One must still have chaos in oneself to be able to give birth to a dancing star. Friedrich Nietzsche.
29.
Não sei bem por quanto tempo fiquei largada no quarto escuro. Para mim pareceu uma eternidade. Estava convicta de que não aceitaria a oferta de Mantus. Não havia mais medo. Não havia mais um desejo insaciável de querer diferente. Eu estava bem. Eu estava em paz. Eu estava além desse mundo. A força que eu sentia dentro de mim, era divina. Eu era divina. Ele nunca poderia me ter. Depois de muito tempo, a enfermeira robótica ingressou no quarto e não sei o que ela fez comigo, mas eu dormi instantaneamente.
Quando acordei estava em um quarto lindo, talvez não fosse nesse mundo. Raios de sol iluminavam as paredes cobertas com uma belíssima pintura da acrópole habitada por homens e mulheres, todos deuses lindos.
O lençol era dourado e a colcha minuciosamente bordada de uma cor vinho revigorante. Não havia mais nenhum aparato médico para me assombrar. E todos os tubos, sondas, e cateteres foram removidos, havia apenas um curativo na altura da minha traqueia. Eu estava viva e bem.
Curiosa movi minhas pernas e elas responderam ao meu comando. Excitada, gritei e saltei da calma, pulando. A alegria era tanta que comecei a correr pelo quarto. A felicidade contagiava-me, eu gargalhava. Eu podia me movimentar.
Uma sombra escureceu meu rosto quando me lembrei de Mantus. Eu preciso me proteger.
Corri para a janela e pude ver as paredes desbotadas, as enormes vidraças e o jardim três andares para baixo. Eu estou no casarão. Minha mente assumiu o controle por alguns instantes com seus julgamentos e teorias e senti ódio por tudo que havia acontecido.
Será que Mantus não aceitou minha recusa? Será que ele insistiria em me ter como sua escrava? Seria para eu sentir o conforto do luxo para que depois eu pudesse aceitar qualquer coisa? Qualquer que fosse a magia negra ou drogas que ele utilizou em mim, seu efeito já tinha passado. Eu conseguia me movimentar. Isso para mim era maravilhoso. Ele podia achar o contrário, mas tinha ainda menos chances de me convencer. Agora que eu podia me movimentar, eu tinha como vencê-lo.
Meu coração me perguntou o que eu faria com Caim, minha mãe e Sara e eu não soube responder. Eu sentia que eles não queriam meu mal. Eu sentia muitas saudades deles. Eu os amava de verdade. Eu não tinha raiva deles em meu coração.
Eu sentia falta da doçura perdida, de uma vida que não existia mais. Agora eu sabia demais. Eu sentia falta do amor puro que sentia tão forte por Caim. Senti saudade do carinho sincero da minha mãe, do sorriso feliz da minha irmã e da nossa cumplicidade, no tempo que tudo era bom. Eu os amaria para sempre, apesar do abandono cruel. Sim, meu coração os amava. A transformação me mostrava isso de forma muito clara. Eu os queria sempre bem, muito bem, apesar de tudo.
Uma lágrima escorreu e senti, mais uma vez, ela sendo enxugada.
— Pai? — perguntei sem esperar retorno.
Meu pai apareceu para mim. Eu senti muita alegria. Mais lágrimas caíram de meus olhos e ele as enxugou. Ficamos abraçados por um tempo longo, sempre curto demais.
— Calma, minha filha adorada — ele disse levantando meu queixo e sorrindo. — Eu estou aqui. Eu nunca te deixei.
Continuei soluçando e encostei minha cabeça no seu peito.
— Quantas vezes você não sentiu suas lágrimas sendo enxugadas?
Eu sorri, imaginando as várias vezes que sentia minhas lágrimas serem enxugadas.

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Pacto Secreto
Paranormal*** VENCEDOR DO WATTYS 2020*** CATEGORIA PARANORMAL Algo terrível aconteceu que mudou completamente a vida de Valentina e de sua família. Em uma noite, surge um homem misterioso e sedutor e faz uma oferta tentadora à Valentina: tudo o que ela...