Janeiro de 2020

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18 de janeiro de 2020

(Santana)

“Seja boazinha” – Johnny sussurrou no meu ouvido.

“Você, logo você, está pedindo para eu ter calma com aquele sujeitinho?”

“Lembre-se que você e sua irmã estão aqui para a reinauguração do teatro, pelo projeto, não por causa dele. Além do mais, se ele falar ou fizer qualquer merda, deixa que eu passe por ignorante.”

“Você é mais delicado do que eu.”

Johnny soltou uma gargalhada. Era verdade. Eu conseguia ser mais casca-grossa do que ele. Jogou a cabeça para trás com o riso. Estava totalmente relaxado e de bem com a vida. Estava feliz pela excelente fase em que atravessava. Dias atrás eu o acompanhei numa feira literária em Miami e me surpreendi com a quantidade de elogios que ele recebeu. A mesa redonda em que ele participou teve lotação máxima e foi um orgulho ver que Johnny poderia ser um bom argumentador apaixonado dentro do assunto em que dominava. O segundo livro de pesquisa dele (o quarto da carreira) vendeu mais de cinco mil cópias em e-book. A versão impressa, naquela altura uma peça para os leitores mais devotos, tal como se tornou o disco de vinil para os fãs da música, tinha boa saída e estava quase esgotando a primeira edição de mil exemplares. Além disso, havia o projeto do Huffington Post que estava em pleno curso com previsão de lançamento para maio. Meu Johnny precisava dessa realização profissional. Isso o deixou mais confiante da própria capacidade, a estima melhorou e, com isso, tudo melhorou. Estava orgulhosa de Johnny por ele finalmente ter encontrado o caminho para andar com as próprias pernas e não mais improvisar a própria vida em bicos e meios de sobrevivência que limitavam a capacidade dele.

Mas estávamos ali em Lima atendendo ao convite do Grupo Schuester de Arte Independente, coordenado por Finn Hudson, Tina Chang, e Marley Rose. Eu não fazia questão de comparecer, mas Rachel me convenceu que tínhamos uma história importante com Lima e com aquelas pessoas, além de sermos as principais patrocinadoras da reforma do teatro. Tínhamos de prestigiar. Rachel me convenceu, inclusive de cantar com ela e Quinn para cantar “Love Songs”. Fizemos um ensaio rápido na casa dela em que Johnny tocou o violão e Rachel tocou teclado do jeito “pro gasto” que ela tocava. O problema foi quando fizemos o ensaio geral com a banda e descobrimos que Finn Hudson tocaria bateria em praticamente o tempo inteiro. Não leve a mal, ele era um bom baterista e isso eu não podia negar. Mas a partir do momento em que ele quis palpitar no arranjo que montamos, eu quase pulei no pescoço dele e veio todo o estresse. A minha vingança aconteceria assim que Rachel soltasse a bomba de que estava grávida de Quinn graças ao maravilhoso desenvolvimento da ciência. Vai ser a minha glória.

Estamos ali no backstage observando os últimos arranjos para a reinauguração. Na primeira parte do programa alguns dos antigos alunos se apresentariam, incluindo nós quatro, e na segunda parte o atual coral faria um set de três músicas.

Nem todos puderam vir. Mercedes não pode deixar o trabalho no Canadá. Ela já estava com o processo de divórcio praticamente concluído, Julio não criou problemas, e ao que parece já partia para o próximo. Se a fila andava para o meu primo, tinha de andar para a minha amiga também. Gostei de saber que ela não estava fechada para um novo amor. Blaine também não veio, nem Sam, Matt, Kurt e Artie. Mas o professor Schuester e Emma ocupavam as poltronas de honra para prestigiar um projeto inspirado nele.

Espiei o teatro. O lugar estava cheio e precisaram colocar algumas cadeiras extras. Não sei se foi pelo projeto em si ou se porque o nome da minha irmã estava enorme no folder de divulgação. Quem não tinha a curiosidade de um ver uma atriz de certa fama por perto e que tinha saído ali, de Lima?

“Estou nervosa” – Brittany segurou minha mão. Estava mesmo fria.

“Para alguém que já encarou público da Beyoncé, isso deve ser nada” – Johnny tentou ajudar.

“É diferente” – Brittany explicou com gentileza – “Não é que alguém fosse olhar para mim no show da Beyoncé.”

“Lembra quando você e Mike arrebentaram enquanto eu cantei Valerie? Dessa vez não vai ser diferente. Vocês vão arrasar, como sempre fizeram.”

Não achava que Brittany estivesse nervosa de verdade. Acho que a ansiedade dela era por causa da parte em que haveria uma pequena encenação puxada por Mike que iria culminar num número de dança. Depois Finn, Tina e Marley faria o discurso de inauguração e programa seguiria.

“Com estou?” – Mike Chegou até nós arrumando a gola da camisa.

“O maior gatão” – Johnny disse em tom brincalhão.

“Você não é mal. Deveríamos sair depois” – rimos com o flerte brincalhão entre os dois, o que me fez esquecer um pouco da soberba de Finn Hudson.

“Três minutos, senhor Chang e senhora Pierce” – uma assistente noticiou.

“Merda pra vocês” – desejei para os meus dois amigos.

Da lateral do palco, acompanhei com Johnny abraçado a mim, a performance dos meus queridos amigos. Mike fez uma rápida encenação teatral de comédia. Brittany não era uma boa atriz, mas os dois dançaram divinamente. Ao final, Finn, Tina e Marley entraram no palco para apresentar o grupo de arte, e contar um pouco do histórico. Foi nesse tempo em que Rachel e Quinn saíram do camarim. A julgar o jeito meio ofegante e surtado de ambas, imaginei o que elas deveriam estar fazendo.

“Viu, estamos aqui à tempo” – Rachel comentou casualmente a Quinn, mas ainda alto suficiente para que eu, Johnny e as pessoas ali ao redor escutassem.

Quinn deu um sorriso meio sacana. Bom, acredito que as duas têm essa tradição de fazer sexo antes de qualquer estreia da minha irmã numa peça de teatro. Isso aconteceu simplesmente em todas ocasiões, inclusive no show de lançamento do EP. Era sempre isso: Quinn volta à poltrona com jeito de quem acabou de foder a minha irmã.

Finn tomou o microfone. Falou do Novas Direções, da inspiração do professor Schuester (só não mencionou a estranha relação emocional entre os dois), do projeto do teatro e deu a entender como se ele fosse o mentor da coisa toda. Inacreditável. Finn apresentou um número com antigos alunos e entraram no palco o cara que era namorado de Marley Rose e outro bonitão com o rosto levemente alongado. Depois ouve um grupo de meninas liderado por uma drag queen, ou transexual, não dava para saber bem. Qual era o nome dele? Unique. Isso, era isso mesmo. Parecia uma Mercedes de quinta categoria, mas tudo bem. Antes Tina liderasse o grupo, mas parecia que ela se conformou em ser uma peça de composição. Depois ouve uma apresentação só com os rapazes em que Finn assumiu a bateria e cantou com Puck na guitarra, os dois caras que se apresentaram antes e mais alguns que não me lembro de ter visto.

“Senhoras e senhores” – Finn pegou o microfone – “Gostaria de chamar agora ao palco a incrível Rachel Berry, acompanhada de Santana Berry-Lopez e Quinn Fabray.”

Entramos no palco sob aplausos entusiasmados. Johnny pegou a guitarra. Rachel primeiro se curvou agradecendo pelo apoio e carinho. Eu não estava ali para fazer fama ou disputar popularidade, nem mesmo Quinn. A música começou, Rachel liderou e nós cantamos, cada uma com a oportunidade de fazer o solo. Depois Rachel cantou Get it Right, que foi um pequeno hit das rádios. Quinn e eu permanecemos como back vocals. Em seguida, o grupo que integrava o teatro foi chamado e eles terminaram a apresentação. A apresentação durou pouco mais de 40 minutos, mas tudo bem para uma noite basicamente de convidados.

Após o show, todos nós fomos convidados à festa no Breadstix. Incrível como aquele restaurante ainda durava após todos esses anos. O local foi fechado para a celebração com direito a buffet e Puck dando uma de DJ.

“Então era aqui que vocês se reuniam quando adolescentes?” – Johnny observava o ambiente enquanto abocanhava um pãozinho – “Bem suburbano. Parece muito com o restaurante que meus pais gostavam de me levar e Kevin quando minha mãe não estava muito disposta a fazer o jantar.”

“Não se engane, aqui aconteceu muita coisa interessante” – Mike defendeu – “Por exemplo, Santana inventou técnicas de como comer sem pagar neste mesmo restaurante” – Johnny olhou para mim surpreendido e eu fiquei vermelha de vergonha.

“A questão é meus pais reduziram meu cartão de crédito e eu realmente gostava da comida daqui. E eu era uma rebelde sem causa que tinha de manter a fama.”

“Que feio” – Johnny balançou a cabeça.

“Ficou no passado, ok. Foi só uma fase em que eu pensava que tinha de ser bad ass em todos os sentidos.”

“Acredite” – Quinn desdenhou – “Você foi tão bad ass que chorava na frente da treinadora toda vez que ela revogava um direito seu, ou quando ela ridicularizava sua dança em nossos treinos.”

“Em minha defesa, Sue Sylvester intimidaria Hitler.”

“Mas ela nunca me intimidou de verdade” – Quinn sorriu orgulhosa.

“A não ser no dia em que ela falou na vista de todo mundo que você estava grávida e basicamente te humilhou na frente da escola inteira.”

“Fui pega de surpresa. Só isso” – Quinn desdenhou e então olhou para trás pela enésima vez. Rachel conversava com as pessoas e com Finn.

“Você deveria ir até lá” – sugeri.

“Melhor não. Esse idiota não vai tentar nada com Rachel” – ela respondeu incerta.

“Deveria ir lá, Fabray. Você está incomodada” – insisti.

“Eu confio na Rachel” – ela disse de um jeito quase automático – “não confio nele, mas confio nela.”

“Talvez eu devesse me meter na conversa, então” – Mike piscou e se levantou da nossa mesa.

Ficamos curiosos, só observando de longe. Mike chegou até o grupo em que estavam Rachel e Finn e começou a entrar na conversa. Quinn me pareceu relaxar mais com o espião em campo. Nesse meio tempo, achei por bem puxar Johnny para dançar um pouco com o meu noivo ao som de um sucesso recente. Aquela era apenas uma festinha em Lima, uma celebração de um projeto que começou, de certa forma, com a idéia do Novas Direções. Quinn eventualmente se uniu a nós, puxada por Brittany. Para a minha surpresa, Rachel e Mike também se uniram a nós em pouco tempo. Era interessante: éramos conhecidos, ex-integrantes de um grupo, de certa forma, épico. Contudo, só estabelecíamos comunicação verdadeira entre afins. Mesmo que os ausentes estivessem presentes, duvido muito que iria passar o tempo com Artie ou Sam. Já não ligava nem mesmo para Puck, e falo de alguém que foi um parceiro sexual por dois anos. Nem mesmo Quinn ligava para Puck, e eles tiveram uma filha.

De uma enorme turma, o grupo de amizade que permaneceu estava ali: Quinn, Britt, Mike e Kurt, em menor grau. Rachel não conta porque ela é meu sangue. Mercedes? Gosto, adoro, mas depois do divórcio houve um afastamento natural. Finn? Ele era só um ser irritante irmão de Kurt pelo casamento dos pais que eu sentia que seria a última vez que o veria. De qualquer forma, ali estava a nossa turma e família fora da família de sangue.

“Finn?” – encontrei com o gigante na calçada do restaurante quando precisei sair para atender um telefonema – “Não deveria estar ali dentro sendo o anfitrião?” – estranhei o fato de ele estar isolado. Ele me encarou com certo desgosto antes de virar-se e limpar os olhos. Ele estava chorando? Não que eu me importasse de verdade, mas era sempre estranho ver um homem chorando sozinho.

“Ei Santana. Acho que parabéns está na ordem do dia, certo?”

“Por?”

“Você não vai ser tia?”

“Ah, então você sabe que Rachel é minha irmã?”

“Não seja ridícula.”

Acenei e encostei-me à coluna de madeira do restaurante. Havia uma tristeza e melancolia no panaca que me fez levá-lo um pouco em consideração.

“Ela te contou que é de Quinn?”

“Contou cerca de meia hora atrás” – ele limpou novamente o olho – “Parece que Quinn finalmente venceu, não é?”

“Desculpe ser rude num momento de fragilidade sua. Bom, nem tanto. Mas a história é a seguinte: essa competição com Quinn, essa esperança de que um dia você a teria de volta, só existia na sua cabeça. Não digo isso porque não gosto de você, Finnept, só que a verdade que você nunca quis enxergar é que minha irmã não te considerou em nenhum momento ao longo de todos esses anos. Nem mesmo quando ela se separou de Quinn por alguns meses. Não acha que é bom você ter finalmente entendido e finalmente poder seguir adiante?”

“Rachel me dava alguns sinais... ou achava que dava.”

“Como cantar juntos no palco em eventos pontuais em Lima? Ou se oferecer para ser pai do filho dela num momento de tenso do casamento. Isso nunca foi uma chance real.”

“Você provavelmente tem razão. Mas pode culpar uma pessoa apaixonada? Eu nunca deixei de amá-la. Logo, nunca perdi as esperanças. Até agora.”

“A ciência pode ser uma bitch, certo?”

“Ainda não entendi como isso pode ser possível.”

“Chama-se engenharia genética da reprodução. Um óvulo pode ser fecundado com o material genérico de outro óvulo. Mais ou menos como acontece com um espermatozóide. Não é tão complicado assim. Mas com certeza é um processo bem caro e polêmico. Não é à toa que só é autorizado na Alemanha e ouvi dizer que já existe fila de espera.”

“Engraçado é que eu te culpei por um tempo por ter me afastado de Rachel, a começar naquele dia em que você contou para todo mundo ouvir que dormimos juntos naquela vez.”

“Nem me lembre... se arrependimento matasse...”

“Você não teria contado?”

“Ah, isso foi algo bom que fiz. Meu arrependimento foi ter dormido contigo no que classifico como a segunda pior noite na cama com alguém da minha vida.”

“Fui tão ruim? Foi minha primeira vez...”

“Além de suar além do tolerável, você foi desajeitado, durou pouco, se bem que esse foi o lado bom, e ainda me menosprezou cinco minutos depois de ter enfiado o seu pauzinho dentro de mim e me estocado gemendo feito um animal, fazendo cara de retardado com a boca aberta e agarrando meus seios de forma nada gentil. Não lembra? Você disse na minha cara que aquilo não significou nada, que não sentiu nada, e depois pagou o jantar. Aquilo foi de ferir, Finn Hudson. Eu me senti como uma prostituta barata que foi paga com um prato de comida. Por outro lado, aquilo foi determinante para revelar o seu caráter e ali acabou toda mínima simpatia que poderia possivelmente sentir por você. Isso só me deixou mais determinada em fazer minha irmã enxergar quem você realmente era: um bosta.”

“Então você admite que ajudou a sabotar todas as minhas chances com ela?” – ele entoou mais agressivo.

“No início sim. Até o dia em que tive uma conversa franca com Rachel, disse tudo que pensava ao seu respeito, sobre o relacionamento dos dois, e prometi não intervir mais. Eu cumpri minha palavra. O fato de Rachel ter escolhido Quinn, ter dado a primeira vez para ela e tudo mais que se seguiu, foi uma decisão puramente da minha irmã. Tive nada com isso.”

“Você deve ter ficado feliz quando ela escolheu a sua amiguinha querida” – a agressividade de Finn era curiosa e cômica de certa forma. Era interessante como uma pessoa podia ficar presa ao passado com o ele quando anos haviam se passado e que as vidas de todos tinham mudado. Não éramos mais adolescentes. Éramos pessoas adultas aqui. Tudo que fiz foi balançar a cabeça e sorrir.

“Se você soubesse, seria o meu fã.”

“Então você não aprovava Quinn?”

“Não no início. Mas hoje eu sei que elas foram feitas uma para outra. São almas gêmeas e não há nada ou ninguém que possa ficar entre elas. Isso é muito bonito de se ver, Hudson. É bonito de sentir também. No dia que você se libertar de sua obsessão e entender que não foi pessoal, talvez vá poder encontrar aquela que será de fato o amor da sua vida.”

“Assim como você encontrou Johnny quando achava que seria Brittany?” – não havia agressividade em Finn naquele instante, apenas curiosidade.

“Por aí... jamais vou amar Brittany como uma irmã, porque isso seria esquisitíssimo e totalmente incestuoso, se me perguntar. Mas eu a amo muito, pela pessoa que é, pela nossa história. Brittany sempre terá um lugar especial no meu coração. Mas quando Johnny apareceu na minha vida de uma forma inesperada, eu entendi que a alma gêmea pode ser diferente daquela que a gente imagina.”

“Foi amor a primeira vista?”

“Não... foi gradual.”

“Fico feliz por você, Santana.”

“Escute, Hudson, a gente tem todas as diferenças do mundo, mas eu jamais desejaria mal a você. Pelo contrário, espero que encontre a sua felicidade, assim como eu encontrei em Johnny e Rachel encontrou em Quinn.”

“Obrigado, Santana.”

Não abracei Finn, ou o beijei. Sequer apertei a mão dele. Acenei e voltei para o restaurante. Recebi um abraço do meu noivo e sorrisos dos meus amigos. Deixamos o restaurante minutos depois. Quinn e Rachel seguiram para a casa de Judy enquanto eu e Johnny pedimos hospedagem ao tio Pedro e tia Maria. Mike foi para a casa dos pais e hospedou Brittany.

Pensei em Finn Hudson. Tive pena. Era um sujeito bem intencionado, apesar de medíocre. Faltava-lhe inteligência para perceber coisas além do umbigo. Sim, isso era motivo para se ter pena. Algo me intuía que ele se convenceu que a história dele com a minha irmã acabou anos atrás, no momento em que Rachel escolheu Quinn em Nova York. Melhor assim. Minha irmã continuaria a ser feliz com Quinn e Finn poderia ter a chance dele com outra pessoa. Talvez ele precisasse disso para poder enxergar o que estava ao redor dele. Boa sorte ao gigante desajeitado.














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