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You don't develop courage by being happy in your relationships everyday. You develop it by surviving difficult times and challenging adversity. Epicurus.

19.

Eu olhava para a mata à minha volta e confesso que sentia muito medo. Eu sabia que eu era forte, que Caim confiava em mim, que papai sempre acreditou em mim, que eu era confiante, mas ainda assim a natureza impunha uma grandeza que parecia muito superior às minhas habilidades. Era um grande desafio sobreviver ali só com a roupa do corpo. Fiquei intimidada. Por alguns instantes, em pânico e desejei imediatamente dar um jeito de ir embora dali.

Respirei fundo, como fazia em situações que ficava acuada. Acalmei. Comecei a recordar dos obstáculos que eu já tinha superado até hoje. Foram muitos, mas sofri grandes perdas e permaneço de pé até hoje.

Eu tinha perdido meu pai, meu mentor, meu melhor amigo. Eu que tinha optado por ver o mundo pelos olhos dele, depois tive que aprender a enxergar de novo, entender quem eu era e o que eu pensava. Decidi ser eu mesma e não mais quem ele acreditava que eu fosse.

Eu tinha visto minha irmã gêmea, a pessoa que parecia parte de mim, perder todos os movimentos, eu a vi usando fralda, ter seu corpo e todas suas necessidades mais íntimas devassadas, vi seu corpo passando a ser objeto e ser manuseado para tudo, para urinar faziam nela o cateterismo intermitente, para o banho e para a evacuação aquela cadeira higiênica, para a alimentação tudo controlado e na boca, para o sono que muitas vezes não vinha os remédios, remédios, sempre remédios para tudo, tudo. Eu vi a sua alegria tão doce e espontânea se esvair. Eu vi seus olhos perderem o brilho e se tornarem opacos. Eu tomei a decisão de carregar a culpa por ela vegetar na cama para sempre. Eu sozinha carreguei todo esse mundo de culpa nas costas, dia após dia, reza após reza, vi os buracos no chão cada dia mais fundos e meu joelho voltar sempre a sangrar, gritos nas toalhas, soluços na almofadas e pesadelos repetidos. Eu tinha sido julgada por minha mãe e minha irmã, únicas pessoas que amei depois de papai, e tinha sido condenada por mim e por elas.

Só que fui eu que aceitei esse fardo. E fui eu também que forte superei tudo isso. Senti brotar uma confiança dentro de mim. Entendi, como no dia do ritual de iniciação, que eu estava acima de tudo aquilo, que havia uma centelha mágica que morava em meu coração e que me dava força para acreditar, persistir e seguir em frente, não importando qual fosse o desafio, mas somente a fé que tinha em mim mesma e no Universo divino que me cercava ali naquele exato momento.

Meu pai sempre me ensinou que o medo não é um sentimento bom de se cultivar e, sempre que eu o sentisse, deveria vencê-lo, guiando minhas ações pela coragem. Lembrei de papai e de uma conversa que tivemos na fazenda quando eu tinha perto de vinte anos e que tinha me marcado. Eu tinha acabado de tombar feio de um cavalo bem rebelde e quis muito conversar com ele.

— Pai, acho que não sei mais montar cavalos rebeldes — confessei sem esperanças jogando meu chicote longe.

— Tina, você nunca vai perder a mão — ele disse colocando a mão no meu coração.

— Mas eu caí feio, você não viu? — perguntei irritada.

Ele gargalhou.

— Claro que vi. Você se deixou guiar pelo seu medo.

— Eu fui corajosa — falei, pois afinal tinha aceitado o desafio de montar aquele cavalo.

— Mas você sentiu medo e ele te paralizou — ele falou de forma carinhosa. — Você não pode deixar seu medo te dominar. É você quem está no comando sempre. — Ele se sentou na mesa da adega e deu alguns goles de vinho.

— Você diz isso, mas é difícil — bufei nervosa e sentei ao seu lado. — O cavalo hoje era pior, e a rédea parecia suja, minha mão escorregou e...

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