The content of your character is your choice. Day by day, what you choose, what you think and what you do is who you become. Heraclitus.
3.
Fui até o meu quarto pensando com tristeza que minha expectativa de ser minimamente feliz beirava a zero e eu tinha certeza de que merecia isso, portanto, não havia o que lamentar.
Eu não tinha grandeza de espírito suficiente para lidar bem com uma situação como essa; também não tinha leviandade suficiente para ignorar o sofrimento de minha família, minha própria culpa e seguir adiante. Eu estava condenada a ter essa realidade até o fim de nossas vidas, a não ser que eu assinasse o pacto.
Queria realmente que fosse diferente, mas Sara estava certa, estava bem claro todo o tempo qual era a vontade de Deus. Sim, o silêncio Dele diante de minhas rezas e súplicas incessantes era a resposta que eu não queria ouvir. Deus havia permitido que ocorresse o acidente e agora nós vivíamos uma provação pela qual deveríamos passar. Eu estava condenada ao sofrimento, eu e minha família.
A verdade é que todo tempo que eu passei ajoelhada à espera de um milagre não serviu para nada, além de criar dois buracos no chão de madeira. O milagre que eu tanto queria não viria, não era uma questão de fé e de implorar, pois tudo isso eu fiz, mas tudo que recebi em resposta foi silêncio. Deus queria minha resignação, mas não era isso que eu queria, não, eu queria um milagre, eu queria salvar minha família.
Olhei para os malditos buracos ao lado da minha cama, a cada dia mais fundos, e tive raiva. Se fizesse o pacto não teria mais que ficar ajoelhada rezando. Eu tinha uma decisão dificílima a tomar. Queria que meu pai estivesse vivo. Ele fazia tanta falta e, mesmo sem saber, talvez pudesse orientar minhas escolhas.
Eu e meu pai sempre fomos muito próximos, tínhamos muita afinidade e ele me entendia. Eu não precisava explicar quase nada, ele me olhava e simplesmente compreendia e me deixava falar e falar, e assim, juntos, encontrávamos um caminho a seguir. E como ele fazia falta. Em todas as noites que chorei sozinha, escondendo meus gritos e minhas lágrimas no travesseiro, todas as vezes que eu quis desabafar e não havia ninguém ali que me entendesse igual a ele.
Sim, é verdade, eu sempre fui alucinada pelo meu pai, também ele sempre foi tão bom para mim e me ensinou tantas coisas. Desde pequena foi ele quem me ensinou a lutar, a cavalgar e, depois que eu fiquei mais velha, me ensinou sua paixão pelos negócios. No entanto não era só eu, qualquer um que o conhecesse de verdade admirava muito papai. Apesar de tudo que sabia, ele tinha aquela majestade rara de olhar nos olhos e sabia dizer não sei em todas as raras vezes que lhe perguntavam alguma coisa que ele desconhecia.
Se meu pai estivesse aqui, como será que estaríamos? Talvez tenha faltado sua sabedoria. Eu tentei ser forte para minha família, mamãe também, mas estávamos sendo devoradas vivas. Claramente não estávamos dando conta, alguma coisa estava se perdendo e eu tinha medo de que, em algum momento, nos perdêssemos tanto que não houvesse mais volta.
Eu precisava tanto do meu pai. Estar com ele era tudo que eu queria. E como eu queria. Se ele soubesse...
Olho para o lado, o vento gelado entra em meu quarto e traz a certeza fria de que ele não está mais aqui. Coloco a mão em meu peito como se pudesse apalpar o rasgado da saudade. Ninguém pode ver o tamanho do rasgo. O buraco que só alarga e não diminui. Fecho os olhos e tento lembrar do seu sorriso largo, dos seus olhos brilhantes que me iluminavam como raios de sol. As conversas longas e sempre curtas demais que não voltam mais. Os copos vazios de vinho. O silêncio, hoje, que infesta e ensurdece.
Choro de olhos fechados, meu coração rasgado quer ele, quer falar com ele. Abro os olhos e, eu sei, ele não está. Fecho os olhos e volto a pensar nele com força. Não sei exatamente o porquê, mas começo a imaginar que eu possa abrir os olhos e encontrá-lo. Mas no quarto há só o vazio que eu já conheço. Devo estar ficando louca. Ainda assim continuo abrindo e fechando os olhos. Nada acontece. Volto a chorar. Encaro aqueles círculos no chão e cogito rezar de novo, mas a verdade é que não quero mais fazer isso. Começo a sentir um cansaço muito grande. Deve ser por conta da saída de ontem à noite, afinal eu estava desabituada. O sono pesa e está realmente difícil resistir. Vejo minha cama logo ali e eu posso me deitar só um pouco para descansar. Deito. Esforço-me para ficar de olhos abertos, eu tenho coisas para fazer. Tento pensar, mas o sono é maior e mais profundo e, então, ele me toma por completo. E é nesse momento que eu vejo nitidamente, sim, lá está ele, meu pai.
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Pacto Secreto
Paranormal*** VENCEDOR DO WATTYS 2020*** CATEGORIA PARANORMAL Algo terrível aconteceu que mudou completamente a vida de Valentina e de sua família. Em uma noite, surge um homem misterioso e sedutor e faz uma oferta tentadora à Valentina: tudo o que ela...