CÁRCERE

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Faz mais de um mês que estou nesse quarto. Não acho ruim, na verdade estou gostando de ficar aqui quietinha sem me incomodar, não tenho vontade de sair ou de comer. Ficar lá fora significa ver Osman, sendo assim me sinto tranquila sabendo que aqui não estou enfrentando esse monstro que me atormenta a cada segundo dos meus dias.

Um médico me disse que minhas feridas inflamaram e tive delírios, mas não me lembro de nada, somente das coisas que Osman me fez.

Ele apareceu enquanto ainda estava no tratamento, senti um misto de medo e nojo. Mas desde então ele não veio mais. Espero que nunca mais desça, e me deixe aqui no meu cantinho.

Minhas feridas já estão cicatrizados, mas meu peito ainda dói muito. Sinto um vazio enorme, chego a pensar as vezes que fui morta naquela noite e minha alma está presa a este lugar para sempre.

Sinto saudades dos meus pais de Istambul e de Mardin, mas não tenho vontade de sair para nada, mesmo que seja para vê-los, não que ele tenha oferecido, muito pelo contrário, eu estoi proibida de vê-los.

Passo a maior parte do tempo dormindo ou falando com Üzi, a lagartixa que fica rodando no quarto. De início tinha medo dela, mas com o tempo comecei a conversar com ela, e vi que ela poderia ser uma válvula de escape para minha solidão. Falar minhas histórias, meus medos e meus sentimentos, por mais que não obtesse respostas do animal, me auxiliava a descarregar a tristeza que transbordava em meu ser. Depois de quase dois meses me escutando com certeza ela sabe de tudo da minha vida.

Divido minha comida com ela e em troca ela escuta todas as minhas histórias.

A mulher que trás minha comida fala comigo somente para me forçar a comer, fora isso, não fala mais nada.

Também tem uma mulher que vem fazer a limpeza. De início morri pedindo para ela ao menos deixar eu ajudar, mas a mulher me proibiu de dirigir a palavra a ela, pois isso prejudicaria seu trabalho. Decidi obedecer, ela precisava muito do emprego e eu não seria uma narja e causar todo esse conflito. Para ocupar minha cabeça comecei imaginar os motivos pelo qual ela estava trabalhando e como era sua vida e família.

Escuto a porta se abrindo e me encolho mais ainda na cama, todas as vezes que abrem a porta sinto pavor em imaginar que seja Osman.

Era a mesma mulher que trás minha comida, mas dessa vez ela não trás nada em mãos.

- O Senhor Harra permitiu sua saída lá fora para tomar um sol. - Ela falou como se tivesse decorado o texto.

- Obrigada por vir até aqui me chamar, mas eu não vou, prefiro ficar. - Falei decidida, não quero sair, sinto medo só de imaginar.

- Mas senhora, aproveite a chance de sair um pouco daqui. - Ela estava falando comigo, aquilo estava estranho.

- Por favor, me deixe, prefiro ficar. - Falei soando um tanto grosseira para ela me deixar em paz.

- Tudo bem. - Ela desistiu e saiu.

Peguei em meu colar e lembrei de Asad. O que estava fazendo agora? Será que lembra de mim como eu lembro dele?

Passei horas neste pensamento e relembrando dos meus encontros com ele. Falei para Üzi sobre todas as minhas histórias com Asad.

{...}

De acordo com meus riscos na parede, faz dois meses que estou presa neste quarto. Uma vez por semana sou chamada a sair para tomar sol e sempre recuso. Ainda não tenho vontade de sair e descobri que já não tenho mais vontade de continuar, a cada dia o vazio me consome mais.

Acordei e depois da minha higiene matinal fui até a parede e fiz outro risco para marcar mais um dia que estou nesse quarto.

Escutei a porta se abrir e me encolhi na cama. Era a mulher que trás os alimentos, fiquei surpresa pois ela não trazia nada.

ATA-MEOnde histórias criam vida. Descubra agora