer que está tudo bem entre nós.

"E como foi a viagem?" Luce pergunta, ajudando-me com a mala.

"Obrigada," digo. "Bem. Minha mãe mandou um presente para você." Luce e minha mãe são pessoas muito diferentes, mas se dão bem apesar de quase nunca se verem ou se falarem.

Ainda parada na entrada, olho ao redor. A casa de meu pai sempre foi-me um pouco estranha. É arrumada demais. Impecavelmente limpa e organizada. Isso em parte tem a ver com a personalidade Luce, que é uma perfeccionista obcecada por organização. Muito diferente de minha mãe e nosso apartamento em Nova York, que é uma bagunça em pelo menos metade dos dias da semana. Parece quase um cenário, aqui na casa de meu pai. Minha casa. Tenho de me acostumar a isso.

Depois de levar minhas coisas até o quarto que costumava ser usado apenas no verão, desço para a cozinha, onde Luce prepara chá para nós duas.

"Ansiosa para a nova escola?" ela pergunta enquanto adoça sua bebida.

Sentada de frente para ela e com as mãos em volta da xícara, respondo, "Um pouco com medo. Não conheço ninguém aqui."

"Vai dar tudo certo." Ela sorri e desliza a mão pela mesa até tocar meus dedos.

"Espero que sim," digo e levo a xícara aos lábios, dando um pequeno gole. "E o meu pai?"

"Está fora, trabalhando. Logo volta."

Mais tarde, à noite, Luce sobe até o meu novo quarto, enquanto desfaço as malas. Ela senta-se ao lado da mala aberta na cama e diz, "Tenho uma coisa para você." Tiro os olhos da gaveta da cômoda em que estou guardando minhas roupas e olho para ela, mas sem dizer nada. "Este crucifixo," diz estendendo a mão, uma corrente prateada enrolada em seus dedos. É o mesmo crucifixo que ela usava hoje mais cedo. "Ele está na família de seu pai desde antes de eles virem da Inglaterra. Queria finalmente passá-lo a você, como deve ser."

"Obrigada," digo, ainda de joelhos no chão perto da cômoda.

"Venha aqui. Vamos experimentá-lo!" ela diz, animada. Levanto-me e, de costas para ela, levanto meus cabelos. Luce coloca a corrente em volta de meu pescoço. "Também estará protegida com ele."

Aproximo-me do espelho na parede ao lado da cômoda. Enquanto observo meu reflexo, toco o crucifixo no peito. "É bonito." É tudo que penso em dizer. Um dos motivos de minha mãe ter se separado de meu pai foi a incompatibilidade de crenças, e nesse aspecto, eu tinha puxado mais a ela. Já vira o crucifixo na época em que ele fora passado do meu avô para meu pai, mas nunca o achei grande coisa. Apenas aceito o presente porque para ele é importante.

Um pouco antes de dormir, ligo para minha mãe. Atualmente ela está namorando um novo cara. Ele parece ser legal. Espero que dure mais que os outros. Eu não entendo o problema de minha mãe, ela não tem muita sorte no amor. Seu primeiro marido — o pai de Steve, meu irmão — morreu em um acidente de carro dois anos após o nascimento do filho. Seis meses depois do acontecido, minha mãe começou a sair com alguns homens, mas terminava o namoro antes de fazer um mês. As coisas mudaram um ano e meio depois da morte do primeiro marido, quando ela conheceu meu pai. Inicialmente foi tudo bem, eles se casaram, eu nasci, conseguiram viver onze anos juntos até se divorciarem. Meu pai voltou para a cidade dele, minha mãe ficou comigo e o apartamento. Depois disso, ela voltou a seu insucesso em relacionamentos. Fim da história.

Ouvir a voz dela me faz querer chorar, mas seguro as lágrimas. É minha primeira noite aqui e já sinto falta do meu antigo quarto. Sinto a falta de tudo, na verdade. Do meu amigo Bern. Das luzes da cidade. Do barulho das sirenes. Até do congestionamento. Eu só espero que depois do primeiro dia fique mais fácil.

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Eu realmente espero que minha escrita não tenha piorado. Esta a minha primeira tentativa depois de um bloqueio de anos. Tipo, muitos anos mesmo! Talvez essa coisa de vampiro não seja mais uma tendência por aí, mas além da minha obsessão por Drácula (um dos meus livros faves!), esta história não é uma criação nova. Na verdade ela foi escrita em 2014 e era bem diferente (e ridícula, sinceramente). Recentemente, eu a reli e pensei em rescrevê-la na tentativa de me livrar do bloqueio. E ta-da! Deu certo. Consegui voltar a escrever. E eu já tenho todo o projeto. A história será dividida em três partes e cada capítulo dela terá uma média de 1.5k de palavras. Eles serão mais ou menos como este. Só espero que minha protagonista não pareça tão sem graça, eu só precisava de alguém para narrar a história e não consegui criar alguém diferente. Bem, é isso :)

BLOOD LOVEROnde histórias criam vida. Descubra agora