Fevereiro de 2018

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09 de fevereiro de 2018

(Santana)

Trabalhar na Weiz e ser herdeira de tudo aquilo tinha suas vantagens. Se não fosse pela influência e amizade que o dono de tudo aquilo tinha com um dos produtores mais influentes de Nova York, eu nunca teria conseguido arrumar um box para assistir ao último show do Paul McCartney em Nova York antes da anunciada aposentadoria. Um show mítico Stern Auditorium do Carnegie Hall uma semana antes do show no Metlife Stadium, em Nova Jersey, mas que atendia o público de Nova York City devido à proximidade e por hospedar os jogos dos Giants e dos Jets. Os ingressos no Carnegie custaram um absurdo, mesmo assim se esgotaram em três horas. Todo mundo gostaria de testemunhar sir McCartney tocar para uma seleta platéia de pouco mais de quase 3 mil pessoas antes do adeus popular em Nova Jersey, cujos ingressos também estavam esgotados. Daqui ele faria o último show em Londres e acabou.

Consegui dois ingressos no setor mais barato pelas vias normais para mim e qualquer beatlemaníaco que quisesse minha companhia. O meu favorito seria Johnny, mas ele estava indisponível no momento apesar de a gente ter voltado a nos comunicar. Quinn não iria sem Rachel e vice-versa. Andrew começou a namorar Tomiko e não seria legal convidar um e o outro não, Kurt tinha o tal rolo com David, o que não impediria de ele me fazer companhia se não fosse pelo pequeno detalhe de que a gente não tivesse concepção de diversão e comportamento tão diferentes. Izabella poderia ir por minha causa e acho que ela gostava de uma coisa ou outra dos Beatles ou de Paul, mas se eu fosse com Izabella poderia passar a mensagem errada. Eu jamais, e repito, jamais iria com o tarado do Santiago.

Havia Lionel Banks. Ele foi contratado ano passado para atuar no departamento de projetos na Weiz e foi um dos meus braços direitos na promoção bem-sucedida do festival de jazz’n’pop no Central Park. Tanto que haverá outra edição neste ano e os contratos estão sendo fechados. Como eu não posso me dedicar tanto assim ao festival porque peguei outras pastas de projeto da Weiz, é Lionel quem tomou a frente junto ao departamento de promoção, criado por nós durante a reestruturação da imagem da empresa.

O que interessa saber é que Lionel é fã dos Beatles e de Paul. Embora o favorito dele fosse o John (o meu sempre foi o George), ele atendia os requisitos para me fazer companhia: solteiro, charmosinho, bom papo. Além disso, sabia que ele esticava os olhos para mim e só não se aproximava mais pela mesma razão de todos os outros dentro da Weiz: medo da herdeira.

Mas no momento em que ia convidá-lo para me acompanhar, Richard White, o advogado e representante direto do senhor Weiz na empresa, me chamou para almoçar com ele num restaurante. Na hora desanimei pensando que seria mais uma viagem expressa à Washington DC, ou a Houston, ou a Miami. Para a minha surpresa, ele disse que o senhor Weiz estava feliz com a minha dedicação (raramente ele falava diretamente comigo desde que foi morar na França), mesmo sabendo que tinha responsabilidades fora do grupo (ele se referiu à Rock’n’Pano) e me cedeu um box do primeiro andar do Stern, dos cinco destinados à Weiz (que seriam ocupados pelo presidente e diretores). Cada box tinha sete cadeiras. Em resumo, eu poderia ter seis convidados para o show do Paul McCartney no Carnegie Hall. Um box só meu, além das duas cadeiras que tinha no setor mais barato.

Coloquei numa folha quem eram os meus possíveis convidados, os prós e os contras de cada um deles. Rachel e Quinn eram as mais óbvias da lista. Restavam quatro. Poderia convidar Andrew, Tomiko, Santiago, Izabella, Kurt, Lionel, o senhor White e a esposa. Priorizei o advogado porque, apesar de tudo, esse era o sujeito que cuidaria juridicamente dos meus interesses e de Rachel dentro da empresa tão logo as ações estivessem em minhas mãos. Era o homem de confiança do senhor Weiz e tinha tudo para ser o meu também. Por isso precisava manter essa aproximação social confortável. White disse sim (aparentemente os diretores não tiveram a delicadeza). Restavam dois convites. Descartei Santiago logo de cara. Ele só convivia conosco porque era um dos melhores amigos de Quinn. A mim, ele dizia nada.

Também descartei Andrew e Tomiko. Ele porque estava namorando ela. Ela porque não havia o menor sentido eu trazer uma funcionária minha para a minha vida pessoal freqüentemente por melhor que fosse Tomiko. Izabella não era tão beatlemaníaca e eu a estava evitando. Os eleitos foram Kurt e Lionel. Procurei vender os meus ingressos. Quando liguei para Andrew, ele não se interessou porque já havia comprado para o show no estádio. Menos mal.

Foi quando Johnny veio à minha mente outra vez. Liguei para Johnny e perguntei se ele tinha conseguido ingressos. Disse que estava aguardando a liberação do lote de sobras de entradas para o show em Nova Jersey. Oferecei os dois que tinha em mãos. Ele aceitou, mas só se pudesse comprá-los de mim. Ficou ainda um combinado: primeiro ir ao show e depois Alberta’s.

“Gostou?” – Quinn veio até ao meu quarto mostrar a blusa cafona com que ela decidiu ir ao show.

“Está linda!” – vi o desânimo tomar o corpo dela, por isso não evitei rir.

“Vou trocar.”

“Por que você não pega umas da Rachel agora que ela é boa de moda?”

“Não sei se reparou mais eu sou maior do que você duas. As blusas de Rachel ficam à conta em mim e as calças simplesmente não entram.”

“Ninguém mandou ter coxa grossa ou ser gordinha na infância, Lucy!”

“Para o seu governo” – ela ergueu uma das sobrancelhas – “Esse nome já não me pertence mais. Se esqueceu que até na minha carteira de motorista ostento o Berry-Lopez no lugar do meu nome do meio?”

“Bom para você, Lucy.”

“Cuidado, Santana L. Berry-Lopez” – meu sorriso desapareceu do meu rosto – “Posso contar sobre o seu nome do meio e as razões da escolha para alguém inoportuno.”

Claro que Quinn sabia que eu odiava o meu nome do meio tanto quanto ela odiou o dela. Não foi à toa que ela topou na hora trocá-lo por dois sobrenomes ligados mesmo sabendo que isso deixaria a assinatura dela enorme, apesar de que na carteira de motorista dela está escrito Quinn B.L Fabray. Sim, B.L! Berry-Lopez virou letras iniciais apenas no nome de casada que ela ostenta com orgulho.

Amava papai. Como amava. Mas que saco ele ter sido tão fã de divas e de musicais. Em especial de Barbra Streisand e de Liza Minnelli. Não é à toa que Rachel se tornou uma divazinha desde a infância: ela puxou o gosto pela burguesia de papi e o gosto musical de papai. Isso incluía os tediosos discos de Barbra Streisand, que ela tinha tanto orgulho em ter como segundo nome. Eu como puxei o gosto pela aventura de papai e o gosto musical de papi, virei um bicho diferente.

“Por que você não troca de roupa para a gente ir andando?” – mostrei a tela de descanso do meu celular que mostrava as horas – “E não se incomode em pedir minha opinião.”

Nunca pensei que fosse existir um bizarro momento em que Rachel Berry-Lopez, que um dia foi a maior cafona daqui de casa, fosse se transformar numa fashionista. Ou que a elegante para uma cidade de interior Quinn Fabray permanecesse uma elegante para uma cidade de interior com uma discretíssima melhora.

Voltei ao banheiro e olhei-me no espelho de corpo inteiro que tinha num espaço do meu quarto. Botas com salto pequeno, calça legging preta, camiseta feminina branca com a capa do disco Revolver. Cinto, colar e brincos. Maquiagem discreta. Cabelos presos. Meu casaco estava em cima da cama junto com a minha bolsa pequena em que carregaria meus documentos, meu cartão de crédito, minha credencial de box e meu celular.

“Você está quente, Santana Berry-Lopez” – disse alto para mim mesma diante do espelho.

Quinn mudou a blusa cafona por uma camiseta promocional de The Project feita pelo departamento de marketing da ABC. Estava melhor. A camiseta era bem legal.

“Institucional demais?” – provoquei porque era o que fazia de melhor.

“Está decente!” – estava, de fato. Ela colocou uma echarpe que fazia todo diferencial no figurino, embora não fosse muito útil contra o frio que ainda fazia lá fora.

Descemos de carro até o Carnegie Hall. O meu carro. Depois de quase um ano sem (e usando quando dava o da minha irmã e de Quinn), pude comprar o meu em 24 prestações. Nada de luxo como o Hyundai Sonata da minha irmã. Escolhi o popular Focus, da Ford, que estava de ótimo tamanho. Era bom na cidade e não fazia feio na estrada.

Estacionamos do edifício próximo e andamos meio quarteirão até a lendária casa de espetáculos. Apresentei minhas credenciais a um dos recepcionistas que orientavam a entrada do público. Ele checou os documentos meus e de Quinn, estava tudo certo, e apontou para os elevadores. O hall dos boxes era lindo. Havia um espaço comum para as pessoas que pagaram pelo luxo com bar e um pequeno restaurante. Alguns boxes tinham serviço de buffet, inclusive, oferecidos pela companhia que explora o serviço ali dentro. O meu tinha nada disso. Era só o box com as sete cadeiras e o conforto das cadeiras. Também circulavam seguranças por ali que poderiam ser acionados até para retirar penetras.

Entrei no meu box e sorri ao encontra Lionel igualmente trajado para a ocasião. Estava com camiseta do “With The Beatles” e bottons do Sgt. Peppers, Yellow Submarine e da logo.

“Você não brincou quando disse que gostava deles” – o cumprimentei com um beijo rápido no rosto.

“Quando digo que tenho todos os vinis, CDs, DVDs e os arquivos em MP3 dos Beatles, acredite” – fiquei imaginando Lionel conversando com papi sobre Beatles. Meu pai era outro que conhecia tudo sobre os Beatles. Aliás, meu pai sabia de toda a história da música dos anos 1960 e 70. Era praticamente uma enciclopédia nesse sentido – “Olá!” – estendeu a mão para Quinn.

“Você se lembra da Quinn, não é?” – eu os apresentei durante o festival no ano passado.

“Claro. Como poderia esquecer?”

“É um prazer revê-lo, Lionel” – Quinn disse só por educação.

O senhor White chegou com a esposa. Tive uma sensação estranha de segurança em tê-lo ali quando no box ao lado estava Alex Milton, o atual presidente da Weiz coma digníssima dele, e também outros diretores e principais acionistas. Precisei deixar Quinn com Lionel e a esposa do senhor White para fazer uma breve peregrinação e falar com todos os manda-chuvas. A esposa de Warren me achou um encanto e me convidou para jantar na casa deles. Torcia desde então para que o convite fosse apenas da boca para fora, muito embora tivesse de me habituar a fazer boa política com todas aquelas pessoas. Rachel chegou. Estava cansada da sessão no teatro. Praticamente correu para o Carnegie. Chegou a dez minutos para começar o show, mesmo assim a apresentei rapidamente para a diretoria e para o presidente, afinal, minha irmã era a minha outra metade nos negócios.

Sentei na primeira fileira de poltronas com Lionel e Kurt ao meu lado. Atrás de mim estavam Quinn e Rachel e na última sequencia de poltrona, ao lado da porta, estavam o senhor White e esposa. Ao meu lado, no box ao lado estava o presidente da empresa. Acenei uma última vez para ele quando as luzes foram apagadas. O show ia começar.

Paul entrou no palco debaixo de uma ovação proporcionada em uma das casas de espetáculos mais nobres do mundo. Ele acenou para as quase três mil pessoas ali dentro e meu coração palpitou. Era a primeira vez que via um Beatle, que via Paul, que via um mito daquela grandeza. Conheci David Bowie quando Rachel fez a peça produzida por ele. Conheci Eric Clapton quando ele foi a principal atração do festival da Weiz ano passado. Embora adorasse esses outros dois mitos da música, não se comparava com a adoração que tinha com o repertório dos Beatles. Papi deveria estar aqui. Ele tinha de testemunhar isso. Em vez disso, segurei a mão de Lionel.

“When you were Young and your heart was na open book/ you used to say live and let live (you known you did, you known you did, you known you did)/ But if this ever-changing world in which we live/ makes you give in and cry/ say live andlet die.”

Quase pulei do box em cima da platéia nas cadeiras em baixo. Juro deus que faria o mosh mais suicida da história. Em vez disso, levantei-me da cadeira e gritei ao fim da música num entusiasmo compartilhado por Lionel. Os demais também vibravam e o senhor White aplaudia e olhou para mim com um sorriso, mas balançando a cabeça, como se dissesse: “essa garotada de hoje, nem se compara com a minha juventude.” A juventude do senhor White foi anos 1990 e ele provavelmente foi um grunge em Nova York que sonhava com Seattle.

Paul fez um repertório inesperado por mim. Cantou algumas faixas do disco de standarts, fez uma rápida visitação pela carreira solo e com os Wings. Nessa primeira metade, o ponto alto foi Maybe I’m Amazed, uma das canções de amor mais belas que ele criou.

“Maybe i’m amazed at the way you love me all the time/ and maybe i’m amazed afraid of the way i love you/ maybe i’m amazed at the way you pulled me out of time/ and hung me on a line/ maybe i’m amazed at the way i really need you”

Paul cantou It’s so Easy que havia gravado há alguns anos para um disco especial em homenagem ao Buddy Holly antes de entrar no repertório dos Beatles. Ele sentou-se ao piano e começou uma série de três baladas, a começar inesperadamente por For No One. Olhei para Rachel que acompanhava a música com satisfação. Era um dos solos que ela fazia em Across the Universe. Emendou com Yesterday, que foi um momento de catarse, e terminou com The Long And Winding Road.

Então Paul deixou o piano, pegou o clássico baixo e começou o repertório mais dançante e, de certa forma, inocente dos Beatles. Começou com She Loves You e a esse momento, estava dançando no box junto com os meus. Seguiram I Saw Her Standing There, I Wanna Hold Your Hand (em que Rachel fez questão de segurar a mão de Kurt), I’m Down, Eight Days a Week, Ticket to Ride e terminou com Day Tripper. Pausa para o bis. Paul deveria fazer uns minutos de pausa para a parte final do show em que Paul tocaria mais três ou quatro canções.

“Obrigado” – Lionel disse ao pé do meu ouvido e eu o encarei. Até ali, ele tinha sido uma companhia adorável – “Isso foi inesquecível, Lopez, obrigado de verdade.”

As luzes ainda estavam apagadas. Kurt Estava fora do lugar conversando alguma coisa com Rachel e Quinn. O senhor White e a esposa estavam de pé. Ele a abraçava por trás de maneira protetora. O clima, o lugar, tudo favorecia. Então eu me inclinei e o beijei. Primeiro foi rápido, como num impulso, mas então Lionel me puxou gentilmente e retornou o beijo. Não sabia ao certo o que sentia. Estava basicamente envolvida pelo clima, pelas sensações, pelas boas companhias. O beijo era como algo que não poderia deixar de fazer parte e foi uma troca com alguém legal. Tinha receio em me aproxima de seja quem fosse na Weiz porque sempre existiria a minha paranóia de que as pessoas se aproximavam de mim naquele lugar não porque eu poderia ser interessante ou por fazer um trabalho decente: a razão maior era por ser uma herdeira. Sinceramente, eu sabia dos riscos, sabia que Lionel não era a pessoa que verdadeiramente gostaria de beijar. Esse alguém estava nas cadeiras acima de mim junto com a atual namorada. Ainda assim, não liguei e procurei viver o momento.

Nosso beijo foi interrompido pela ovação do público porque Paul havia retornado para o palco. Ele retornou ao piano e começou Hello Goodbye, canção que eu tinha vergonha de dizer que chegamos a ensaiar na época do Novas Direções, em McKinley High, e não fizemos a menor justiça. Olha que nem era lá uma canção das melhores.

“Lembra?” – Kurt me cutucou e levou a mão à testa num gesto de vergonha. Sim, ele também pensou o mesmo. Acenei e balancei a cabeça.

A próxima canção foi Get Back, seguida de Let it Be. Paul encerrou o show, claro, com Hey Jude. Nesse momento, estávamos eu, Lionel, Kurt, Rachel e Quinn nos abraçamos e cantamos a música em coro. Todos os mais de sete minutos dela, inclusive todos os na, na, nas. Cumprimentei o senhor White e a esposa, e também os caciques da Weiz Co. presentes antes de ir embora para o Alberta’s conforme o combinado.

Antes de pegar o carro, Rachel, Quinn e eu tiramos a sorte para ver quem teria de se manter sóbrio para dirigir. Rachel “perdeu”. Não que estivesse disposta a beber todas, mas sim, gostaria de ter o meu drink. Boa coisa que nossa mesa favorita estava desocupada. Pedi um vinho, e fui seguida por Kurt e Quinn. Lionel pediu uma cerveja e Rachel uma coca-cola. Senti que os olhares recaiam sobre mim e Lionel. Não podia culpá-los pela curiosidade já que a companhia que troquei beijos no show era um intruso que eles tinham visto rapidamente uma única vez.

“Então Lionel” – Rachel girou a coca-cola com limão – “Sabemos nada de você, só que trabalha na Weiz e grudou os seus lábios nos da minha irmã. O que mais?”

“Nada de mais” – ele tomou uma golada na cerveja e sorriu – “Nem sei o que dizer sobre mim quando estou cercado por pessoas bem mais interessantes. Puxa... uma atriz, uma fotógrafa e um jornalista, certo?”

“Oh, não querido. Longe de ser jornalista” – Kurt sorriu dissimulado – “Sou apenas um consultor editorial de moda e stylist de Rachel.”

“Mas escreve uma coluna para a revista, certo?”

“Uma coluna boba para a internet. Isso ainda não faz de mim um jornalista.”

“Lionel” – o cutuquei de leve – “É melhor dar a eles o que querem. Rachel pode ficar assustadora e protetora em demasia se você não contar a sua história.”

“Se é assim” – ele sorriu – “Apesar de ter nada a contar” – mais um gole – “Sou natural de Des Moines, Iowa. Sou o irmão do meio de uma família com quatro filhos, mas o primeiro que fez faculdade porque consegui uma bolsa. Minha irmã caçula, que é a verdadeira gênio da família, está estudando para ser geóloga pela Oregon State University, e os meus irmãos mais velhos tocam juntos um negócio com móveis. Eles são carpinteiros dos bons, sabe? Vim para Nova York fazer Faculdade na Rutherford. Morei quatro anos num dormitório do campus. Trabalhei em alguns lugares até ser chamado para a Weiz. Meu primeiro contato com Lopez...”

“Berry-Lopez” – Rchel corrigiu rudemente.

“Desculpe, Berry-Lopez foi tragicômico, mas que no final deu certo.”

“Tragicômico?” – Kurt era o único que parecia genuinamente curioso.

“Eu entrei no departamento pela primeira vez, estava ainda receoso com tudo, e Santana me recebeu com um elefante de insulto. Fiquei tão chocado que deixei cair o copo de café que segurava. Bom, o café caiu na mesa, espirrou na roupa dela, melecou tudo e basicamente eu recebi mais insultos.”

“Eu estava nervosa...” – me defendi.

“Ei!”

Meu coração disparou quando vi Johnny se aproximar de nossa mesa de mãos dadas com Laura. Eu tinha sugerido a Johnny um encontro no Alberta’s depois do show, mas não pensei que ele fosse realmente aparecer.

“Johnny!” – Rachel disse com excessivo entusiasmo – “Que surpresa!”

“Surpresa?” – perguntou enquanto puxava duas cadeiras para ele enquanto Kurt deixou a onde estava sentado para ficar com Rachel e Quinn apertados no sofá bench. Johnny decidiu ignorar – “Vocês lembram de Laura, certo?” – acenamos e dizemos nossos olás. Johnny olhou para Lionel e depois para mim. Então esperou as apresentações.

“Oh! Johnny, esse é Lionel. Ele trabalha comigo na Weiz e é um beatlemaníaco muito mais hardcore do que você. Lionel, estes são Johnny e Laura.”

“Nem preciso perguntar se você gostou do show” – Johnny procurava agir com a habitual simpatia.

“Foi sensacional. Já tinha ido a um show do Paul antes, mas agora é especial por causa do lance da despedida, além disso, o Carnegie é inacreditável. Acústica perfeita.”

“Nem me fale” – Laura respondeu – “A gente viu o show praticamente do teto. Eu mesma quase vi nada, mas deu para escutar tudo. Foi ótimo. De onde vocês assistiram mesmo?”

“Da primeira linha de boxes” – Rachel respondeu com certa insolência.

“Sério? Deve ser as vantagens de ser atriz para conseguir os melhores lugares.”

“Garanto que isso não me beneficia em nada. Não abre porta especial alguma” – minha irmã olhou para mim e sorri. Era um lance de gêmeas, acho: às vezes a gente conseguia se comunicar por telepatia. Naquele instante ela queria me dizer algo como: dá para acreditar nessa garota?

“Acho que só pelo fato de estar lá dentro foi um privilégio” – Kurt entrou no debate – “Foi um dos shows mais incríveis que fui na minha vida, desses que vou poder dizer para os meus filhos: eu vi Paul McCartney tocar em um dos lugares mais incríveis do mundo.”

“Dito” – Lionel ergueu o copo de cerveja e os dois brindaram.

“Paul tocou Live and Let Die, então está tudo em paz no planeta” – Johnny catou um punhado de amendoim na mesa e colocou alguns na boca antes de chamar a garçonete para pedir uma bebida.

“Ainda tem o plus de que eu canto For No One melhor do que o Paul!”

Precisei rir da confiança da minha irmã. Não era tão difícil assim encontrar alguém que cantasse melhor que o Paul. Ainda assim, a áurea de semideus que havia em torno ele era o diferencial e isso Rachel jamais alcançaria, por mais poderosa, apurada e extensiva que a voz dela fosse. Era o que acontecia com Bob Dylan. Fala sério! Qualquer pessoa canta melhor que o Bob Dylan. Até mesmo o Lou Reed. Mas o cara é o Dylan e isso basta.

Ainda estava tensa com a presença de Johnny e a namorada, mas Lionel se soltava mais e mais. Rachel, diabólica como era, dava corda para o meu colega se soltar e acredito que Lionel se sentia como a pessoa mais interessante do mundo. Não culpo o cara. Qualquer um ficaria, que dirá um caipira de Iowa. Além disso, Lionel era bom de papo. Tinha cultura e boa argumentação suficientes para manter um assunto e tinha sensibilidade para mudá-lo. Ele passou o braço pelos meus ombros e me deu um beijo rápido nos meus lábios. Natural. Eu não tinha colocado a minha língua na boca dele em pleno Carnegie? Se isso iria continuar, não sabia ainda. Por hoje, estava tudo certo. Além disso, a cara que Johnny fez valeu à pena.

“Cerveja?” – Lionel perguntou a todos – “Essa rodada é por minha conta.”

Johnny olhou para mim assim que Lionel deixou a mesa. Não parecia feliz. Ótimo. Agora ele sabia exatamente como eu me sentia o vendo junto de Laura.

“Deve ser tão bom estar em um palco para cantar as próprias coisas e as pessoas gostarem” – Rachel divagou.

“Sempre disse que você deveria gravar um disco” – Quinn era a que menos falava na noite.

“Eu sei, mas eu queria algo realmente bom, com o meu jeito. Não essas porcarias que se grava com as facilidades de hoje e são jogadas na internet.”

“Mas você chegou a conversar a respeito com algum produtor?” – Johnny sempre se interessava por esse tipo de assunto. Ele próprio era um músico frustrado, que teve banda fracassada na juventude e hoje toca violão apenas para si.

“Por alto, com alguns produtores da Broadway. Falei com Jimmy Groff, ele disse um monte de ‘pode ser, vamos nos falar’. Ou seja, não está muito interessado.”

“Você poderia gravar uma demo, mostrar o seu estilo, sabe? Então você pega o material e manda para os seus conhecidos. Ficaria muito mais fácil de chamar a atenção deles para um trabalho seu como artista. O que eles sabem de ti é só o lado atriz que interpreta as canções segundo as orientações do diretor.”

“Verdade...” – Rachel ficou interessada, mas Laura não parecia gostar da história.

“Posso conseguir um estúdio, chamar alguns colegas, como o cara que fez a trilha sonora daquele curta da Quinn, lembra?”

“Que isso, John” – odiava por Laura chamá-lo de ‘John’ – “Rachel é uma atriz conhecida. Tenho certeza que ela iria querer um estúdio grande e não aqueles buracos que os seus amigos tocam.”

“Tenho certeza que o Johnny me indicaria alguém apropriado” – Rachel respondeu na lata – “Ele me conhece desde quando cheguei a essa cidade e é família. Portanto, ele sabe.”

“Obrigado pelo voto de confiança, Rach” – Johnny sorriu.

“Mas e as pesquisas do seu livro? Há prazos, John” – Laura insistiu.

“O no quê ajudar uma amiga vai impedir de eu continuar a trabalhar no meu livro? Aliás, Rachel é quase a minha irmãzinha, Laurie. Tenho certeza que haverá tempo para tudo.”

Por mais que estivesse satisfeita em ver a volta de nossa interação, não pude deixar de notar que Johnny evitava olhar para mim ou Lionel desde o momento em que me viu beijando outro cara. Eu aproveitaria a vitória dessa noite pelo resto da semana.

...

19 de fevereiro de 2018

(Rachel)

Nova Jersey era logo aqui ao lado. Tão distante quanto o Queens e o Brooklin eram em relação a Manhattan. Mas era outro estado. Um que, por mais que parecesse mentira, nunca havia pisado os pés. Jamais. Quinn veio muitas vezes em Nova Jersey na época em que era assistente de produção na quase falida R&J. E depois quando fez a direção do documentário da cena folk de Nova York. O escritório da produtora era em Nova Jersey. Santana também já esteve deste lado, em especial por causa de Johnny, enquanto ele manteve uma quitinete, ou muquifo, segundo as palavras da minha própria irmã. Mas não eu, Rachel Berry-Lopez Fabray. Minha vivência de Nova Jersey era passar pelo estado de carro quando ia para a casa dos meus pais. Isso porque o nosso ponto de parada para esticar as pernas era tradicionalmente num porto em Pennsylvania perto de Harrisburg.

Mas tudo tinha uma primeira vez. Por causa de Johnny, procurava endereço em Englewood, com acesso pela ponte em Washington Heights, onde Quinn morou por pouco mais de um ano. Estudei o trajeto antes e pesquisei a casa pelo maps. Achei um lugar agradável, mas era estranho uma casa daquela abrigar o bom estúdio que Johnny jurava existir. Estacionei meu carro em frente à casa, peguei meu casaco, arrumei a minha roupa e bati à porta. Tony Carrs atendeu.

“Olá” – disse ainda desconfiada.

“Rachel Berry! Há quanto tempo” – Tony Carrs disse empolgado.

“Pois é” – disse sem jeito.

Só tinha visto Tony Carrs na ocasião das gravações do curta-metragem competitivo que estrelei para Quinn e Santiago. Época em que Mike ainda morava em Nova York e a faculdade fazia parte do nosso cotidiano. Fiquei impressionada porque Tony era um sujeito com aparência de mendigo, até onde me lembrava. Mas ali apareceu um sujeito negro com os cabelos raspados, de banho tomado, limpo. O que aconteceu?

“Entre, senão você vai congelar e vão me acusar por prejudicar a garganta de uma atriz da Broadway.”

Dentro da casa bem arrumada estava Johnny sentado no sofá conversando com uma moça que não conhecia. Era uma jovem de pele alva, olhos verdes intensos, meio gordinha.

“Danna, essa é Rachel Berry. Rachel, essa é a minha esposa, Danna.”

“Olá!” – a cumprimentei com educação antes de dar um ligeiro abraço em Johnny. Fiquei mais confortável pela presença de Danna e do meu amigo.

“Johnny disse que você gostaria de gravar um disco” – Tony retornou a conversa após os alôs iniciais. Estávamos todos sentados na mesa da cozinha na mais pura informalidade. A casa, aliás, era muito confortável e arrumada. Estava positivamente surpresa.

“Sim” – acenei para Danna quando ela me ofereceu uma xícara de café – “Pensava a princípio em, trabalhar um EP. Cinco ou seis músicas. Lançaria isso de maneira independente, venderia pelo iTunes, essas coisas.”

“Tem em mente que tipo de som gostaria de desenvolver?”

“Obrigada” – primeiro disse a Danna quando ela me entregou o café – “Não sei exatamente, Tony. Confesso que não sou a melhor pessoa quando o assunto é arranjo. Sei dizer quando gostei e quando não gostei. Penso em um pop sofisticado, um pouco mais experimental. É um som que me agrada e que seria distinto do trabalho que desenvolvo na Broadway. Mas como fazê-lo, aí é outra história.”

“E as letras? Já tem alguma.”

“Eu tenho um caderninho em que escrevo alguns poemas, versos. Tudo ainda muito solto. Música mesmo, só tenho uma que compus junto com Quinn há muitos anos, apesar dos garotos da banda da escola terem feito um arranjo para apresentá-la na competição de corais, ela nunca foi gravada em estúdio. Acho que é um começo. Ainda hoje gosto dessa música.”

“Pode mostrá-la?”

Acenei. Terminei a xícara de café e nós quatro descemos ao porão, que naquele bairro seria o cômodo ao lado da garagem. Mas, para a minha surpresa, Tony adaptou o espaço para a construção de um estúdio pequeno, mas muito arrumado e bonito. Ele tinha dois ambientes. O menor era a sala de operações, com os computadores, um sofá de dois lugares, quadros nas paredes, violões e guitarras pendurados e um ukulele. A parte isolada acusticamente era grande o bastante para caber confortavelmente uma banda lá dentro. Havia uma bateria lá, os microfones de capitação, amplificadores, pedais, microfones com filtros. Ou seja, um estúdio completo, caseiro, confortável, mas com toda pinta de ser profissional. Entramos na sala isolada e eu sentei atrás do teclado.

“Minha técnica é pobre” – alertei – “Só sei tocar apenas o suficiente para algumas músicas a quatro mãos com meu pai que morreu ou com minha irmã. Bom...” – coloquei um cacho do meu cabelo atrás da orelha – “sei pelo menos das notas, por isso não reparem.”

“Fique à vontade” – Tony ligou o equipamento, testou rapidamente, depois sentou numa dos bancos e cruzou as pernas.

Olhei minha pequena platéia acomodada. Testei o teclado. Por ter o meu próprio e praticar com alguma freqüência, dedilhava com facilidade. Toquei as notas.

“What have i done/ wish i could run/ away from this ship going under/ Just trying to help/ hurt everyone else/ now i feel the weight of the world/ is on my shoulders/ what can you do/ when your good isn’t good enough/ and all that you touch tumbles down/ cause my best intentions/ keep making a mess of things/ i Just wanna fix it somehow/ but how many times Will it take/ oh, how many times Will it take/ for me to get it right/ to get it right.”

Toquei a música inteira diante de três pessoas silenciosas. Muito diferente do que me lembrava quando apresentei essa música pela primeira vez diante do coral com Santana fazendo a segunda voz. Ou mesmo quando a cantamos naquelas regionais em Cleveland. Isso me deixou nervosa.

“Então?”

“Sua voz é incrível, Rachel” – Danna me elogiou – “Mas essa música é um tanto dramática.”

“Eu a compus quando tinha 17 anos. Eu era bem mais dramática àquela época do que hoje.”

“Entendo” – ela sorriu.

“Mas a música é interessante. Só precisa do arranjo certo” – Tony analisou.

“Tudo bem, o que sugere?”

O que se sucedeu foi a sessão mais incrível e criativa pelo qual já passei. Danna e Tony são dois multiinstrumentistas, sendo que ela tem formação clássica em cello (daí a razão do instrumento encostado no canto do estúdio. Johnny é um guitarrista decente e eu sei fazer alguns barulhinhos no teclado. Em uma hora, nós quatro tocávamos uma versão nova e muito mais interessante da minha canção de adolescência. Johnny seguiu a sugestão de Tony e fez a base no violão, Danna tocou baixo, Tony fez um arranjo lindo de trompete e eles me orientaram a no que fazer no teclado. Ficou incrível. Eu me sentia como uma música de verdade, criando, não apensas absorvendo o que os produtores tinham planejado para colocar a minha voz em cima. Eu não palpitava e o máximo que conseguia era modificar um detalhe aqui e ali.

Minha interpretação ficou mais seca, menos dramática. Limpa, sem precisar usar tanto a minha extensão de voz. Ao fim, nós quatro tocamos como uma banda, seguindo a rápida programação de bateria que Tony havia feito.

“Uau!”

“Ficou bom, né?” – Danna abriu um sorriso.

“Ficou genial” – olhei para o casal que em pouco tempo ganhou a minha simpatia e respeito – “então, como vamos ficar? Quais são seus honorários?”

“Geralmente eu cobro 100 dólares para produção de cada faixa. Como músicos, Danna e eu cobramos 50 dólares por cada instrumento que tocamos por faixa, mas você pode arrumar outras pessoas. O uso do sequencer é 120 dólares por música. Mixagem e masterização saem por 100 dólares por música. A gente não aluga o estúdio, mas cobramos 10 dólares adicionais no pacote por cada hora de trabalho aqui dentro, porque isso aqui puxa uma energia danada. Enfim, num EP de seis faixas o orçamento é...” – usou a calculadora do celular – “1.920 dólares. Isso fora o trabalho como instrumentista e as horas de estúdio.”

“Uau, isso é um bom dinheiro” – eu tinha esse dinheiro. Só que fiquei surpresa que gravar um disco com pessoas profissionais poderia ser caro. Por outro lado, eles tinham de ganhar a vida, certo?

“Vamos fazer o seguinte: fechamos por 2 mil dólares para fazer todo o EP. Produção, arranjos, gravações, os instrumentos, as horas trabalhadas. Ajudo na composição, se for preciso. É um pacote. Direitos autorais, claro, serão recebidos conforme a porcentagem padrão.”

“Sério?” – olhei para o Johnny e ele fez sinal afirmativo – “Bom, estou bem inclinada a fazer esse trabalho, mas será que posso ligar para vocês mais tarde para dar uma resposta definitiva? Preciso confirmar a minha agenda para o próximo mês com o meu agente, que também, é o meu empresário.”

“Ele leva porcentagem por isso?” – Johnny perguntou assustado.

“Não neste caso. Não é que a minha agenda esteja cheia, mas tenho a peça na Broadway até mês que vem e só fico em Nova York até mês que vem antes da minha temporada de quase quatro meses morando em L.A, por isso só posso trabalhar pela manhã e pedaço da tarde. Há uma série de pequenos compromissos que podem surgir, audições, reuniões com produtores. Se vocês quiserem fechar comigo também, vão ter que enfrentar alguém com uma agenda pouco estável.”

“Façamos o seguinte, Rachel” – Tony inclinou-se levemente para frente como se quisesse mesmo fechar um negócio – “Fica aqui registrado a nossa vontade de trabalhar contigo. De estabelecer uma parceria. Você nos diz quais são os dias da semana melhores para você de trabalhar e a gente deixa eles reservados para você até o final de março. Se a gente conseguir terminar esse trabalho antes, melhor ainda.”

“Me parece razoável. A gente poderia se encontrar três vezes por semana, de segunda a quarta. Sendo que segunda-feira eu posso ficar o dia todo.”

“Por mim, fechou.”

“Por mim também. Mas eu preciso deixar o meu agente ciente, por isso só posso te dar a palavra final numa outra hora. Até amanhã, pode ser?”

“Claro!”

“E quanto ficou pela sessão hoje? Afinal, a gente praticamente fez uma nova música aqui.”

“Hoje ficou pela diversão” – Tony sorriu.

Estava mesmo muito inclinada em fazer um EP. Seria mágico. Eu tinha algumas outras letras, poderia trabalhar um pouco melhor nelas e mandar ver. Dei um abraço no casal antes de ir embora com Johnny a tiracolo. Seria bom para conversar com ele às sós. Ele pediu uma carona até o Harlem que eu teria todo o prazer de providenciar.

“Carro novo?” – ele olhou para o Ford Focus vermelho.

“É de Santana. Quinn está com o nosso, e minha irmã geralmente pega o metrô para trabalhar.”

“Verdade. Eu me lembro” – disse sem-jeito quando entrou no lado do passageiro – “Como é que vão as coisas em casa?”

“Normais.”

“Santana está mesmo com aquele cara?” – evitei rir. Johnny trouxe o assunto na terceira pergunta que fez assim que ficamos às sós e eu sequer tinha saído da rua onde Tony morava.

“Eu não sei, Johnny. Os dois trabalham juntos na Weiz e eles tiveram um encontro fim de semana passado. Acho que ainda estão naquela fase de se conhecer.”

“Santana é maior de idade, certo?” – ele falou incerto, confuso, claramente com ciúmes – “Ela tem um detector natural de picaretas, certo?”

“Ela tem um bom radar. Funciona quase sempre. Quase” – reforcei o quase propositadamente para deixá-lo em dúvida.

Mais uma vez, forcei para não rir do jeito que ele estava inseguro. O que os dois sentem um pelo outro ainda é algo muito forte. Minha irmã destina palavras pouco gentis sobre Laura, mas se existe algo que ela não pode fazer é ficar amargurada e esperar Johnny cair na real, de que os dois são feitos um para o outro e que precisam tentar mais uma vez. Não sou tão fã assim de Lionel, mas ao menos ele veio na hora certa. Minha irmã deixou de ficar tão miserável e de procurar aquela amiga prostituta dela. Deus que me perdoe, até achava que Izabella era uma companhia divertida numa mesa de bar, mas eu não poderia concordar em ter alguém como ela na minha intimidade. Odiaria se ela namorasse Santana. Seria o fim.

“Se eu te disser uma coisa, você não fica chateado?” – criei coragem de retornar o diálogo já próximo do ponto em que o deixaria.

“O quê é?”

“Se você estiver mesmo feliz com Laura, então acho que você deveria ser realmente feliz com ela e deixar de fazer perguntas sobre os relacionamentos da minha irmã. Mas se por um acaso você acredita que você e Santana têm uma chance juntos, a hora é agora” – fiz uma breve pausa diante de um sério e calado Johnny – “Eu sei que ela fez a besteira, mas em todos esses anos em que ela fez besteiras por aí, eu nunca a vi ficar tão mal, tão arrependida e tão sem ação. Nem mesmo por Brittany ela demorou tanto para tentar seguir adiante.”

“Eu não sei como terminar com Laura” – Johnny falou num tom sério, pesado – “Não foi só Santana que ficou mal, Rach. Eu também demorei um bocado para me erguer e eu tenho uma dívida de gratidão com Laura.”

“Mas você não a ama. Não como amou Santana” – era uma afirmação.

“Eu tentei, Rach. Ainda tento.”

“Quer saber de uma coisinha, Johnny? Só alguém muito possessivo. Digo alguém com sérios problemas emocionais se daria por satisfeito por ter alguém ao lado por gratidão.”

Eu o deixei no Harlem com essa pulga atrás da orelha. Não o fiz por maldade. Falava sério. Ele não me parecia feliz. Minha irmã não estava feliz também. Os dois tinham de ficar juntos, mas eram idiotas demais para se mexerem. Quem sabe agora?

Cheguei em casa e fiquei surpresa em encontrar as coisas de Quinn no armário, assim como a sacola que ela usava para passar os dias em Nova Rochelle. Bena se preparava para sair, mas antes me alertou que o humor de Quinn não estava dos melhores. Fui encontrar a minha esposa no escritório. Ela estava com os pés na cadeira, o queixo apoiado no joelho enquanto cutucava o meu teclado sem ao menos ligá-lo.

“Oi” – disse cautelosa – “Não achei que você viria dormir em casa hoje. O que aconteceu?”

“Semana de folga” – sequer olhou para mim.

“Por quê?”

“Gary fez uma reunião geral hoje lá nos estúdios. A ABC cancelou a série, mas vai exibir todos os episódios da segunda temporada para que se ao menos possamos fazer um desfecho. Os roteiristas estão trabalhando para encerrar a série, dar um acabamento decente, sabe?”

Para ser sincera, a série não era excepcional, apesar de ter algumas boas qualidades. A produção da Bad Things era de primeira e todos reconheciam isso, tanto que ganharam dois Emmys técnicos ano passado. Mas a história não era grande coisa e os atores não eram tão carismáticos. Não havia um nome forte para sustentar. A audiência não era das melhores, mas longe de ser uma catástrofe.

“Sinto muito, Quinn. Sinto mesmo. Eu sei que todo mundo trabalha duro.”

“É, trabalhamos mesmo.”

Peguei a outra cadeira e sentei-me ao lado de Quinn. Passei o meu braço pelos ombros dela e a beijei na cabeça.

“O que vai acontecer agora?”

“A gente vai terminar a temporada. Então os atores e as pessoas com contrato para trabalhar apenas na série serão dispensadas. O pessoal do estúdio vai começar a montar um set enorme que vai ser usado num longa-metragem que Liam conseguiu dinheiro da Warner. Eu vou voltar ao escritório na Madison e aguardar Terry ver o que me espera. Provavelmente vão me colocar para fazer a direção de foto dos clipes e das propagandas.”

“Você gosta de fazer vídeo clipes” – procurei ser otimista.

“É... talvez!”

Abracei minha esposa. O dia tornou-se longo.

...

27 de fevereiro de 2018

(Santana)

Duas coisas sobre Lionel: ele era um caipira culto muito divertido; e ele não era muito bom de cama. O primeiro ponto era algo público. Lionel era um sujeito que tornou-se querido no setor de projetos, até por mim. Isso aconteceu antes mesmo do advento Paul McCartney. O segundo ponto eu experimentei no último fim de semana. Na sexta-feira, saímos para dançar após o expediente com algumas outras pessoas da Weiz, bebemos um pouco e transamos primeiro no banheiro ali no calor do momento. Não há muito que dizer nessas circunstâncias, mas foi um começo promissor. No sábado, a programação foi mais íntima. Ele me chamou para jantar no apartamento dele, cozinhou para mim, bebemos vinho e transamos.

Meus colegas de trabalho ficaram chocados quando aparecemos na Weiz como um casal. Todo mundo tinha em mim uma bitch exigente que ficaram surpresos ao ver que essa bitch aqui tinha pego o melhor partido do departamento. Bom partido entre aspas, porque tudo que Lionel tinha era o salário que recebia. O apartamento no Bronx era alugado, o carro era bem usado. Mas eu nunca fui atrás de partido rico mesmo. O importante era que Lionel me fazia bem naquele momento.

“Como está o andamento da segunda edição do festival?” – entrei na sala em que o departamento de promoções foi instalado. Lionel estava por lá com os óculos de grau no rosto (ele usava só para leitura, mas comumente esquecia de tirá-lo da cara) – “Preciso da lista de atrações fechada até às seis. A reunião com os parceiros é amanhã, pessoal!”

“É que o empresário da Norah Jones ainda ficou de dar a resposta final hoje e o pessoal da Alice Russell ainda não se comunicou” – uma menina procurou justificar.

“Deixa eu fazer uma pergunta: Adele não confirmou que iria vir nessa porra?” – o pessoal acenou – “Foo Fighters não confirmaram que iriam encerrar o festival no dia rock?” – mais acenos – “E vocês sabem o que é ter parênteses com a palavra pendente na frente de um nome, correto?” – mais acenos – “Então qual é o problema? Imprime logo o material que eu preciso disso na minha mesa antes de encerrar o meu expediente e a versão digital disso na minha caixa de mensagens.”

Deixei a sala com as costas levantadas e o cenho característico na minha testa. Não era a pessoa mal bem-humorada dentro da Weiz naqueles dias. Não quando os boatos de que eu me tornaria diretora do departamento de projetos circulavam fortes pelos corredores em meio a conclusão dos trabalhos de quase dois anos que fizeram a empresa voltar a se mexer novamente. Eu sabia que assumiria o departamento em setembro, que era o tempo para o atual trabalho ser concluído, mas não era para a informação ter vazado. Não com a ameaça do meu chefe se demitir antes que a diretoria tivesse a chance de remanejá-lo para que eu assumir o posto. Se ele se demitisse, eu teria de assumir a responsabilidade mais cedo que o planejado e isso estragaria alguns dos meus planos. Inclusive as minhas férias!

Eram coisas que faziam parte do jogo empresarial, das políticas e movimentações internas e era preciso lidar com aquilo. Nossas ações tinham se valorizado e os sócios estavam felizes em ter mais dinheiro no bolso. A Weiz não deixou de ser a empresa sanguessuga de judeus espertinhos, mas para a sociedade a imagem era outra. Isso significava que o trabalho e a pressão sob o departamento de projetos seriam bem maiores dali adiante.

“Pega leve, San” – Lionel me acompanhou corredor a fora – “O pessoal está dando o sangue.”

“Eu sei. Só que se isso não sair redondinho amanhã, é o meu sangue que vai ser derramado.”

“Você precisa relaxar.”

“Mesmo?” – sorri para Lionel – “O que sugere?”

“Cinema?”

“Não estou a fim de sair hoje.”

“Sessão de comédia em DVD?”

“Ou a gente pode ver os melhores episódios de Dr. Who lá em casa. O box de rays chegou ontem lá em casa.”

“Dr. Who é excelente pedida.”

“Combinado” – paramos em frente ao elevador – “Te vejo no fim do expediente.”

“Por quê?” – Lionel ficou confuso.

“Reunião com Alex agora.”

“Certo” – trocamos um selinho e cada um seguiu seu caminho.

A minha reunião com Alex foi basicamente para dizer que eu seria mandada na próxima semana para uma visita à filial em Houston para concluir o trabalho de sincronização do andamento dos trabalhos. Uma semana na terra dos Fabray. Estava tão feliz com isso como se tivesse ido tomar injeção na testa. Mas fazia parte. Sempre fazia. Essa crescente demanda atrapalhava as coisas com a Rock’n’Pano. Daí a necessidade de acelerar a contratação de um segundo funcionário e fazer Tomiko a minha gerente. Mas do jeito que carruagem andava, só poderia ver isso depois de voltar do Texas. Aproveitei para deixar a mensagem para Tomiko autorizando a postagem do anúncio da vaga de trabalho. Quando chegasse de viagem a gente faria a triagem de currículos e ela me ajudaria com as entrevistas.

Eram quase sete horas quando volteia minha mesa no departamento de projetos. Como o exigido, o relatório do festival estava todo na minha mesa. Era um alívio. Passei o olho rapidamente no material e tudo parecia certo. Coloquei o relatório na minha pasta e peguei minhas coisas para ir embora.

“Vamos?” – Lionel passou o braço pela minha cintura e descemos até o prédio-estacionamento em que ele guardava o carrinho dele. Para mim era muito mais fácil pegar o metrô sabendo que a estação era praticamente em frente da Weiz e tinha de andar apenas um quarteirão na estação em Upper East Side.

Como o previsto, pegamos um pouco de engarrafamento. Daí outra razão do porque eu pegava metrô. Para passar o tempo, liguei o rádio. Tinha nada de interessante passando e o ipod de Lionel não estava por perto. Sintonizei da estação da Broadway e estava num programa de sucessos recentes. Sorri com a coincidência de ouvir “Lamentos de uma Gata”, a música que Rachel cantava em, saltimbancos. Era bom e estranho ouvir minha irmã na rádio. Ainda mais sabendo que ela começou a gravar um EP junto com uns amigos de Johnny. Disse que eu teria de gravar algumas vozes. Tudo bem. Se tivesse tempo, claro que participaria dessa brincadeira, em especial em Get it Right, por toda história que tinha essa canção.

“Porque do risinho” – Lionel perguntou.

“Nada. É que eu acho que Rachel fez muito bem essa música. É um novo clássico.”

“Será para tanto?”

“Daqui a 50 anos, aposto que as pessoas ainda vão ouvir essa gravação.”

“Você é otimista, San. E ama muito a sua irmã.”

“Por quê? Acha que estou errada.”

“Sei lá. Vai ver porque não curto muito trilha desses musicais da Broadway. Só isso.”

“Mesmo?” – aquilo era uma novidade – “Que Rachel nunca saiba disso, Lion, ou você fará uma inimiga feroz.”

“Eu já tenho a impressão de que ela não gosta de mim.”

“Ela gosta... é que... é complicado. Rachel tem algumas idéias fixas sobre coisas que não dizem respeito a ela.”

Lionel acenou e continuamos a batalha no trânsito até o meu prédio. Não encontramos estacionamento em frente, e por isso tivemos de arrumar um lugar no quarteirão ao lado. Andamos pela calçada de mãos dadas, Lionel gentilmente segurando a minha pasta. Teríamos a casa só para nós até que Rachel voltasse do teatro. Quinn estava em Nova Rochelle enfiada no estúdio gravando uma série moribunda. Mas quando entrei em casa, a surpresa: Johnny se levantava da mesa de jantar. Fiquei paralisada por alguns instantes por causa da surpresa.

“Johnny?” – foi Lionel quem perguntou – “O que está fazendo aqui, cara?”

“Eu terminei tudo com a Laura.”

Meu coração disparou.

Saga Familia - UnificadaOnde histórias criam vida. Descubra agora