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That which does not kill us makes us stronger. Friedrich Nietzsche.

Tal como no Rio de Janeiro, eu tinha minha roupa do corpo e meu punhal. Mais nada. Mas agora era bem pior, pois eu não tinha a perspectiva de que essa fase terminaria e eu poderia voltar para os braços de Caim, da minha mãe e de Sara.

Pensei em meu pai, pensamento sempre bom que enchia meu coração de alegria e no que ele poderia me dizer agora, fiz uma força descomunal, tal como antes de burlar a assinatura do pacto para ver se ele aparecia na adega pronto para tomarmos um bom vinho, mas nada acontecia.

Eu estava só, completamente só no mundo. Eu me lembrei da Amazônia, do Rio de Janeiro, de que era importante viver com coragem, ter fé em mim e no universo, mas agora aquilo parecia absurdamente ridículo e fútil. Acreditar em quê? Como eu poderia acreditar em qualquer coisa depois de tudo que me aconteceu? A verdade é que eu só tinha a mim mesma e tinha que dar um jeito disso me bastar. Buscava ser forte, tentava de forma desastrada impedir minhas lágrimas de caírem como se fosse feita de aço, queria comandar meu coração, mas como poderia? As lágrimas rolavam com velocidade pelo meu rosto e eu me sentia o pior ser humano do universo. Era estranho, mas eu sentia que as lágrimas pareciam ser enxugadas do meu rosto, como se alguém estivesse limpando minha face, eu devia estar enlouquecendo. Minha sanidade talvez fosse a última coisa que faltava eu perder...

— Pai? — gritei sem me importar de estar ficando louca como o homem no jardim.

Aflita busquei que a imagem de meu pai surgisse, mas nada aconteceu. Lágrimas agora caiam e novamente senti serem enxugadas.

— Pai, apareça para mim, por favor! — implorei chorando.

Nada acontecia. Agora as lágrimas caiam sem que ninguém as enxugasse. Meu pai não me queria. Ninguém me queria. Buscava controlar minhas emoções pela minha mente, buscava mentalmente me convencer de que eu era um dos melhores seres humanos que eu conhecia, porém meu coração em prantos me negava esse consolo e rasgava minha alma por dentro.

Minhas pernas doíam, já fazia algumas horas que eu havia deixado minha casa, mas eu não tinha vontade alguma de parar de andar e continuava. Andar e ver as paisagens, de alguma forma, me ajudava a ter um pouco de paz.

E assim eu andei por dias, não sei precisar quantos, parava apenas para beber água de bar em bar, por pura sorte eu tinha alguns trocados no bolso, suficientes para muitas e muitas águas que se foram com a minha caminhada. Não tinha fome e não comia. Deve ter sido isso, eu sinceramente não sei o que foi, mas houve um momento em que minha fraqueza era tanta, que meu corpo todo tremia em ondas de calafrio e suor, sentia o rosto quente, fervendo, e a cabeça doía em uma proporção desesperadora, sem aguentar mais, eu me rendi, simplesmente caí no chão e ali fiquei estendida, pronta para morte. Eu tinha também me perdido.

Tal como um animal que luta pela sobrevivência e se afasta do ataque dos predadores, eu me encolhi em um canto. Tremia de frio, era a febre, sentia que o calor queimava escaldante nos meus olhos e em todo meu corpo. De vez em quando abria os olhos e via pernas, saias, shorts, bermudas, calças, chinelos, sandálias e sapatos que passeavam na minha frente sem vergonha e sem parada, como se eu não existisse mais.

A indiferença à minha figura encolhida e tremendo não causava espanto aos inúmeros transeuntes que transitavam pela rua. Eu não fazia ideia de onde estava, mas a rua era extremamente movimentada, pernas e pernas perambulavam pelos meus olhos com uma rapidez frenética e desajustada. Quis pedir por ajuda, mas não vi sentido algum nisso. E me encolhi, tal como um feto, protegida do mundo, mas entregue à morte.

Já não me interessava por pensamentos, explicações ou porquês do que podia ter ocorrido comigo. Eu me rendi, deixei de lado os julgamentos e me entreguei com gosto à minha própria sorte. Eu não lutaria. Eu deixaria o mundo em paz. Eu havia sido renegada, recusada, violada, expulsa e maltratada. Eu sabia que era muito fácil culpar a Ordem ou minha família, mas de que adiantaria morrer como vítima do mundo?

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