"Você acha que vai demorar para ele se recuperar?" Entrego uma xícara para Luce.
"Não sei." Ela pega a xícara e coloca ao lado do prato com torradas numa bandeja. "O médico disse que vai levar um tempo para estar totalmente curado, mas que não foi tão grave".
Luce ainda está enrolada em um roupão, usando seu pijama por baixo. Seus cachos estão presos, e suas pálpebras ainda parecem pesadas de sono. Ela e eu nos levantamos cedo para preparar o café da manhã para meu pai. Desde que ele voltou do hospital, a recomendação médica é de que ele faça o mínimo esforço físico até que seu ferimento se cicatrize.
"Vocês ainda vão viajar no feriado?"
"Eu disse não ser necessário." Ela despeja café quente na xícara. "Mas seu pai insiste que devemos ir. Ele disse que não quer cancelar os planos só por causa de um 'cortezinho'."
"Um cortezinho que poderia tê-lo matado." Aceito a bandeja que ela me alcança.
"É. Mas você sabe como é seu pai." Ela sorri, balançando a cabeça para os lados e revirando os olhos.
Subo as escadas até o quarto de Luce e meu pai, cuidando para não derrubar nada da bandeja. No andar de cima, paro na soleira da porta e observo-o por um momento. Meu pai está sentado na cama segurando um livro surrado nas pontas, seus óculos escorrendo pela ponta do nariz. Cabelos brancos já começam a nascer na região das têmporas. Bato na porta. "Café."
Ele vira a cabeça para mim e sorri. "Já estava na hora!" Coloca o livro sobre a mesa-de-cabeceira ao seu lado e arruma a postura na cama.
"Sente-se melhor?" Atravesso o quarto e coloco a bandeja sobre o colo dele.
"Os pontos ainda doem, mas melhor que ontem." Ele diz pegando a xícara de café e dá um gole na bebida.
"Mas o que aconteceu exatamente?" pergunto, sentando-me na cama ao lado de seus pés.
"Sabe que eu não lembro direito mais?" Ele pousa a xícara na bandeja e pega uma fatia de torrada, dando uma mordida. Entre uma mastigada e outra, continua, "As coisas estão ficando nubladas. Deve ter sido o choque."
"E o que você se lembra?"
"Lembro de estar andando pela calçada atrás do carro e de repente ouvir alguém tentando me chamar a atenção a alguns metros à frente. Eu inicialmente ignorei. Mas a pessoa começou a falar comigo, tentando me convencer a aproximar." Ele pausa para dar outra mordida no pão. "Eu não queria chegar mais perto, mas alguma coisa me fez mudar de ideia e ir até ele. Acho. Já te aconteceu de querer fazer uma coisa, mas seu cérebro te fazer com que você faça outra?"
"Como assim?" Franzo a testa.
"Não sei. Como se suas ações não fossem exatamente uma escolha sua. Quase como se agisse por sugestão de alguém."
"Sugestão?" pergunto, tirando meu colar do pescoço.
"É. Eu não sei explicar."
"E o que aconteceu depois?"
"Então, também lembro de não estar muito perto da pessoa, mas de do nada sentir alguma coisa no abdômen e então olhar para baixo e perceber uma faca enterrada ali. Não lembro o que aconteceu depois. Lembro da minha mão molhada de sangue, também de alguém tentando falar comigo e depois os médicos. A sequência das imagens já está ficando confusa."
Fico em silêncio por um instante, digerindo o que foi dito. "Mas você conseguiu ver o rosto dele?" Aperto o crucifixo com força, sentindo suas pontas afundando na pele de minha mão.
Ele larga a torrada no prato, refletindo, e toma mais um gole de café antes de dizer qualquer coisa. "Não sei. Por alguma razão não consigo mais visualizar seu rosto em minha mente. Só me lembro de ter notado que ele era muito jovem." Ele encara o conteúdo da xícara em suas mãos, pensativo.
"Me dê sua mão," digo. Ele tira os olhos do café e me encara por um breve instante. Devolve a xícara à bandeja e estende a palma para mim. Com minha mão, seguro a sua, o crucifixo de prata entre elas. "Quero que fique com isso. Para te proteger." E tiro a minha mão da dele, revelando o colar.
Ele olha para a corrente prateada em sua mão e diz, "Oh, muito obrigada. Mas eu pensei que a Luce tivesse passado para você."
"É só emprestado. Quando melhorar, você me devolve." Planto um beijo em sua bochecha e me retiro do quarto.
***
"Espero que tenham feito a leitura de casa que eu propus ontem," sr. Bennet diz, andando entre as carteiras. Ele olha para os cadernos abertos de cada aluno. "Hoje vou dividi-los em duplas e gostaria de que vocês discutissem suas ideias e anotações feitas a partir da leitura. Na próxima aulas vamos ao laboratório de informática, onde vocês vão digitar o resultado de suas discussões em um ensaio de no mínimo cinco parágrafos. Alguma dúvida?" Ele olha para a turma, que metade ainda está meio dormindo.
Estamos no segundo período do dia: inglês. Hoje quando cheguei à escola, percebi os amigos de Lindsay conversando em sussurros e com olhares estranhos, como se tivesse acontecido alguma coisa. Embora todo mundo aqui saiba de tudo o que acontece, ninguém sabe o que se passa com eles e sequer ousa lhes perguntar. É como conseguissem manter todos os seus segredos para si. Não cheguei a tentar conversar com Logan para saber alguma coisa, e ele também não pareceu notar minha presença. Lindsay não apareceu no corredor até o primeiro sinal soar. Estranhamente, ela passou por seus amigos sem sequer trocar um olhar. Eles, por outro lado, instantaneamente começaram a se entreolhar preocupados.
O professor volta até sua mesa, na frente da sala, e pega um pote de plástico transparente cheio de pedaços de papéis. Ele coloca a mão no pote e começa a remexê-los. Depois de um tempo, retira um e lê em voz alta, "Piper." Coloca a mão novamente no pote e sorteia outro papel. "E Lando."
Piper, que se senta a minha frente, olha para trás à procura de Lando. Depois de uma passada rápida pela turma, seus olhos brilham em reconhecimento e então se levanta, arrastando sua cadeira até ao lado do garoto.
O sr. Bennet continua sorteado os nomes. Depois de umas cinco duplas formadas, ele diz, "Lindsay e... Sophie."
Eu olho para o outro lado da sala. Lindsay está lá, imóvel, como se sequer tivesse ouvido seu nome ser chamado. Espero um momento, na esperança de ela fazer algum movimento, mas ela continua ali, alheia à movimentação de cadeiras em volta. Sem escolha, levanto-me do meu lugar e levo minha cadeira até o lado da dela. Ela está tão distraída olhando para fora da janela à sua esquerda que nem percebe minha presença. Toco em seu ombro frio e ela pula, surpresa. Olha para mim, mas não diz nada.
"Oi, Lindsay. Acho que vamos ser uma equipe hoje." Tento sorrir.
Ela continua me encarando, agora com uma cara de como se eu tivesse falado em um idioma que ela não compreende. "É claro." Ela sorri mecanicamente, expondo seus dentes brancos e pontiagudos, e então volta a olhar para além da janela, como se eu não estivesse presente.
Eu pego minhas anotações e começo a fazer minha parte da tarefa, imaginando que ela esteja me ouvindo. No meio da minha fala, tiro os olhos de meu caderno e olho para ela. Ela continua com seu olhar perdido em seja lá o que for. Intrigada, olho para fora também. Ali, do outro lado da janela, não há nada além da vista do estacionamento da escola. Há algumas pessoas passando, mas tirando isso, não há nada.
"Lindsay, você está me ouvindo?" Passo a mão na frente de seu rosto.
Ela pisca, como se saindo de um transe, e olha para mim. "Sim?"
"Você me ouviu? Precisamos-"
"Eu já volto," ela pula da cadeira, correndo em direção à porta, sem pedir licença para o sr. Bennet, que está ocupado demais respondendo às dúvidas de Jason no fundo da sala para notar, e sai pelo corredor.
Eu fico sentada, esperando por ela. Passa-se metade da aula até que finalmente volte. Ela atravessa a sala e senta-se ao meu lado, como se nada tivesse acontecido, e pergunta, "Onde estávamos?"
Eu começo a falar, mas não tenho certeza de que ela está ouvindo. Ela está me encarando. Seus grandes olhos azul-bebê me vigiando, como se eu fosse algum tipo de presa. Não faço nenhum comentário quanto a isso, mas fico ligeiramente preocupada.
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BLOOD LOVER
VampirosSophie sempre se viu como vítima de estranhos incidentes. Perseguições; invasões em sua casa; pequenos acidentes que se transformam em cortes sangrentos. Nada disso seria um problema até ver sua vida em verdadeiro perigo numa estranha tentativa de a...