Janeiro de 2018

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14 de janeiro de 2018

(Santana)

“Quinn, pega as castanhas de caju.”

“Não acha que já está de bom tamanho?”

“Oreos, doritos, biscoitinhos de pimenta, amendoim doce, balas de menta, MMs... não, eu acho que faltam as castanhas de caju.”

“Mas são as minhas castanhas de caju. Eu comprei o pacotinho para eu comer porque li na revista que comer umas quatro castanhas por dia faz bem a saúde. Então o meu intuito é fazer durar. Só que se eu disponibilizar as minhas castanhas de caju, elas vão desaparecer em 10 minutos.”

Olhei para Quinn e procurei sensibilizar e racionalizar junto com minha cunhada. Ela tinha uma boa razão, por isso mesmo concluí com toda seriedade.

“Pega as castanhas de caju. Porque se você não pegar, direi a Santiago que tem castanha de caju e marginal do jeito que ele é, vai ser capaz de revirar essa casa atrás do pacote.”

“Ele não é marginal...” – Quinn bufou – “Tá, eu coloco uma tigelinha na mesa.”

Olhei para a mesa enfeitada. Tinha um copo com canudos, copos descartáveis, guloseimas, as cervejas e os wine collers estavam na geladeira. As pizzas estavam à caminho. Colocamos a cesta de lixo ao lado da mesa para evitar tanta circulação em nosso apartamento. Nosso cartaz estava excelente. Eu que tinha feito com canetinha e giz de cera, como nos trabalhos para escola que costumava participar quando estava na Junior High e até em algumas ocasiões em McKinley a mando de Sue Sylvester. Tudo estava lindo, perfeito, no lugar. Agora era só esperar pelos convidados.

A primeira a chegar foi Tomiko. Ela ajustou os óculos e ficou olhando o ambiente como se tivesse entrado num ambiente estranho, extra-terrestre. Foi assim também na primeira vez em que pisou os pés aqui. Achava engraçado a forma como ela facilmente se sentia assustada por minha causa. Sadicamente engraçado.

“Sente-se Tomiko” – tomei-lhe o casaco e ela se encaminhou para a sala.

“É sempre a primeira a chegar em festas?” – Quinn perguntou jovialmente enquanto eu pendurava o casaco e a bolsa dela no cabide do armário de entrada.

“Não é regra, mas Santana disse que me demitiria se não aparecesse.”

Disparei a rir. Era a mais pura verdade e eu não tinha a menor vergonha de usar o meu poder e a minha posição para esse tipo de coisa. Era o doce sabor do ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo.”

“É por isso que eu a chamo de Satan desde os tempos em que estudávamos juntas na junior high” – Quinn procurou amenizar.

“O quê?” – sentei com as duas no sofá – “Você era uma balofa retraída na junior high que sequer trocava uma palavra comigo. Até porque se falasse, ia ter briga.”

“Eu te chamava de chamava de Satan em pensamento naquela época.”

Como era possível achar tudo engraçado sem estar bêbada ainda? Aliás, não tinha colocado uma gota de álcool na boca desde a festa de ano novo que eu e meus pais participamos na praia em Punta Cana, na República Dominicana.

“Cerveja?” – perguntei a Tomiko.

“Aceito uma” – disse constrangida.

Ótimo. Tinha uma desculpa para tomar o meu primeiro gole. Não muito depois bateram à porta Kurt, Santiago, Andrew e Izabella. Uma festa de solteiros, exceto por Quinn. Mas como Rachel estava em Los Angeles naquele instante, não haveria casais na festinha. Convidei Tomiko porque ela é uma boa garota que não tinha muitos amigos em Nova York e tinha um terrível histórico de ser sacaneada pelos namorados que tinha. Pelo menos foi o que Carl contou. Pensei: por que não? Kurt é um velho amigo nosso, mais de Rachel, enfim, tinha ligação suficiente para estar na festinha. Santiago é o melhor amigo de Quinn depois de Mike. Andrew é o meu único ex que tornou-se um grande amigo. Izabella era divertida. Considerava que tinha reunido um bom grupo.

Conferi o relógio. Faltavam dois minutos. Tempo suficiente para eu fazer o meu discurso. Peguei minha cerveja, e fique à frente da televisão.

“Senhoras e senhores, bem-vindos à nossa reunião do tapete vermelho. Alguns de vocês ao sabe do que isso se trata, mas é o seguinte: minha irmãzinha, a atriz da Broadway que faz pé de meia em Hollywood, às vezes aparece em tapetes vermelhos. Quinn e eu passamos pela experiência de alguns e também de premieres de filmes e tudo mais. São eventos divertidos, mas nem sempre é tão legal assim ficar no meio das panelinhas de atores.”

“Verdade!” – Quinn ergueu a garrafinha de wine coller.

“De qualquer forma, mesmo sem acompanhar Rachel, nós torcemos pelo sucesso dela como malucos. Por isso que Quinn e eu...” – e basicamente Johnny, mas eu não o mencionaria – “inventamos a noite do tapete vermelho. Senhoras e senhores” – liguei a televisão. Estava na hora da entrada dos artistas no canal da E! – “vamos incorporar o espírito de Beaves e Butthead, comentar o tapete vermelho e torcer para que Slings and Arrows ganhe mais uma vem o Golden Globe!”

“Mais importante que isso” – Quinn levantou-se e ficou ao meu lado – “Que a minha esposa, Rachel Berry, possa levar o prêmio de melhor atriz coadjuvante logo na primeira indicação!”

Gritos de comemoração. Nossos amigos pareciam loucos, em especial Kurt, que era o mais histérico. Comecei a gargalhar só em ver o rosto dele, as expressões. Seria uma noite divertida. Os petiscos rapidamente migraram da mesa de jantar para a mesinha de centro. A gente se espalhou pela sala, pelo sofá, nas poltronas ou no chão, sentados em cima das almofadas.

“Essa mulher está completamente chapada” – Andrew começou com o veneno na hora em que Christine Sanderson, uma coadjuvante de araque, foi entrevistada.

“Meu deus, ela se vestiu de bolo de casamento azul!” – Kurt soltou um gritinho e colocou a mão na boca para abafar o gritinho ao comentar outra atriz.

“Se viu lá atrás?” – Tomiko comentou – “O Will Smith esbarrou no vestido da mulher dele”.

“Esse cara é o maior maconheiro de Hollywood” – Quinn comentou – “Ouvi dizer que os produtores evitam chamá-lo apesar do talento dele porque além de chapado, ele ainda vende algumas gramas aos colegas.”

“Esse cara é totalmente gay” – Izabella falou como se fosse uma expert – “Olha o jeito que ele anda.”

“O que isso tem a ver? Eu sou gay e não ando assim” – Kurt tentou rebater.

“Você não é só gay. Você é uma lady completa” – ela rebateu e Quinn cuspiu o wine coller.

Ok, entendi que Tomiko era a especialista em flagrar detalhes no background. Kurt e eu debatíamos sobre as roupas. Quinn e Santiago falavam de pequenas fofocas que tinham ouvido dizer sobre uma celebridade e outra. Andrew e Izabella faziam comentários genéricos e imbecis, mas divertidos. Estava orgulhosa da interação do nosso grupo.

“Pessoal!” – Quinn disse segurando o celular dela – “Rachel acabou de me mandar uma mensagem dizendo que está quase chegando ao tapete vermelho. Ela vai tuitar a respeito.”

Cinco minutos depois apareceu o tuíte e eu entrei no fórum de discussão dedicado à série.

“Olha só essa daqui dizendo ser uma fonte interna que garantiu que Rachel vai chegar ao tapete vermelho com Mike porque os dois reataram.”

“Ué” – Quinn franziu a testa – “Quem deve ser essa maluca?”

“Sei lá. Mas ela está errada. Além disso, qualquer um pode trollar nesses fóruns. Eu mesma trollo” – soltei uma gargalhada. Era verdade. Quando estava entediada, entrava nesses fóruns de fãs sobre a série da minha irmã ou mesmo quando ela era o tópico e dizia coisas como Rom e Rachel eram coisa séria, mas foram orientados a não irem a público porque a HBO acha que é publicidade desnecessária dizer que o casal na série também está junto na vida real. Noutra vez disse que Rachel era gay e namorava secretamente uma cineasta. As pessoas simplesmente piravam.

De qualquer forma, Rachel apareceria no tapete vermelho acompanhada de Luis Segal, já que ele, complicado como era, não conseguia manter uma namorada por mais de um mês. Mike só iria às festas promocionais que rolavam por causa da premiação. Luis concordou em entrar com Rachel sem precisar dizer qualquer palavra, só para deixar as especulações acontecerem em favor de manter a verdadeira sexualidade da minha irmã longe da mídia. Não falariam nada, não afirmariam nada. Só entrariam juntos e que os outros especulassem. Além disso, como Sundance começaria na semana que entrava e Rachel participou do filme dele que estrearia no festival, seria conveniente mostrar que parceiros do seriado estendiam as fronteiras da amizade para outros projetos. Minha irmã também ia viajar com Segal para Utah para a estreia do filme. Voltaria só na quinta-feira. Correria total. Aposto que no fim da semana haveria dezenas de relatos que os dois estariam de caso.

“Rachel no tapete vermelho” – Kurt estava quase histérico – “Rachel no tapete vermelho.”

“Aumenta o volume” – Quinn ordenou.

“De jeito nenhum” – recolhi o controle remoto – “E ficar escutando a voz enjoada da Kirsten Blommer?” – a moça em questão era uma das entrevistadoras do tapete vermelho. Sério, ela tinha a voz mais irritante do mundo.

“Eles chegaram juntos mesmo” – Quinn enrugou a testa. Podia apostar que o ciúmes iria aparecer em meio segundo – “Melhor ele se comportar.”

“Não Quinn, não sabe que está combinado dos dois protagonizarem um mega beijo na frente dos fotógrafos?” – ela me olhou de um jeito peculiarmente homicida.

“Qual é?” – Izabella desdenhou – “Nem estão de mãos dadas. Se fosse para fingir que estavam tendo alguma coisa, ele teria pelo menos segurado a mão dela. Nem isso. Só estão caminhando juntos.”

“Mas no fórum há um melodrama extraordinário porque Rachel não está com Rom” – Tomiko estava acompanhando atentamente a internet no meu tablet. Estava grata que ela se divertia.

“Olha lá Amanda chegando também” – Andrew observou – “Acho ela simpática. Pelo menos ela foi simpática comigo na vez em que nos cruzamos aqui.”

“Atores freqüentam aqui?” – Tomiko arregalou os olhinhos orientais.

“Você está na casa de Rachel Berry!” – Kurt desdenhou – “O que acha?”

“Nem tanto” – Quinn corrigiu – “Os atores que freqüentam mais ou menos aqui em casa são os três mosqueteiros” – ela se referia a Rom Tyler, Amanda Springfield e Luis Segal – “Mike não conta porque é amigo da gente desde os tempos de Lima. De resto? É raro aparecer alguém. Rachel já trabalhou com uma pá de gente. Alguns do primeiro time de Hollywood, mas ela só criou laços profissionais com a maioria deles.”

“Pessoal” – Santiago chamou a atenção – “Rachel vai falar!”

Aumentei o volume. A tela mostrava minha irmã com Segal.

“Aqui estamos com os atores Rachel Berry e Luis Segal de Slings and Arrows. É a terceira indicação de Luis para ator, mas é a sua primeira. Como se sente?”

“Nervosa” – ela realmente riu de nervoso.

“Eu estou tranqüilo” – Segal se inclinou para falar ao microfone e os três riram forçado. Tapete vermelho era isso: um baile de sorrisos congelados.

“Foi chocante como a série terminou a terceira temporada. Vocês acham que os seus personagens vão voltar?”

“Não sei” – Segal respondeu – “Assinamos para mais duas temporadas e até lá não tenho idéia do que o centro de comando vai aprontar.”

“Centro de comando?”

“É como chamamos os nossos roteiristas e produtores” – Rachel explicou.

“Rachel, e esse vestido lindo? O que está usando?”

“Obrigada. Esse é um Armani Privé.”

“Linda, linda. Muito obrigada aos dois e boa sorte. Agora vamos chamar Jack...”

“Uau. Esse vestido deve ter custado uma nota” – Tomiko perguntou quando a imagem cortou para o outro apresentador que estava com Bem Affleck.

“Custou um centavo, querida” – Kurt disse como se aquilo fosse óbvio para todo mundo – “As empresas ligam para as atrizes e propõe vesti-las para expor os modelos. Rende mais publicidade do que as semanas de moda, se quer saber.”

“Nem todas as atrizes” – Quinn corrigiu – “Até pouco tempo atrás, era Rachel que tinha de ligar para as lojas para comprar os vestidos. Eles só a procuraram neste ano porque ela foi indicada a um prêmio e com certeza teria destaque na televisão. É porque a gente não vê da televisão, mas junto com ela está um cara que está ali só para cuidar do vestido em qualquer eventualidade. Ela teve uma equipe de maquiagem e cabelo patrocinada neste ano só por causa disso.”

“Nossa!”

“É nossa!” – Santiago desdenhou e abocanhou um pedaço de pizza – “Essa parte dos negócios é um saco. Ainda bem que a gente não faz parte disso, né Quinn? A não ser que a gente seja indicado para um Oscar.”

“Mesmo que eu seja indicada a um Oscar de melhor fotografia, ninguém vai me dar um vestido. Na verdade só vou aparecer se eu ganhar, a televisão vai mostrar muito mais os atores e o diretor que participaram da produção e os organizadores vão querer me cortar depois de 20 segundos do discurso de aceitação e agradecimento.”

“Essa é a dura realidade de quem está atrás das câmeras” – Santiago foi ironicamente sonhador – “Mas pelo menos há uma boa chance de comer a atriz no final, né Quinn?”

“Deixa de ser idiota” – Quinn de uma almofadada na cara de Santiago e eu ali acompanhando a discussão dos dois patetas.

Meia hora depois, a cerimônia começou. Depois das piadas iniciais feitas por Tina Fey no retorno triunfal dela à frente dos Golden Globes, anunciaram o primeiro prêmio da noite que era justo o de melhor atriz coadjuvante de séries de TV. Era uma indicação muito mais complicada do que a das categorias de atores principais porque eram cinco pinçadas das séries de comédia e de drama. Ao passo que na categoria de melhor atriz, se tinha cinco para drama e cinco para comédia. Minha irmã estava lá em meio a tanta gente boa. Foi considerada zebra pela imprensa especializada. Mas e daí? Ela realmente teve uma grande temporada em Slings and Arrows e havia debates de que ela havia se tornado a atriz principal, mas não internamente porque Grace Hemon tinha o status e não era uma figura fácil de lidar. No ano passado rolou uma tensão entre ela e Rachel por causa do destaque maior da minha irmã e prevejo uma guerrilha interna em abril, quando a série era gravada.

Enquanto Richard Madden e Nikolaj Coster-Waldau anunciavam o nome das indicadas, Quinn agarrou a minha mão e apertou. Meu coração disparou e fechei os olhos. Que fosse Rachel Berry, Rachel Berry, Rachel Berry, Rachel Berry.

“E o Golden Globe vai para Jane Krakowski.”

Muitos aplausos por parte da platéia local porque tratava-se de uma atriz querida pelo meio. Mas aqui em casa foi um anti-clima. Todo mundo sabia que as chances de Rachel vencer eram pequenas, mesmo assim havia a esperança, a expectativa. Santiago pegou mais um pedaço de pizza e enfiou na boca.

“Alguém está afim de jogar poker?”

Em quinze minutos, após a decepção e o envio de mensagens de consolo a Rachel pelo celular, estávamos todos sentados ao redor da mesa de centro com cartas na mão. As balinhas, chocolates e amendoins se transformaram em fichas. A televisão ainda estava ligada na cerimônia e as vezes a gente parava para ver um anúncio ou outro. Luis Segal, por exemplo, também não levou o prêmio. Bom, ele já tinha conquistado dois Golden Globes. Slings and Arrows também não ganhou melhor série comédia.

“Eu não gosto de jogar poker” – Tomiko disse levemente embriagada – “sempre perco” – jogou as cartas dela sobre a mesa.

“Tudo é uma questão de querer fuder desesperadamente quem está ao seu redor na mesa” – Andrew explicou como se fosse autoridade.

“Fuder em qual sentido?” – Izabella perguntou maliciosamente – “porque se for no sentido que estou pensando que é, pensar em fuder alguém dessa mesa até o cérebro explodir é uma realidade.”

“Uma bem perturbadora” – Quinn fez cara de enojada ao passo que eu senti o meu rosto corar violentamente.

“Eu te foderia sempre que quiser. É só chamar” – Santiago disse a Izabella sem nem tirar os olhos das cartas.

“Ok, vamos mudar de assunto” – Quinn levantou a voz – “Eu também estou fora da rodada junto com Tomiko” – ela jogou as cartas no centro da mesa – “Joguinho infeliz esse.”

“Relaxa Quinn” – provoquei – “Beba mais um pouco que você vai para a cama mais cedo e nem vai ficar se questionando o que Rachel está fazendo nas festas. Com certeza ela já encheu a cara ali mesmo, na cerimônia. Então faça o mesmo. Você sempre fica menos chata quando está alta.”

“Ah Santana, vai se fuder.”

Gargalhadas gerais. Nesse meio tempo flagrei olhares diferenciados entre Andrew e Tomiko. Isso e um sorrisinho maroto. Estreitei meus olhos para os dois. Será? Tomiko era uma boa garota e Andrew um adorável nerd, fiel, que poderia tratá-la direito. Ele me tratou direito e serei eternamente grata por ele ter segurado a barra num momento em que estava perdendo o controle com a erva nas festinhas da Columbia. Se não fosse pela sobriedade de Andrew, poderia ter caído na tentação de experimentar coisas bem mais pesadas e sabe-se lá como seria a minha vida. Estava lá por mim. Verdade que nunca o amei como namorado do jeito que ele merecia, mas Andrew será eternamente um dos meus grandes amigos. Eu o conhecia bem. Sabia quando se sentia atraído. Era o que acontecia em relação a Tomiko. Eu faria o maior gosto se os dois se envolvessem.

A campainha tocou. Não a do interfone, mas a da porta. Levantei-me para atender. Poderia ser o vizinho de porta, também conhecido como subsíndico, para pedir alguma coisa ou fazer comunicados importantes em relação ao condomínio. Só podia ser isso porque eu não acreditava que alguém reclamaria de barulho sendo que nem era dez da noite e o ruído no meu apartamento era aceitável. Abri a porta de uma vez.

“O que...” – era a surpresa da noite – “Johnny?”

Johnny sorriu sem-jeito.

“Boa noite” – ele próprio estava corado.

Fechei a porta atrás de mim e ficamos os dois no corredor do andar.

“O que veio fazer aqui? Aconteceu alguma coisa?”

“Nada é que... Eu estava só lá em casa vendo TV e hoje era dia de premiação... Rachel... e lembrei que a gente inventou a noite do tapete vermelho. Acho que eu fiquei saudoso e agora estou morrendo de vergonha por ter aparecido.”

Aquela história estava mal contada. Tinha de ter algo mais. Não era possível que Johnny fosse aparecer na porta da minha casa com uma desculpa idiota.

“O que realmente aconteceu?” – cruzei os braços. Johnny nem conseguia olhar para mim de tão constrangido. Colocou as mãos nos bolsos da calça e olhou para o chão.

“Rachel me mandou uma mensagem de texto pedindo para eu passar aqui checar se estava tudo bem contigo e Quinn.”

“O quê?” – deu um grito no corredor e a porta do meu apartamento se abriu. Era Quinn.

“San? Quem... Johnny” – Quinn avançou e os dois trocaram um breve abraço – “Senti sua falta. Você nunca mais mandou mensagens e nem deu notícias.”

“Eu também senti sua falta.”

“Mas o quê está fazendo aqui?”

“Era o que ele estava prestes a me explicar” – ainda estava de braços cruzados.

Johnny pegou o celular e em seguida me mostrou uma mensagem da minha irmã mandada meia hora atrás.

“Meu vizinho reclamou de barulho excessivo vindo da minha casa e eu não consigo falar com elas por telefone. Pode ir lá e checar se Santana e Quinn estão bem?” – Rachel

“Aquela pulga maquiavélica! Fez você sair daquele buraco de Jersey City para cá por causa de um trote?” – esbravejei entregando rapidamente o celular para Quinn conferir.

“Você poderia ter ligado...” – Quinn disse o óbvio da lógica, mas isso deixou Johnny ainda mais sem-graça.

“Passou mil caraminholas na cabeça e eu não pensei... cumpri o pedido à risca e... é verdade, Rachel foi mesmo maquiavélica e eu não entendo a razão.”

“Só cego não vê” – Quinn murmurou não baixo o suficiente para me passar despercebido – “Já que está aqui, porque não entra e toma uma cerveja com a gente. A turma de sempre está aí.”

“Se não for problema...”

“Entra Johnny” – segurei-o gentilmente no braço – “E não precisa agir com se tivesse culpa de alguma coisa quando eu fui a total responsável pela merda.”

Ele me olhou intensamente e por um momento pensei que ele fosse me mandar à merda e sair fora. Eu teria feito isso. Mas não Johnny. Ele acenou e entrou. Foi cumprimentado por todos, em especial por Santiago. Os dois sempre se deram bem. Olhei para o cenário e quis gargalhar. Era bizarro e quase assustador ter três pessoas com que tive relacionamentos de alguma natureza no mesmo teto. Izabella foi meramente sexual. Andrew foi o namorado que não amei como devia. E Johnny foi um dos amores da minha vida. Por mais que procurasse ampliar meu círculo de amizades, ele sempre pareceria pequeno de alguma forma. Ao menos havia origens distintas ali. Menos mal.

Jonnhy tomou uma cerveja e acompanhou o jogo de poker. Àquela altura, apenas Quinn, Kurt, Izabella e Santiago jogavam as cartas. Andrew conversava com Tomiko e eu ali, um pouco mais afastada observando tudo.

“Que droga por Rachel não ter ganho do globo” – Johnny se aproximou segurando a segunda garrafinha de cerveja e sentou-se ao meu lado à mesa.

“Haverá outros. Ela deve estar indo para alguma festa à essa altura” – a cerimônia tinha se encerrado na televisão – “Desculpe mais uma vez pelo que minha irmã fez. Ela fica fazendo esses golpes bobos para tentar reaproximar a gente.”

Até onde sabia, houve duas tentativas fracassadas. Uma foi uma tentativa de forçar um encontro “casual” no Alberta’s que eu compareci, mas Johnny não. Noutra vez ela quis reunir todo mundo para almoçar num restaurante bacana em frente ao Central Parque para comemorar a renovação do contrato dela com a HBO que ninguém apareceu porque aconteceu uma nevasca. Ela nunca havia comemorado contrato algum dessa forma. Por isso pensei: golpe. O que minha irmã não entendia que não era eu quem temia a reaproximação. Era Johnny. Era a confiança dele que eu deveria reconquistar. Mas eu perdi as esperançs e a vontade quando o vi com namorada nova.

“Como vai o seu namoro?” – perguntei por perguntar.

“Quer mesmo saber?” – ele franziu a testa.

“Por que não? A não ser que você não queira, ainda te considero um amigo, certo? Gostaria de saber como andam as coisas.”

“Certo” – ele sorriu sem jeito – “Meu namoro vai bem. Laura é uma pessoa bem legal. A gente meio que está morando juntos” – parecia que ele deu um tiro, mas acenei e tentei permanecer neutra.

“Naquele cafofo horrível?”

“Eu me mudei, San. Desde outubro que moro no Brooklin, no bairro vizinhou ao de Kurt, inclusive.”

“Sério? E você levou só meia hora para atender o telefonema de Rachel e vir até aqui? Quer dizer, é quase isso o tempo que leva para o metrô chegar aqui, ainda mais operando no fim de semana.”

“Eu estava aqui por perto quando recebi o recado. Vim à pé.”

“Oh!”

“E você? Como está?”

“Estou bem. As coisas estão na normalidade. A Rock’n’Pano se recuperou daquela crise e a gente conseguiu avançar nos negócios. Estou pensando até em contratar mais um funcionário e colocar Tomiko para gerenciar o escritório no Bronx.”

“Puxa, que legal. Tomiko é uma figura.”

“Ela é como um cão fiel, mas o bacana é que está sempre disposta e já aprendeu um bocado. Zaide adora falar com ela pelo telefone. Morre de rir porque diz que ela parece um robozinho estranho... Ei, noutro dia vi no site da editora o seu segundo livro. Comprei um para mim.”

“Gostou?”

“Você mudou mesmo. Ficou diferente daquela primeira versão que li. Bem melhor, para ser franca.”

“Obrigado. Sei que não é uma obra-prima e Quinn provavelmente me criticaria.”

“Mas está realizado, não é?”

“Ainda tenho que trabalhar no estúdio de tatuagem para pagar o aluguel, mas quem sabe? Eu fechei contrato para um terceiro livro.”

“Outro romance?”

“Não. Laura sugeriu que fizesse a história desses lugares undergrounds que freqüento ou freqüentei em Manhattan. Não sou um jornalista e nunca fui pesquisador, mas é uma nova experiência. Estou curtindo entrevistar as pessoas e conhecer as histórias” – ficaria mais entusiasmada com a notícia se a ideia não tivesse partido de Laura – “Tem visto Brittany?”

“Não desde o casamento de Mercedes... mas a gente procura se falar pelo menos uma vez por mês.”

“Achei que o caminho estivesse livre para vocês ficarem juntas.”

“O caminho nunca esteve livre, Johnny. Não da minha parte.”

“Por que não?”

Olhei para o meu ex-namorado de um jeito que ele saberia que estava sendo absolutamente sincera.

“Porque a única conclusão que tirei de toda essa merda que aconteceu entre nós três é que o meu amor por Brittany, esse de querer ficar com ela, passou. Eu ainda a quero na minha vida, mas o desejo passou, a época passou. Eu e Brittany? Não era para ser.”

“Eu sinto muito, San. Sinto muito mesmo” – ele passou a mão nas minhas costas e eu lutei para não fechar os olhos e apreciar ainda mais o toque carinhoso. Parecia que as mãos deles tinham eletricidade. Ou seria eu que estava desesperada por isso?

“Talvez eu encontre alguém novo. A gente nunca sabe” – era uma possibilidade, mas não era o que queria no fundo e desejava que ele não acreditasse nisso. O fato era de que era uma droga estar por baixo.

Eu queria Johnny de volta para mim. Mas como tentar lutar quando ele aparentemente estava feliz com a tal de Laura? Eu podia ser uma bitch, mas jamais tentaria arruinar deliberadamente uma relação, a não ser se descobrisse que Laura era uma vaca que não merecia Johnny. Ou algo grave. Mas a verdade é que tudo que tinha dela era uma antipatia. Sabia nada dela, da vida dela.

“Você merece ser feliz, San. Não se prive disso por ninguém.”

Ele terminou de tomar a cerveja e começou as despedidas. Começaram as despedidas. Johnny deixou para me abraçar por último. Deu um beijo no meu rosto e eu apreciei um pouco o calor do corpo que sentia tanta falta. Foi embora prometendo não desaparecer. Acredito que o ranço estranho que existia entre nós passou um pouco mais.

Quando Johnny finalmente foi embora, sabia que precisava fazer algo a respeito da minha pessoal. Deveria estar disposta a seguir em frente. Ou, ao menos, me abrir um pouco mais. Foi nesse momento que olhei para Izabella. Se eu quisesse, ela ficaria comigo e passaríamos a noite. Mais uma noite. No entanto eu a abracei na porta da minha casa e prometi ligar depois. Fiquei feliz com a minha atitude. Assim que Quinn e eu nos vimos sozinhas em casa, desejamos boa noite um apara outra e cada uma foi para o seu quarto. Quanto a bagunça, bom, essa Bena teria de arrumar sozinha quando chegasse para trabalhar pela manhã. O que sei é que deitei com a consciência tranqüila no travesseiro. Tinha a certeza que Johnny e eu estávamos prontos, ao menos, para tentar sermos amigos outra vez.

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