Junho de 2020

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20 de junho de 2020

(Santana)

Deixei o meu corpo cair sobre o de Johnny. Estávamos suados, rindo um para o outro e merecedores de uma boa e rápida ducha após uma grandiosa performance. Mas não antes de recuperar um pouco da força em minhas pernas. Acho que deixei de senti-las temporariamente. Sim, foi bom desse jeito. Nada como estar de bem com a vida.

“Acha que está pronto para outra rodada?” – provoquei.

“Isso não é um comportamento aceitável de uma princesa.”

“O quê?”

“Matar o marido assim.”

Começamos a rir e nos beijamos. Só então retirei-me de cima de Johnny e deitei-me ao lado dele para poder fazer do peito do meu marido o meu travesseiro.

“O que te fez ficar com toda essa energia e logo aqui?”

“Com vergonha?” – provoquei.

“Está longe de ser a primeira vez que fizemos amor aqui, ainda assim...”

“Talvez eu tivesse um motivo bem cruel, mas ele se perdeu depois que a gente começou a fazer gostoso” – consultei o meu celular – “Olha só, são duas horas da manhã! E eu nunca estive tão relaxada.”

“Chuveirada para dormir?”

“Chuveirada para dormir” – afirmei.

E dormi bem. Como dormi. Mas não demais. Estava tão habituada a acordar sempre as seis e meia da manhã que o meu organismo parecia que tinha um despertador interno que me fazia abrir os olhos no mesmo horário, nem que eu fosse tirar um cochilo noutra hora, mas despertar às sete era sagrado. Vesti a minha calça Adidas já surrada e coloquei uma camiseta com estampa dos Ramones. Vesti o meu tênis e saí para correr um pouco pelo quarteirão. Preferia a bicicleta, mas na ausência dela, não me importava em correr entre as ruas residenciais e suburbanas de classe média com seus gramados bem cuidados e casinhas bem pintadas. Nada de desdém. Eu gostava. Cresci num ambiente assim e me sentia confortável. Corri cerca de 40 minutos acompanhada do meu marido e voltei para casa. Quer dizer, a casa dos meus pais.

“Bom dia” – Rachel nos cumprimentou com voz irritada assim nos cruzamos na sala.

“Dormiu bem, Ray?”

“Vai à merda.”

Dei um soquinho no ar. Era maldade, uma baita maldade que tinha feito. Mas era divertido descontar a vez em que estava sem meu Johnny, recém operada da vesícula, praticamente presa na casa da minha irmã, e ter de ouvir a comemoração delas pela gravidez por três dias seguidos. A vingança é um prato que se come frio. Mas eu não tenho culpa que os nossos quartos ficam lado a lado na casa dos meus pais, ali meio isolados e perto da garagem. Estávamos todos reunidos porque minha mãe aproveitou as férias, e o fato de Rachel estar em Ohio, para realizar um chá de fraudas. Aproveitei a ocasião para tirar alguns dias de folga. Johnny e eu pegamos o carro e fomos dirigindo de Nova York até Columbus. Era gostoso pegar a rodovia no verão. Deixamos Nova York debaixo de um pé d’água monstruoso e chegamos a um Ohio ensolarado. Era bom.

Passei pouco mais de um mês sem ver a minha irmã em pessoa e levei um susto quando eu cheguei na casa dos meus avós para levá-la a Columbus à pedido dos meus pais. Quinn estava finalizando as filmagens e só poderia aparecer no dia do chá. Ela traria bubbee junto, que também não veio antes para não deixar zaide tanto tempo assim sozinho junto com a empregada. Aproveitei a ocasião para conversar meia hora com ele. A saúde me preocupava muito. Achava que ele estava perdendo a vigor muito rápido após a aposentadoria, o que não era bom. Zaide foi o tipo do homem que trabalhou a vida inteira, desde criança, e agora que parou, por mais que bubbee tente colocá-lo em atividades de lazer, não era a mesma coisa. Esperava passar pelo menos um dia inteiro por lá antes de voltar para Nova York. Não sei se a minha irmã agüentaria uma viagem de 700 km naquele estágio da gravidez, mas, de qualquer forma, estávamos disponíveis para trazê-la de volta. Não sei se seria saudável. A barriga tinha crescido um monte e estava mais pontuda, na minha opinião. Rachel estava com o rosto mais redondo, estava mais pesada e, sério, foi preciso fazer uma parada no caminho entre Cleveland e Columbus para ela fazer xixi.

Tomei uma rápida chuveirada para tirar o suor do corpo e continuei a vestir roupas simples, de ficar em casa. Dei bom dia para minha mãe e papi a caminho da cozinha. Beth estava se arrumando para passar o resto do fim de semana na casa de uma amiga. A mãe da garota supostamente deveria pegá-la ainda pela manhã.

“O senhor está muito liberal, papi” – comentei enquanto passava cream cheese no meu waffle – “Quando eu era criança, tinha de implorar para dormir na casa de Britt. Mas com Beth está tudo certo?”

“Quem disse que ela não implorou?” – ele sorriu.

“Conhece a procedência dessa garota, pelo menos? Os pais são direitos? Eu não deixaria Beth sair assim pelo fim de semana.”

“O que não?” – ela reclamou – “Eu já tenho idade para dormir na casa das minhas amigas.”

“O quê? Você é uma pirralha de sete anos.”

“Nove anos!” – ela berrou ofendidíssima e eu comecei a rir do quanto era fácil irritá-la. Parecia que quanto mais Beth crescia, mais ela adquiria certas birras. Ou talvez fosse o sinal da aproximação da adolescência. Nossa! Adolescência! Hoje, essa palavra me soa terrível. Devo estar ficando velha mesmo. Já vou ter até sobrinha.

“Santana, você podia ir até ali comigo para pegar as encomendas para o chá de berço da sua irmã” – minha mãe praticamente ordenou.

“Eu?”

Shelby fez uma cara que eu decidi que melhor seria não enfrentar. Acho que era coisa de ser mãe. Não sei. Rachel começou a fazer umas caretas assim também, tão iguais à de Shelby que me assustava. Depois do café, e de um pequeno beijo nos lábios do meu marido, lá estava eu no banco de passageiros junto com minha mãe a caminho de uma lojinha nos arredores do campus da OSU.

“O que vamos pegar?” – perguntei.

“Salgadinhos, algumas lembrancinhas, cupcakes. É de uma moça realmente talentosa.”

“Quem vem mesmo?”

“Algumas colegas minhas da OSU, vizinhas, minha mãe, Judy, sua tia Maria e sua prima Daniela. Também convidei alguns de seus colegas de Lima, e a irmã de Quinn, mas só quem confirmou presença foi Tina.”

“Tina? A gente sequer fala com Tina.”

“E daí? Ela se prontificou a vir.”

“Fala a verdade. A senhora só arrumou esse tal chá para exibir Rachel. Parece mais uma reunião de senhoras que eu nunca vi que vão trazer uma frauda em troca de ver uma atriz de verdade engravidada por outra mulher. Deve ser muito exótico.”

“Santana!” – minha mãe não cansava de gritar meu nome, ao que parece.

“O quê? Desculpe, mas é verdade.”

“Você tem a mania de me julgar sobre tudo que faço e isso me deixa de saco cheio, sabia?” – ela disse brava – “Parece que tudo que eu faço tem algum plano diabólico por trás e muitas vezes me pergunto qual a razão disso tudo? Eu sei que agi muito mal na ocasião que forcei a barra para me aproximar de você e Rachel. Também sei que vocês ficaram feridas quando recusei a proposta de casamento do seu pai pela primeira vez. A única vez que senti você ao meu lado foi quando pedi para me ajudara convencer seu pai a sair daquele hospital sugador de almas.”

“E deu no que deu. Meu pai deve um infarto!”

“Sinceramente eu não entendo o que possivelmente há de errado. Para tudo você me critica. Eu te amo e amo a sua irmã. Por que eu faria algo que poderia possivelmente explorá-las ou prejudicá-las?”

Fiquei em silêncio. Ela estava mesmo brava comigo.

“Desculpe” – virei minha cabeça para a janela e fiquei em silêncio.

“As vezes você é tão parecida comigo que me assusta. Rachel é fisicamente parecida comigo, mas você tem muita coisa do meu gênio e as vezes penso se é isso que faz você me rejeitar.”

“Deixa de fazer drama, eu não rejeito a senhora, mãe. É que eu sou assim.”

Ficamos em silêncio. A loja era mesmo bonitinha. A moça que nos atendeu era uma das sócias e a que fazia a parte dos artesanatos. A outra, que era uma amiga, fazia os quitutes. As encomendas já estavam a nossa espera e não demoramos mais de dez minutos para colocar tudo no porta-malas do carro e voltar para casa. Shelby ficou mesmo chateada comigo. Passamos na casa de Linda Corcoran. Desde que meus pais se estabeleceram em Columbus que Shelby ajudou a mãe dela a procurar uma casinha na cidade, porque assim ela poderia dar melhor assistência à mãe, que já tinha certa idade. Encontraram uma residência em North Linden que era um bairro com pessoas que tinham poder aquisitivo mais modesto. Ela passou a morar numa casinha pequena com um mezanino que seguia o padrão de várias outras casas do mesmo bairro. Era uma residência branca, sem graça, sem árvores, mas com um pequeno jardim e o tradicional gramado.

Tocamos a campainha e eu fiquei na expectativa. Era a primeira vez que entraria na casa de Linda Corcoran. Mesmo depois de todo esse tempo, ainda não conseguia chamá-la de avó. Rachel ainda tentava, mas eu deveria ser mesmo muito cabeça dura. Linda era mais presente na vida de Beth. Ela atendeu com um sorriso constrangido porque ainda estava se preparando para o banho.

“Nossa, se eu soubesse que Santana viria aqui, teria arrumado mais a casa. Oh, Shelby, por que não me avisou?” – disse de um jeito simplório e até submisso.

“A casa está ótima” – forcei um sorriso. Era verdade. Tudo estava aparentemente no lugar. Tinha trocado tão poucas palavras com Linda Corcoran que acho que poderia contar as frases nos dedos. Também não conseguia chamá-la de avó mesmo depois de todo esse tempo. Era horrível, mas eu simplesmente me esquecia dela. E ela era minha avó de sangue.

“Eu me enrolei e não pude tomar um banho, mas se puderem esperar dez minutinhos?”

“Claro, mamãe. Tome o tempo que precisar” – ela disse com suavidade. Como se fizesse todo o esforço para não agredi-la de forma alguma. Eu sabia das histórias por alto e Linda Corcoran teve uma vida complicada nas mãos de um marido opressor.

Minha mãe ainda estava chateada comigo. Sentou-se no sofá e ligou a televisão sem dirigir uma palavra a mim. E eu ali sem saber como me mexer. Havia alguns porta-retratos na estante que mostravam que Linda Corcoran tinha mesmo uma família. Era natural a minha curiosidade em checar as imagens impressas, tradicionais. Havia uma foto da família Corcoran. O meu avô tinha cara de ser um sujeito duro. Era branquelo, americano típico. Vi que minha mãe tinha alguns dos traços dele. Linda tinha descendência latina, podia dizer. Minha mãe adolescente era igual Rachel, exceto pelo formato da mandíbula e o nariz. Talvez os olhos, porque os da minha mãe eram esverdeados e os da minha irmã eram castanhos, como os de Linda Corcoran. Se colocasse fotos das duas lado a lado, teria de prestar atenção para diferenciá-las. Thomas Corcoran era um meio termo entre os pais. Seria um homem interessante se não fosse tão escroto. Queria distância dele.

Havia foto dos meus pais e Beth. Uma foto com Beth sozinha. Uma foto com Shelby e Thomas adolescentes, eu acho. E também uma foto minha e de Rachel. Uma que tiramos ainda em Lima, pouco antes dos nossos pais se mudarem. Shelby provavelmente a deu de presente. Havia uma foto de Thomas com uma moça e um adolescente.

“Seu irmão tem um filho?” – perguntei.

“Tem. Bennie. Só o vi umas três vezes. Ele deve ter uns 20 anos hoje, mas a gente pouco o viu porque ele e Gabriele moram em Missouri.”

“Gabriele é a mãe?”

“Sim. Thomas e ela nunca se casaram, mas eles meio que convivem nesse rolo até hoje.”

“Como eu nunca soube disso?”

“Você por um acaso pergunta sobre o meu lado da família?”

Minha mãe tinha um ponto. Silenciei-me mais uma vez com vergonha pela minha falta de interesse. Sempre fui tão Berry e tão Lopez que por vezes me esquecia que também era Corcoran.

“Onde posso tomar um copo de água?” – queria sair um pouco daquela sala, de perto da minha mãe.

“Há um filtro na cozinha. Mamãe sempre tem uma bandejinha com copos em cima do balcão.”

Acenei e andei até o cômodo ao lado. A cozinha era tão bem organizada como a sala. Também igualmente simples. Havia imãs coloridos na geladeira que prendiam uma lista de compras, uma receita de bolo e uma lista com telefones. Peguei um copo azul e me servir com a água. Lavei e coloquei o copo no lugar. Espiei o quintal pela janela da cozinha. Era pequeno e dividido com os moradores da casa da rua de trás. Tinha alguns brinquedos espalhados e dois varais. Provavelmente o vizinho da outra casa tinha filho pequeno.

“Santana!” – ouvi minha mãe.

“O quê?”

“Pega o bolo que está aí na geladeira para a sua avó.”

Bolo? Quando abri a geladeira, lá estava ele, confeitado com glacê branco e rosa com os dizeres: Michelle. Era bonitinho. Não sabia que Linda Corcoran fazia esse tipo de coisa. Peguei o bolo com cuidado. A bandeja de vidro em que ele estava posto facilitava o transporte. Linda estava pronta, mas acredito que ela terminaria de arrumar o cabelo lá em casa. Talvez colocar uma maquiagem? Coloquei o bolo com cuidado no espaço do porta-malas e pegamos o caminho de volta. Por respeito, deixei Linda ir no banco do passageiro da frente, ao lado da filha dela. Shelby mal estava falando comigo, de qualquer forma.

Chegamos coincidentemente no mesmo instante em que bubbee e Quinn estacionavam no espaço da garagem que bloquearia um dos carros. Minha cunhada voltou a cortar o cabelo daquele jeito mais curto, acima dos ombros. Fazia tempo que ela estava com o cabelo comprido e achei que a mudança fez bem. Bom que houve o encontro porque assim Quinn pode manobrar e deixar o carro atrás do carro da minha mãe, que disse que não sairia mais por hoje. O carro do meu pai não estava lá. Ele deve ter ido comprar as bebidas com Johnny, conclusão que tirei ao ver apenas Rachel saindo de casa com o vestido longo e soltinho de grávida. As mulheres da casa começaram a arrumar a sala para receber os convidados. Eu, por culpa ou vergonha, procurei dar atenção especial a Linda.

Tudo ficou muito bonitinho. Colocamos as lembrancinhas com “Chá de fraudas da Michelle” escrito num cartãozinho. Minha irmã estava feliz com tudo, com a presença de Quinn, que deve ter escapulido das filmagens só para estar ali, com a consideração da minha mãe. Minha culpa por ter questionado as intenções se agravou.

Os homens da casa trouxeram as bebidas (Beth já tinha ido para a casa da amiga, o que era bom porque aquela festa não era de criança, apesar de celebrar a chegada de um bebê), e depois do almoço, deram uma desculpa para sair de casa. Acho que papi ia mostrar a Johnny coisas dos Buckeyes na OSU. Talvez pegariam um cinema. Qualquer coisa que os mantivesse o resto da tarde fora de casa. A mulherada começou a chegar trazendo pacotes de frauda descartável. Um monte deles. Tina veio junto com a garota Marley. E Judy, e Daniela com o filho de colo, e tia Maria. Também chegaram três colegas da minha mãe e mais três vizinhas.

“A gente não tem certeza se poderemos ir a Nova York quando você tiver minha neta” – minha mãe discursou – “Sei que Judy está em alerta para pegar o primeiro avião, mas a data provável do nascimento da minha primeira neta vai coincidir justamente com o início do planejamento do novo semestre na OSU e você sabe como é a agenda do seu pai. É possível que a gente vá a Nova York com alguns dias, talvez algumas semanas de atraso para conhecer Michelle, por isso achei importante oferecer esse chá de fraudas para Rachel. Assim posso curtir um pouco da minha garotinha antes de ela parir.”

“Parir. Que palavra gentil, mãe!” – revirei os olhos diante de algumas risadinhas de algumas das mulheres.

“Mas não é isso que vai acontecer?” – ela me encarou desafiante – “Sua irmã vai parir. Essa coisa de dizer que vai dar a luz é puro eufemismo para aquilo que a gente passa.”

“Nisso eu preciso concordar com Shelby” – Judy balançou o dedo indicador e algumas das convidadas acenaram em concordância.

“Está aí uma experiência que eu não faço questão de passar tão cedo” – olhei ao meu redor e percebi que eu era uma das poucas pessoas que não tinha tido a experiência. Quer dizer, minha irmã estava ali na expectativa de parir, mas eu e talvez a garota Marley éramos as únicas que nunca tiveram um filho na barriga – “Só vou pensar em fazer filhos quando chegar aos trinta” – elaborei melhor – “E Johnny concorda em esperar mais um tempo.”

“Cuidado Santana” – Rachel disse maliciosa – “Porque do jeito que vocês fazem, podem ter uma surpresa” – senti o meu rosto corar com as risadas – “É um martírio ter um quarto ao lado do da minha irmã.”

“Quem vê assim, até pensa que você e Quinn são duas santinhas” – resmunguei – “E eu estava me vingando, ok?”

“E elas começaram de novo...” – Quinn revirou os olhos – “Não quero nem saber o que aconteceu desta vez.”

“Vamos mudar de assunto?” – Shelby bronqueou – “Há memores no recinto” – ela apontou para o filhinho de Daniela.

“E suas avós, Rach!” – Quinn complementou um pouco incomodada.

“Ora querida!” – Bubbee segurava um copo de suco de forma elegante, como sempre. Mal acreditava que ela estava próxima dos 80 anos: tão lúcida, tão firme... ainda tocava piano – “Não há nada que vocês digam aqui que eu não tenha visto ou que não saiba.”

“Bubbee!” – soltei um gritinho.

“Trabalhei muito tempo tocando piano na noite para ajudar meu pai quando tinha apenas 14 anos em uma Nova York em ebulição cultural e comportamental. Convivi com muitos jazzistas que faziam parceria com meu pai. Vi coisas que até o diabo duvida. Não só naquela época, mas depois também. Nenhuma conversa suja me impressiona ou choca” – tive de aplaudir de pé.

Há um lado forte e até mesmo sacana que sempre admirei em bubbee. A gente tinha algumas diferenças não muito bem resolvidas por causa de toda história que envolveu o senhor Weiz e o jeito com que ela manipulou as coisas para que ele me prendesse na arapuca para assumir os negócios, mas, convenhamos, ela passou por muitos maus bocados e era admirável como ela se manteve de pé.

Depois deste bate-papo inicial, as pessoas continuaram a falar e eu me distraí. Pela primeira vez me dei conta que estava tocando música ambiente suave, praticamente engolida pelo som das vozes e pelos risos. Preferi prestar atenção nas pessoas do que propriamente interagir na conversa. As vizinhas e as amigas da minha mãe eram cordiais e às vezes liberavam pequenos detalhes pessoais aqui e acolá entre conversas casuais. A garota Marley, que de certa forma era penetra na festa apesar de estar com status de acompanhante de Tina, falava das canções que escrevia e também do namorado Jake. Acho que ele era o cara que tocou guitarra junto com Johnny no dia da reinauguração do teatro. Minha prima e tia Maria davam mil e um conselhos sobre como cuidar de crianças, Quinn abraçava Rachel com carinho boa parte do tempo e por vezes as duas trocavam pequenas carícias.

Assim passou o tempo até servirmos o bolo feito por Linda Corcoran, que estava uma delícia, diga-se de passagem. As vizinhas e as amigas da minha mãe foram as primeiras a irem embora. Depois Tina e a garota Marley se despediram. Tia Maria e Daniela, com o meu pequeno primo, também disseram que era momento de pegar a estrada. As duas foram seguidas por Judy Fabray, ou melhor, Penn. Acho que bubbee ficou com pena do olhar de cachorrinho abandonado de Quinn e decidiu passar a noite. Tudo poderia se arrumar numa casa como aquela, como, por exemplo, eu ceder o meu quarto para ela e dormir com Johnny em cima do tapete fofinho do porão.

Rachel ganhou bastante pacotes de fraudas, Cada convidada levou dois, três, o que garantiria um estoque para os primeiros meses de vida da minha sobrinha. Provavelmente teria de levar tudo isso de volta à Nova York, já que estava de carro. Era coisa a se pensar para daqui a três dias.

A mulherada se reuniu na cozinha, sempre o melhor lugar da casa. Rachel estava muito satisfeita com a consideração da minha mãe em organizar tal evento para ela. Que tudo estava bonito. Entendi que não foi por vaidade e mais uma vez me arrependi das coisas que disse pela manhã.

“O bolo estava divino, Linda” – bubbee elogiou – “Você deveria pensar em vender doces sob encomenda.”

“Só não dê o negócio para Santana administrar porque ela vai transformar isso numa indústria” – Quinn me provocou e eu mostrei minha língua, como faz uma criança.

“Eu já vendi muito bolo” – Linda disse humildemente – “Quando fiquei viúva, foi o que fiz para pagar as contas. A pensão que recebo do Estado não dá para muita coisa, então tive de me virar para pagar as contas. Fazia bolos, tortas doces e salgadas, o que o cliente encomendasse. Hoje Shelby e Juan me ajudam, mas até a pouco tempo, eu ainda trabalhava fazendo minhas encomendas.”

Não sabia deste detalhe. Percebi que sabia absolutamente nada a respeito daquela mulher. Talvez ela fosse muito mais forte do que aparentava.

“Vou passar a noite no seu quarto, Santana?” – Bubbee perguntou.

“Vai sim” – Shelby ordenou – “Rachel não pode sair da cama dela, mas você e Johnny podem perfeitamente usar o saco de dormir.”

“Não se esqueça de trocar o lençol, bubbee” – Rachel disse olhando diretamente para mim.

“De fato não é prudente usar os mesmos lençóis de um jovem casal” – ela ponderou com elegância.

“Ainda mais porque esse jovem casal não dormiu esta noite” – Rachel ainda estava bronqueada – “Aliás, o que o Johnny fez contigo para você ser tão vocal?”

“Ele tem um pênis lindo e bem durinho” – provoquei. Bubbee começou a rir, apesar da perplexidade das demais – “Mas é claro que você não sabe o que é isso.”

“Engana-se, minha cara.”

“Ah, claro, me esqueci que Quinn tem o hábito de usar certos acessórios.”

“Meninas!” – Shelby gritou.

“A juventude é assim querida” – bubbee sorriu.

“Sei disso, Sarah, mas há coisas que a gente não precisa saber sobre nossos filhos. E não é que eu não entenda, ou seja uma pudica, mas essas duas abusam. Por que acha que eu fiz questão de colocar os quartos delas isolados do resto? Quando essas duas iam passar os feriados na casa em Lima com seus respectivos, em alguns dias os barulhos eram um tanto quanto exagerados. Se bem que entendo de onde elas herdaram tanta energia ao julgar pela minha química com o pai delas.”

“Mãe!” – Rachel e eu gritamos ao mesmo tempo.

“Vocês garotas deveriam se orgulhar disso” – minha mãe se portou como se estivesse falando algo trivial. As demais aplaudiram a atitude dela para nosso constrangimento maior – “Já que gostam tanto de se gabar. Se eu começar a falar do seu pai, tenho certeza que vou fazer o cérebro de vocês duas explodir.”

“Mãe!” – gritamos mais uma vez e ela abriu um sorriso vitorioso. Sim, ela ganhou a guerra. Seguimos adiante.

“Eu sempre senti que vocês dois iriam terminar juntos de alguma forma” – bubbee se manifestou depois de um bom tempo em silêncio. Todas voltaram a atenção para o que ela teria a dizer.

“Como assim?” – minha mãe ficou curiosa.

“Foi do jeito que ele olhava pra você enquanto estava grávida das minhas netas. Não sei se você se lembra do dia em que fui visitar vocês a revelia de Joel.”

“Sim” – minha mãe confirmou – “Você levou a torta de morango mais deliciosa que comi até hoje.”

“Não me julguem erroneamente, porque sempre tive a certeza de que Juan sempre foi um bom marido para o meu Hiram. Eles se amavam, eram companheiros e cúmplices. Hiram sempre comentava que Juan era seco demais contigo, que respeitava, mas te evitava no período em que você foi morar com eles. Certo dia eu apareci para uma visita ao meu filho e o flagrei te olhando por certo tempo enquanto você estava ouvindo música pelos fones de ouvido e cantando alto e dançando com aquele barrigão enorme de gêmeas. Juan te olhava com tanto amor e admiração, que temi imediatamente pelo casamento do meu filho” – e olhou para minha mãe – “Agradeci por você ter planos longe de Ohio. De ir embora para Nova York logo depois de se recuperar do parto. Se você ficasse, tinha certeza que criaria problemas para os dois. Hiram fazia qualquer coisa por Juan e eu não queria imaginar a tamanha desilusão do meu filho caso Juan te escolhece.”

“Eu sempre achei Juan tão bonito e atraente...” – minha mãe confessou – “Hiram era o cara legal. Juan sempre foi mais sério, compenetrado. Até hoje é assim. Faz parte do charme dele” – ela abriu um sorriso sonhador – “Achava que médicos eram os seres mais inteligentes e importantes do universo porque eles salvavam vidas. Mas eu não sei se ele me escolheria, Sarah. Juan é um homem muito honrado e orgulhoso da própria honestidade. Naquela época, eu tentei ficar com ele. Estava encantada, talvez apaixonada. Mas ele não traiu Hiram.”

“Oh não querida. Como você estava enganada. Nunca vi Juan olhar para meu Hiram da mesma forma em que ele olhou para você naquele dia. Na verdade eu só vi a intensidade daquele olhar se repetir com outras pessoas uma única outra vez na minha vida.”

“Quando?” – Rachel perguntou.

“No seu casamento, querida. Quando Quinn te recebeu no altar. Eu não estava tão satisfeita assim em te ver repetir os seus pais. Não queria que você sofresse as mesmas provações que meu Hiram e Juan passaram. Mas então observei vocês se olhando no altar. Fazendo seus votos... entendi que tudo daria certo, que vocês duas estariam firmes para atravessarem juntas as mais diversas tormentas.”

Rachel e Quinn trocaram olhares e sorrisos amorosos. Rachel levantou-se da cadeira e deu um beijo no rosto de bubbee. Eu era testemunha o relacionamento delas, talvez a principal, e o que minha avó disse era verdade: as duas se amavam de verdade. Conseguiram manter um relacionamento firme e forte apesar das brigas, distâncias, discordâncias de pensamento, e até de uma separação. Elas superaram barreiras que derrubariam muitos outros casais. Sinceramente, por mais que ame Johnny, não sei se o meu casamento sobreviveria com a mesma quantidade de provações que essas duas passaram. Rachel e Quinn merecem alguns prêmios pelo exemplo que são.

“Talvez você não tenha prestado tanta atenção assim, bubbee!” – Mesmo sabendo que aquilo era verdade, não poderia ficar para trás – “Há pessoas aqui que amam muito seus respectivos maridos.”

“Ora Santana!” – bubbee gesticulou para que eu me aproximasse – “Isso não quer dizer que você não ame seu marido ou que não terá uma relação duradoura. Se o seu Johnny não correu até agora, há uma chance enorme de que não vai correr nunca mais!” – Rachel disparou a rir.

“A senhora ainda vai viver por muito tempo para mudar certos conceitos sobre mim, bubbee!”

“De forma alguma. Você é uma mulher fantástica, Santana. É uma das pessoas que mais admiro neste mundo. Não mude sua essência.”

Foi a minha vez de ir até bubbee para beijá-la no rosto e reservar a ela um abraço apertado e amoroso. Meu pai e Johnny chegaram pouco tempo depois e beliscaram o que restou dos comes e bebes do chá de fraudas. Shelby pediu para que nos acomodássemos enquanto iria levar Linda Corcoran de volta para casa. Fiz questão de me despedir dela com um abraço apertado e um beijo no rosto. Linda não esperava o meu gesto, mas o sorriso agradecido dela foi o suficiente para mim. Arrumei o meu quarto para acomodar bubbee por uma noite (ela e Quinn voltariam para Cleveland logo pela manhã), troquei os lençóis e a deixei em paz para o cochilo. Johnny e eu iríamos nos virar no porão. Mas antes, subi as escadas depois colocar o meu pijama e bati de leve na porta do quarto dos meus pais.

“Entre!” – papi gritou.

Entrei devagar, com um pouco de receio. Encontrei os dois sentados na cama, encostados na cabeceira. Papi via um programa esportivo na televisão e minha mãe estava de óculos com um livro em mãos.

“Mãe, posso falar contigo um minuto?”

“Claro” – ela se levantou e me encontrou no pequeno hall que fazia a conexão do quarto deles, com o de Beth – “O que foi, Santana?!”

“Queria pedir desculpas pelo que disse hoje de manhã. Nada daquilo é o que realmente sinto, ok? Acho a senhora uma pessoa incrível.”

Minha mãe simplesmente afastou o cacho dos meus cabelos no meu rosto e me deu um beijo. Então me deu um abraço afetuoso.

“Você sempre será minha pequena rebelde de grande coração” – disse no meu ouvido.

“Obrigada.”

“Agora vá fazer companhia para o seu marido.”

Acenei e desci as escadas e depois outro que dava acesso ao porão. Johnny já tinha arrumado tudo para nós e curiava a coleção de discos os meus pais, dos três porque muita coisa ali era herança de papai. Nos deitamos nos sacos de dormir armados em cima do tapete fofinho e dormimos abraçados. Só dormimos. E foi o que classificaria de grande noite.

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