Dezembro de 2019

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17 de dezembro de 2019

(Rachel)

Olhei pela centésima vez para o espelho de corpo inteiro que mandei instalar no meu quarto da minha casa em Santa Monica. Virei de um lado, de outro. Ostentava uma barriguinha muito discreta. Tão discreta que ninguém diria que estava na oitava semana de gestação, ou sequer grávida. Segundo o obstetra que vai me acompanhar ao longo da gestação, ainda há um embrião na minha barriga, feto, só no próximo mês. Os bracinhos e pernas da minha filha estão se formando, assim como o seu rostinho, e ela ainda deve ter um rabo. Não é maior do que uma uva nesse estágio, mas eu a sinto tão minha.

Meus enjôos ainda eram uma rotina degradante. Não coloquei uma gota de álcool na boca desde o tratamento no laboratório, evito fumantes e vou começar em breve a fazer yoga para gestantes na academia perto da minha casa em Nova York. Quinn e eu estamos discutindo se devemos comprar uma casa no subúrbio de Nova Jersey para quando nossa filha ficar maior e quiser ter um espaço para correr, um pedaço de grama para brincar, assim como nós tivemos, assim como Beth teve. Eu coloquei a mansão do senhor Weiz à venda por uma bagatela de 15 milhões. Santana e o corretor disseram que era pelo menos 5 milhões abaixo do preço, mas eu não ia querer morar ou ficar por mais tempo com aquele museu mal-assombrado em que viveu o clã Weiz.

Minha bisavó trabalhou naquela casa e deus sabe quantas humilhações sofreu, zaide também, bubbee deve ter sido currada ali na época em que se tornou amante do senhor Weiz. Santana recebeu dezenas de broncas naquela casa por coisas que ela não entendia a razão. Definitivamente eu não iria morar ali. Havia uma residência em Leonia, Nova Jersey, que me parecia perfeita. Era num bairro de classe média alta, havia muito espaço, certa privacidade. Havia outros bairros interessantes também que ficavam mais próximos de Manhattan do que se escolhêssemos o Queens. Claro que ainda estávamos apenas olhando.

O certo é que nossa filha passaria os primeiros anos ainda no apartamento em Lenox Hill, na região em que morávamos em Upper East Side. Mandaríamos instalar redes em todas as janelas para prevenir que uma menina danada subindo em cima de tudo pudesse cair janela abaixo (o pensamento corroia o meu estômago, mas não aconteceu com o filho do Eric Clapton e com tantas outras crianças?). Colocaria até redes duplamente reforçadas só para ter certeza. Tinha de morar próximo de Manhattan por causa da Broadway. Era para onde gostaria de retornar após ter minha filha.

Quinn, eu não sei. O futuro dela estava incerto depois que ela pediu demissão na Bad Things. Ela tinha algumas opções. Poderia arrumar um agente e receber por projeto. Poderia começar a trabalhar na NBC junto com Terry. Ou poderia aceitar o convite de Luis e Santiago para trabalhar no antigo projeto dos dois que iria começar a ser rodado na primavera em Pittsburgh. O problema é que ela ainda estava hostil com Luis. Não o perdoou por ter me beijado em topless naquele iate no México. De qualquer forma, ela teria até o fim do ano para pensar direito no que gostaria de fazer. Por hora, Quinn veio comigo a Los Angeles para a premiere do novo Star Wars.

“Como você está barriguda” – ela me abraçou por trás e beijou o meu rosto enquanto ainda me olhava no espelho.

“O problema é que tudo ainda está tão... normal. Tirando os enjôos.”

“Não viu o que o médico explicou? São oito semanas, Rach. Uma uvinha não ia conseguir provocar grandes mudanças no seu corpo. Mas espere mais umas três semanas. Aí sim as coisas vão começar a mudar. Pra começar, você vai começar a me deixar louca nessa altura. Mais do que já faz.”

“Até parece” – resmunguei.

“Confie em mim. Eu sei.”

“Mesmo? Você ainda usava uniforme de cheerios no início da gravidez e Finn pensava que era dele porque tinha ejaculado na jacuzzi. Sem falar que você continuava a ser uma bitch agressiva com todo mundo, especialmente comigo. Então eu não notava diferença.”

“Até hoje não acredito como fui capaz de inventar tamanho absurdo e aquele idiota conseguir cair... e tudo bem, reconheço que fui uma grande bitch contigo” – Quinn sorriu e passou a mão na minha barriga – “De qualquer forma, em pouco tempo você vai querer me amar e me matar num espaço de um minuto. Você é um copo de hormônios em ebulição neste momento. Eu fico exausta só em pensar em todo sexo que vai querer fazer daqui a algumas semanas.”

“Mentira!”

“Confie em mim. Eu sei.”

“Você falando desse jeito até parece que vai achar ruim.”

“Eu terei muito trabalho.”

Às vezes Quinn me irritava por falar de gravidez como se fosse uma especialista. Ela só engravidou uma vez na vida, afinal. Claro que ela tinha a experiência, mas não poderia generalizar ou dizer que a minha experiência seria como a dela. Eu não acreditava nisso. Andei pelo quarto e olhei a roupa que usaria na premiere que estava pendurada num cabide. Era sexy e elegante. Kurt foi preciso ao escolher o figurino. Quinn me acompanharia pela primeira vez em muito tempo. Ainda não assumiríamos nada, mas sim, ela estaria ao meu lado na premiere como se fosse uma grande amiga que eu tinha convidado. Os meus fãs já sabiam que ela era a minha “melhor amiga” pelo que conseguia monitorar nas redes sociais, então não seria problema. Também era uma rara oportunidade que tinha da minha esposa me acompanhar num momento de trabalho e interagir melhor com os meus amigos.

Fiz a minha rotina de preparo para tapetes vermelhos: minha equipe de sempre chegou para fazer cabelo e maquiagem, ao passo que Quinn disse que ela mesma se maquiaria e faria o penteado no cabelo. Bom, ela era mesmo muito boa com essas coisas, apesar do estilo fashion ter congelado no tempo. Não sabia com que roupa ela iria, mas podia imaginar a discrição de sempre. Minha equipe me arrumou, me vestiu e tiramos fotos para as redes sociais. Nina não veio, mas mandou uma representante da empresa dela no lugar que estaria em minha casa em dez minutos com o carro alugado. Tirei fotos com o pessoal e os dispensei. Eles não precisariam me colocar dentro do carro. A minha assessora chegou com o motorista contratado.

“Quinn!” – gritei da porta de casa – “Está na hora.”

Quando ela saiu do quarto de hóspede, onde se vestia naquela ocasião, meu queixo caiu. Uma coisa sobre estar casada com a mulher mais linda do mundo: mesmo quando ela está mal vestida, ela está deslumbrante. O problema é que ela estava estonteante. Ela me ofuscaria se quisesse com uma mera piscadela. Era tão injusto que eu não tenha a beleza majestosa da minha esposa. Por outro lado, ela era toda minha e de mais ninguém.

“Estou bem?” – ela olhou para o vestido mais justo que o que ela normalmente usa, que revelava curvas graciosas e o belo traseiro que ostentava. Havia um decote generoso nas costas, que mostrava a pele branquinha e bem tratada. O cabelo em coque mais tradicional, a deixava um pouco mais séria, mas a maquiagem estava perfeita. Era ela melhor maquiadora do que o meu maquiador profissional.

“Onde você arrumou esse vestido?”

“Não está bom? Foi no dia que eu saí com Brittany. Ela disse que eu deveria usá-lo.”

“Está perfeito. Você está estonteante” – me aproximei e dei um beijo de leve nos lábios, mas só de leve para não estragar a nossa maquiagem.

“Obrigada” – Quinn abriu o sorriso de dentes perfeitos enquanto eu fiquei meio hipnotizada por aquela beleza clássica e, ainda assim, de outro mundo – “Vamos, jedi?”

“Padawan. Eu sou uma padawan que morre no filme.”

Quinn segurou a minha mão e me conduziu até o carro que nos aguardava. No local, fiz as fotos com a imprensa com Quinn sempre próxima, mas numa posição discretíssima. Tiram as usuais fotos minhas, minhas com o elenco e minhas com Rom e Amanda, que compareceram à premiere. Mas eu reparei que também tiraram fotos de Quinn. Ela estava sempre ao fundo, mas a beleza dela chamava tanta atenção que os homens com a máquina não resistiram em guardar uma imagem dela.

“Você está no filme?” – ouvi um fotógrafo perguntar.

“Não estou” – Quinn respondeu com polidez.

“O que você faz então? É atriz?”

“Fotógrafa” – Quinn respondeu rapidamente e passou por mim claramente incomodada com o pequeno assédio.

Ela tocou no meu braço discretamente e eu a acompanhei para dentro do teatro, mas não antes de fechar o cenho para o fotógrafo. Foi estranho sentir ciúmes. Era como o meu sentimento de posse aumentasse exponencialmente. Ela era minha! Talvez Quinn tivesse razão sobre a minha gravidez. Talvez isso fosse resultado dos meus hormônios em ebulição.

A vantagem de se fazer um papel secundário numa franquia como Star Wars era de que você podia participar de todas as festas, mas não necessariamente era convocada para as turnês de divulgação pelo mundo, como acontecia como os atores principais. Não precisei sequer ir a uma coletiva, embora tenha atendido alguns jornalistas por telefone à pedido da produção. Quinn e eu sentamos juntas no teatro. Ficamos de mãos dadas, com nossos dedos entrelaçados. O filme começava de forma tradicional com a música tema de abertura cantarolada por todos ali, a explicação do cenário em três parágrafos e a subida de câmera para focar numa nave espacial. Era a família Solo que deixaria os três filhos sob tutela do tio Luke Skywalker para dar continuidade aos treinamentos jedis. Foi estranho me ver na tela de uma grande franquia. Aparecia logo nos minutos iniciais atrás de Luke, como uma garotinha curiosa e metida.

O filme era um pouco lento no início. Despertava de repente para a problemática a ser resolvida na primeira meia hora. Fiquei feliz da minha única boa cena não ter sido cortada da edição final no meio da história (mas outra foi). O filme começou a acelerar, J.J. Abrams é um diretor muito bom com atores, e os diálogos eram bem mais orgânicos do que os da era George Lucas. Houve a cena da minha morte abrupta que aconteceu a quase meia hora do fim. Não foi uma obra-prima, mas era divertida suficiente para atrair elogios da crítica e tinha força para era produção mais bem sucedida da franquia em bilheteria. Sobretudo com os ingressos em 4D que eram bem mais caros do que os já convencionais em 3D.

Rom me deu um abraço apertado me parabenizando. Depois ele se despediu. Tudo bem porque tínhamos um almoço marcado na mansão dele. Amanda estava solteira de novo e zoneava entre produtores e diretores. Do elenco de Slings and Arrows, que se encerraria nesta semana, inclusive, ela era a mais perdida e sem projetos. Adorava Amanda, mas ela precisava arrumar um trabalho sério o quanto antes para se manter em evidência no mercado. Eu sairia de cena por causa da gravidez, mas ainda tinha de cumprir, por exemplo, as minhas participações na série da CBS, meu personagem não morreria e eu poderia voltar depois de dar a luz.

Senti que Quinn estava mais esperta na recepção pós-premiere. Embora o rosto dela não fosse conhecido, o nome Quinn Fabray não era mais tão alienígena aos ouvidos dos produtores. O curta-metragem dela estava na mostra competitiva de Sundance, ela dirigiu a fotografia de uma série de TV por uma temporada inteira, fez parte de trabalhos importantes na Bad Things. Definitivamente o nome de Quinn Fabray tinha reconhecimento e aquela festa provou isso. Ela só não era reconhecida pessoalmente.

“Ela parece bem” – Amanda se aproximou e encostou o queixo no meu ombro.

“Ela está ótima” – continuei observando de perto a minha esposa.

“E você também parece bem.”

“Obrigada.”

“Está de mãos vazias. Quer um drink?”

“Não, obrigada. Na verdade já estou de saída.

“Mas a festa mal começou. Você tem certeza que vai me deixar sozinha aqui? Eu vim sopor sua causa, Rach. Estava com saudades.”

Foi aí que percebi que a minha amiga tinha bebido um pouco demais. O que havia acontecido com ela? Infelizmente eu descobriria ali, em meio à festa. Queria ir embora, estava cansada e como estava grávida, meus desejos deveriam ser uma ordem. Aproximei-me de Quinn e falei ao pé do ouvido dela.

“Casa?”

Ela me olhou como se quisesse enxergar dentro do meu corpo em busca de possíveis problemas. Não havia nenhum. Eu só queria ir embora.

“Claro” – ela se desculpou com o produtor e me acompanhou.

Minha assessora nos deixou em casa antes de seguir com o motorista e o carro alugado. Foi uma benção entrar na minha modesta, mas agradável casa em Santa Monica. Era agradável enfrentar um inverno mais ameno do que o de Nova York que tinha dias com vários graus abaixo de zero. Meus pés estavam me matando e deixei o sapato ali mesmo do meio da sala e fui retirando o meu vestido na outra parte do caminho até o meu quarto.

“Acho que foi tudo bem” – Quinn me acompanhou, ligou o aquecedor do quarto e só então começou a despir-se. Primeiro as jóias, depois a roupa – “O filme é bom, Rach. Uma pena que você não participou de mais cenas. Gostei da sua atuação naquela.”

“Deixaram algumas coisas que fiz fora do corte final. Quem sabe nos extras em blue ray?” – disse enquanto tirava os meus brincos.

“Está se sentindo mal?”

“Não, só queria dar o fora daquela festa. Não me sito tão disposta assim nesses dias.”

“Tudo bem” – ela me beijou na testa. Estava só de calcinha, e eu também. Quase pelada e ainda assim tão sexy. Não havia justiça divina. Puxei-a para um beijo na boca.

“Quero fazer amor” – a beijei com paixão – “Disse que você está deslumbrante hoje?”

“Não, mas é ótimo ouvir isso” – ela me conduziu para a cama e me colocou por cima dela.

“Você é deslumbrante, Quinn Fabray. E é toda minha.”

“Toda sua” – ela repetiu com um sorriso antes de eu beijá-la no pescoço – “Eu disse que os seus hormônios iam começar a reagir, sua predadora sexual grávida.”

“É a sua filha que está na minha barriga que está provocando tudo isso” – protestei.

“Ela é realmente uma Fabray.”

“Berry-Lopez.”

“A gente discute isso depois.”

Quinn virou-se de forma que agora era ela quem estava sobre mim. O peso do corpo dela no meu era simplesmente incrível. Arrancou a minha calcinha com os dentes e subiu novamente beijando e acariciando minhas pernas. Isso meu deixou tonta de prazer, em especial quando senti a boca quente dela sobre o meu sexo. Gemi alto e agarrei o lençol. Se a gravidez estava fazendo tudo isso, bom, então que viesse os demais sete meses.

...

25 de dezembro de 2019

(Quinn)

A parte os meus problemas profissionais, esse era um dos melhores fins de ano da minha vida. E o próximo seria ainda melhor quando tivesse a minha caçula nos meus braços. Com esperança, também com Beth. Ela estava em minha casa celebrando o natal junto comigo, Rachel, Santana, Johnny, os meus sogros, minha mãe e os avós de Rachel e Santana. Ela queria passar as festas de fim de ano com a família do namorado, mas eu avisei que tinha algo tão importante a dizer que isso poderia esperar para o ano novo. Kurt foi passar as festas em Lima com o pai, Finn e a madrasta, Brittany foi para Los Angeles não apenas para passar as festas com a família, como também precisava levar Robby para passar um tempo com o pai dele.

Rachel e eu enfeitamos a casa com motivos natalinos de judaicos, como fazíamos todos os anos. A estrela que enfeitava o topo da nossa árvore era a estrela de Davi, e o memorah estava na mesa ao lado das meias de natal. Já tínhamos comemorado o hanukkah deste ano, cujo último dia de acender a vela do memorah foi na casa de Santana, com direito a comidinhas judaicas típicas e pequenos presentes. Era curioso ver a forma com que Santana conduzia toda parte cerimonial como se fosse a chefe da família. Rachel sussurrou na ocasião que ela fazia exatamente como Hiram Berry. Imitava até as entonações. Disso eu não poderia saber porque nunca participei de rito judaico algum com a presença de Hiram.

De qualquer forma, eu era uma cristã, assim como minha mãe, Shelby, Santiago e até Beth, que recebia educação cristã. Juan e Johnny se declaravam agnósticos. Como tal, comemorávamos o natal, e isso não era problema algum para Rachel e Santana. Acho que também não era problema para Sarah e Joel.

“Você não está liberada para beber” – sorri ao ouvir Juan bronqueando com Santana.

“Mas papi! Eu fiz a cirurgia mês passado, já não sinto tanta dor assim, fiquei quietinha e infernizei a vida do Johnny o mínimo possível. Eu posso tomar um golinho de vinho por ter sido uma boa garota.”

“Nada de bebidas alcoólicas para você. E estou falando como médico, não como seu pai” – tomou o copo de vinho da mão dela, o que provocou risadas nossas.

Ela estreitou o olhar minha direção e na de Rachel e fez sinal de que teria troco. Os presentes estavam ao pé da árvore, todos estavam se divertindo e Rachel pediu para que eu a ajudasse a servir a mesa. Tinha peru assado com rodelas de abacaxi ao redor, salada de batata, o assado de tofu que Rachel comia não sei como (ainda bem que os enjôos matinais estavam melhorando), salada verde, alguns legumes cozidos. Era uma ótima refeição. Faltava Rachel comer um pouco de carne, conforme a recomendação do nosso obstetra. Além do ovo e do leite, recomendava-se que ela comesse um pouco de carne pelo menos uma vez por semana. Estava duro de convencê-la. Mas eu prometi a mim mesma que não iria brigar por causa disso em nossa ceia de natal. Precisava de um clima ameno e festivo para dar as boas notícias. Santana e Johnny já sabiam e guardaram segredo. Faltavam os nossos pais.

“Pessoal” – chamei a atenção dos presentes. Tinha uma taça de vinho em uma mão e segurava a mão da minha mulher com a outra – “gostaria de propor um brinde antes de apreciarmos essa ceia e abrirmos os presentes.”

Todos se reuniram ao redor da mesa, nossa refeição cheirava muito bem, Juan distribuiu as taças para todos menos para Santana e Beth que se contentaram com suco de uva. Rachel trocou a taça de vinho pelo suco de uva e tenho certeza que causou estranhamento no meu sogro.

“Muito bem” – voltei a discursar – “Esse ano não foi fácil. Começamos 2019 no hospital e vivenciamos momentos tensos em vários momentos. Algumas coisas ainda nem se resolveram, eu mesma ainda estou desempregada, mas com algumas boas opções à vista. Então não estou desesperada ou triste. Na verdade estou com espírito de celebração. Uma pela saúde de Juan, que conseguiu se recuperar e tenho certeza que hoje está com o coração mais forte. Pelo menos é com isso que conto. Johnny provou que era maluco suficiente para propor Santana” –provoquei algumas risadas – “Minha mãe encontrou um bom homem para ficar ao lado dela, Shelby foi convidada a montar um programa de teatro musical na OSU como curso opcional e devo dizer que Rachel quase soltou foguetes, Beth terminou este ano como a primeira da classe e isso é um feito extraordinário. Minha esposa está no filme de Star Wars e lançou um disco.” – Johnny soltou um gritinho de comemoração – “Santana é a porca capitalista mais humana, caridosa e honesta que já tive conhecimento. E o seu Joel finalmente pode se aposentar e visitar a cidade que originou os Berry, essa família que aprendi a amar intensamente, assim como os Lopez. Enfim, tivemos muitos problemas e conflitos no decorrer do ano, mas tudo valeu à pena por estarmos juntos celebrando.”

“Ok, Quinn. Vamos a comida” – Santana estava sendo mal-criada como sempre.

“Não fique tão entusiasmada, Santy. Ou vai ficar só na saladinha. Sua dieta ainda está restrita.”

“Você não é minha mãe.”

“Eu sou e concordo com sua irmã” – Santana ouviu gritinhos de comemoração por ela ter levado uma resposta de Shelby para baixar o facho.

“Enfim” – voltei a chamar a atenção para mim – “O que quero anunciar aqui é que o ano terminou maravilhoso para todos nós e que além de todas as coisas boas que colhemos ainda tem mais uma notícia que gostaria de compartilhar” – fiz uma pausa. Rachel olhou para mim com um sorriso gigante, o que me deixou ainda mais feliz – “Mamãe, Juan e Shelby, gostaria de anunciar que vocês serão avós, que Joel e Sarah serão bisavós, e que Beth vai ganhar uma irmã.”

“Você está grávida?” – Juan perguntou para mim.

“Sou eu quem está, pai” – Rachel respondeu.

“Oh deus!” – ele regalou os olhos – “Eu vou ser avô!” – saiu comemorando e abraçou Rachel.

“Eu vou ser avó?” – Shelby estava perplexa – “De quanto tempo ela está?”

“Aproximadamente nove semanas.”

“Meu deus, Quinn” – minha mãe me abraçou emocionada – “Mais uma neta...”

Depois da comoção, brindamos, bebemos o vinho (as meninas tomaram suco de uva), e apreciamos a ceia. Senti que Juan ficou abobado com a idéia de ser avô e eu até já imaginava a minha filha fazendo de cavalinho aquele tamanho de homem. Depois da comida, abrimos os presentes e nos espalhamos pela casa. Em determinado momento, vi Johnny sentado no tapete com Santana com a cabeça no colo dele enquanto assistiam televisão com Juan e Joel sentados no sofá como se monitorassem a cena. Minha mãe conversava algo com Sarah, Shelby discutia algo com Rachel. Não vi sinal de Beth. Meu coração deu um salto e comecei a procurá-la pela casa. Encontrei-a quietinha no escritório passando os dedos no teclado de Rachel. Ela parecia chateada.

“Oi?” – me anunciei e entrei com cautela – “Posso ficar aqui um pouco?” – sentei-me na cadeira. Beth balançou os ombros em sinal de que tanto faz – “Quer que ligue o teclado?” – mais um sinal de tanto faz. Resolvi ligar o teclado mesmo assim. Beth continuou a passar os dedos e depois de um tempo apenas fazendo barulho, começou a tocar uma pequena cantiga – “Shelby te ensinou a tocar?”

“Ela me ensina algumas músicas. Meu pai está me ensinando a tocar violão quando ele tem tempo e está em casa.”

“Isso é muito bom.”

“O que você vai fazer com ela” – Beth perguntou de repente e com um pesar na voz.

“O que quer dizer?”

“Você vai dar a sua filha para alguém como fez comigo?”

Meu coração pulou uma batida. Não estava preparada para ter esse tipo de conversa com Beth, mas também não iria fugir. Ajeitei-me na cadeira e inclinei o meu corpo para frente, apoiando meus cotovelos nas minhas coxas, e procurei falar com o máximo de seriedade e sem floreios.

“Não Beth. Eu e Rachel não vamos dar a sua irmãzinha a ninguém. Nós vamos criá-la.”

“Ela deve ser diferente...”

“Não. De forma alguma ela é diferente de você. As situações sim são diferentes. Quando eu fiquei grávida de você, eu fui expulsa da minha casa, tinha 16 anos, o seu pai biológico era um moleque que não pensava em desistir de certos hábitos para tentar constituir uma família. Eu estava só, Beth. Tinha medo de que não poderia dar a vida que você merecia, de passar por privações, necessidade. Foi por isso que te entreguei a Shelby. A sua irmãzinha que irá nascer em outra situação. Rachel e eu a planejamos, em primeiro lugar. Nós temos uma casa, condições de proporcionar uma boa vida, estamos casadas e formamos uma família estruturada. Esse é o ambiente perfeito para a sua irmãzinha crescer, assim como você cresceu com uma mãe e um pai que te amam muito.”

“Eu sei, eu sei. Eu amo meus pais. Mas é que agora que Rachel está grávida, fiquei com medo de você fazer o mesmo com ela.”

“Não Beth, não vou fazer. E tem mais: quero que você me ajude a cuidar dela. Acima de tudo, ela é a sua irmã de sangue, assim como Rachel é de Santana. Mesmo que não fosse assim, tenho certeza que você poderia amá-la da mesma forma, assim como Santana e Rachel te amam, certo?”

“Acho que sim” – ela ainda estava séria, pensativa.

Acho que Beth precisaria de um tempo para digerir a novidade. Ao mesmo tempo, era bom ter uma conversa civilizada com minha filha de modo em que pudesse explicar algumas coisas e esperar que desta vez ela entendesse de fato. Beth tinha oito anos. A diferença dela e da irmãzinha seria de nove anos. Acho que ela já tinha condições de compreender que eu não a dei por não amá-la. Eu a entreguei para adoção por se importar com ela mais do que importava comigo mesma. Porque eu tive medo. Porque eu não queria que ela convivesse com alguém tão imaturo e emocionalmente quebrado e confuso. Porque eu sabia que não conseguiria prover o que ela precisava.

“Ela já tem nome?” – Beth me perguntou timidamente.

“Ainda não.”

“Posso sugerir alguns?”

“Tem algum em mente agora?”

“Sei lá. Meu pai gosta de tocar uma música chamada Dear Prudence para mim quando ele começa a tocar guitarra lá no porão. Então eu gosto de Prudence. Ou de Nina, porque ele vive dizendo para a minha mãe que Nina Simone foi a melhor. Mas a minha mãe diz que não, que a melhor foi Sarah Vaugham, mas eu não gosto muito do nome de Sarah por causa da vó Sarah, que sempre me olha esquisito. Acho que ela não gosta muito de mim, diferente da vó Linda, que sempre me abraça.”

“Ok” – sorri e endireitei minha postura para relaxar em seguida contra a cadeira – “Eu vou levar tudo isso em consideração. Você sabe que Rachel também tem que opinar, não é?”

“Não deixa Rachel chamá-la de Barbra. Santy diz que Barbra é o nome mais horrível da face da terra. Que só não era mais horrível do que Lisa, apesar de eu não achar Lisa tão ruim assim” – tive de soltar uma gargalhada. Era incrível como Beth recebia influências e opiniões de todas as partes. Assim como era incrível o poder de observação que ela tinha. Criança era mesmo como uma esponja.

“Beth, posso te dar um abraço?” – não resisti em perguntar.

Ela me encarou e franziu a testa. Então fez cara de quem estava pensando muito sério a respeito até se endireitar na cadeira.

“Acho que sim.”

Acenei e meu coração acelerou. Levantei-me da cadeira e a abracei com cuidado e ternura. Era muito bom ter a minha filha nos meus braços. Uma sensação tão boa que me fez realmente pensar que aquele era o melhor natal de todos. Fechei os olhos ao aspirar o suave perfume de xampu dos cabelos de Beth. Tudo tão bom. Então a libertei quando ela se movimentava para se separar.

“Obrigada” – disse com sinceridade.

“De nada” – ela voltou a sentar-se diante do teclado e voltou a brincar com as teclas.

“Você quer comer uma sobremesa? Ou ir para a sala comigo. Todo mundo está na sala.”

“Não... daqui a pouco eu chamo Santy para jogar alguma coisa comigo. Só queria ficar um pouco aqui.”

“Tudo bem.”

Levantei-me e deixei Beth um pouco sozinha como era desejo da própria. Respirei fundo, limpei uma lágrima de emoção e um sorriso natural passou a estampar o meu rosto. Eu tinha uma filha a caminho e a outra começou a me aceitar. Aquele era o melhor natal da minha vida.














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