Agosto de 2018

47 2 0
                                    


02 de agosto de 2018

(Quinn)

O espaço era arrumadinho. Tratava-se de uma sala com uma parede de espelhos, barras, no canto havia um armário e ao lado deste armário tinha um aparelho de som e colchonetes de ginástica para fazer aquecimento, abdominais e alongamento. Fora a sala grande de treinamento havia vestiário masculino e feminino, um escritório bem pequeno e uma recepção que não era grande coisa. Não era diferente das escolas de balé que freqüentei quando criança ainda em Cincinnati e depois em Lima. O material humano era o diferencial, em toda essa história. Pelo menos era o que esperava para o bem de Brittany.

Ali estavam eu, Rachel e Kurt na inauguração da academia de dança que Brittany e mais duas amigas montaram. Uma delas era coreógrafa respeitada em escolas de dança de Los Angeles e foi por meio dela que a universidade de Rutherford contatou para que ela ministrasse aulas especiais em Nova Jersey. A outra moça era uma dançarina com formação clássica. Por último havia Brittany, que foi convidada para compor o projeto por ser muito talentosa apesar de não ter formação acadêmica em dança. Acho que contou o fato de ela ter sido instrutora na academia de dança mantida pelo ex, o pai de Robert. Pelo pouco que vi, naquele meio, ter sido dançarina de Beyonce e Miley Cyrus não era razão para se orgulhar num currículo.

Éramos os únicos convidados amigos de Brittany na festa de inauguração. Era a nossa obrigação aparecer não importa o sacrifício. Kurt saiu mais cedo da redação da revista, Rachel compareceu a um evento de caridade e veio direto para cá. Eu ainda estava com o cabelo preso e camiseta depois de um dia inteiro filmando uma propaganda na Bad Things de uma conta pequena e local. Confesso que estava ficando frustrada na produtora. Gostei muito de dirigir a fotografia da série. Foi um senhor aprendizagem. Até mesmo o vídeo institucional na GM foi uma experiência interessante. Gostava de filmar os vídeos clipes ocasionais que me era designado, mas ultimamente o que sobrava para mim eram as propagandas para televisão e web. Isso me frustrava. Ganhava bem: 60 mil dólares ao ano, e tinha de levar isso em consideração.

O problema era que queria cinema. Cinemão! A produtora estava com filmagens de um longa de ficção e de um curta-documentário em curso. Só que esses produtos aparentemente não eram para mim, eu, uma mera contratada. Às vezes pensava seriamente em arrumar um agente para mim. Sindicalizada eu era há muitos anos. Até que tinha um bom currículo na praça. Seria perfeito se pudesse conciliar o trabalho free lancer com a Bad Things. Mas era improvável. Também não podia me dar ao luxo de aceitar o salário piso do sindicado de 990 dólares por produto num mercado estrangulado. Então tinha de agüentar o mundo publicitário, a pressa típica, chefes estressados e diretores com todo tipo de humor.

“Não é maravilhoso?” – Brittany veio com a garrafa de champagne para nos servir um pouco mais. Rachel recusou, provocando um franzir na testa da nossa amiga – “Não quer mais, Rach?”

“Estou como motorista. Não seria prudente” – minha mulher explicou – “Mas aceitaria água.”

“Eu não tenho esse problema” – estendi o meu copo descartável. Nem me incomodei por haver número insuficiente de taças de vidro para as bebidas. O que importava era a bebida. Em especial num dia particularmente cansativo.

“Quando vai começar a dar aulas, Britt?” – Kurt perguntou.

“Semana que vem. Vou dar aulas para as pessoas da comunidade. Jill disse que já tenho 20 alunos.”

“Mesmo?”

“Estou nervosa. São mais pessoas do que costumava ensinar em Los Angeles. E são mais velhas, pelo que Jill contou.”

“Jill é quem organiza a papelada?” – Rachel perguntou.

“É sim. Eu ensino a comunidade. Sheila ensina os universitários e Jill ensina balé e organiza os papéis. Ela é a mais esperta.”

“Se um dia precisar de ajuda com a burocracia, não hesite em perguntar, Britt. Eu não sei muito sobre negócios, mas Santana tem uma equipe muito boa à disposição. E tem no nosso advogado, o Sr. White. Ele pode ajudá-la caso necessário. É só gritar.”

“Queria que San estivesse aqui” – Brittany disse com melancolia que me dava pena, mas não comovia Rachel.

“Santana está em Londres com Johnny” – minha mulher ressaltou Johnny.

Percebi que Brittany ignorou Rachel. Esperta ela em não entrar no jogo. Minha mulher ainda via com maus olhos a presença de Brittany. Eu não a culpava, mas também penso que tudo que aconteceu foi de inteira responsabilidade de Santana. Ela ignorou os avisos e caiu na tentação. Pagou o preço. Também não pensava que tudo era um jogo para ver quem ficava com Santana no final. Brittany parecia estar refazendo a vida e tinha total direito, seja em Los Angeles ou em Nova Jersey ou no buraco que ela quisesse ficar. Não tínhamos nada com isso.

“Seria bom se San pudesse estar aqui. Acho que ela gostaria do espaço.”

“Obrigado pela consideração, Britt” – Kurt fingiu reclamação – “Nós fizemos todo esforço para vir aqui te ver e você só pensa em Santana? Estou indignado. Oficialmente.”

“Ah, eu também te adoro, Kurty” – Brittany o abraçou e quase que ele derruba a bebida no processo.

“Então...” – Rachel interrompeu – “Quando vai trazer Robert?”

“No fim do mês, se tudo der certo” – Brittany explicou – “É o tempo de eu comprar uma cama para ele e arrumar uma escola. Será a primeira vez dele no pré-Kindergarden. Não é emocionante?”

“Muito” – Rachel sorriu e foi o primeiro legítimo da noite. Agora era sempre assim toda vez em que crianças eram mencionadas.

“Vai morar só?” – Kurt perguntou.

“Não. Nós três dividimos o aluguel de uma casa. Conseguimos uma um pouco afastada daqui, mas dá para vir trabalhar de bicicleta. De qualquer forma, Jill tem um carro.”

Brittany ligou para nós quando mudou-se no mês passado, mas disse que não precisava de ajuda porque tinha as amigas. Estranho Rachel ou mesmo ela própria não terem comentado com Kurt. Não é estranho da minha parte porque apesar de ele ser um amigo antigo, nunca fui próxima, nem mesmo do período em que morei na casa dos Jones. Além disso, ele era da mesma família de Finn Hudson e desconfiava que pela vontade de Kurt, Rachel estaria casada com o tal irmão e não comigo. Paciência para ele.

“Ficou sabendo?” – Kurt jogou no ar.

“O quê?” – Brittany perguntou e eu também fiquei curiosa.

“Parece que o senhor Schue quer reunir a velha turma do coral neste ano. Finn vai ajudá-lo a encontrar o endereço de cada um para mandar os convites.”

“Quando?” – perguntei e estranhei uma manifestação quase nula de Rachel. Será que ela sabia e não comentou nada comigo? Não que isso fosse sério, claro.

“Parece que vai ser em novembro no feriado de ação de graças. Vai ser época de regionais e ouvi dizer que ele vai passar o bastão para Tina no comando do coral e comemorar cinco anos do bicampeonato nacional” – Kurt explicou.

“Tina?” – aquilo me parecia improvável. Tina? A ex-gótiga?

“Ela se graduou em pedagogia, ao que parece, e agora trabalha em McKinley como orientadora educacional. Enfim, vocês vão se o encontro de confirmar?”

“Não sei” – Rachel não parecia interessada – “Vai depender de como vou fechar as datas da minha pequena turnê.”

“Você vai sair em turnê?” – Brittany arregalou os olhos – “Num show com dançarinas e tudo mais?”

“Longe disso. Josh e Tony estão me ajudando a fechar uma turnê de um mês e umas dez apresentações para setembro e outubro. Eu vou viajar com um funcionário da Nina, além de Tony, Dana e Johnny e um rodie. Show econômico em lugares pequenos com capacidade de até duas mil pessoas.”

“Você deveria fazer um em Lima” – Brittany sugeriu – “É a nossa cidade natal.”

Depende do ponto de vista. Minha cidade natal é Cincinnati e Rachel nasceu em Cleveland, apesar de ter se mudado para Lima com menos de um ano de idade. Kurt nasceu em Lima, assim como Brittany. A família da minha mãe é de Lima e proximidades. Verdade que temos muitas ligações naquela cidade. Minha mãe ainda mora lá e parte da minha família do lado Penn. Os tios de Rachel moram lá. Apesar disso, não vejo qual o dever de Rachel fazer um show em Lima. Posso estar errada, mas não sinto tal necessidade. Não posso responder por minha mulher.

“Pode ser uma oportunidade. Mas preciso ver a disposição de Tony e Dana. Não quero arrumar outros músicos para fazer show por agora. É trabalhoso demais. A gente já vai abrir o festival Jazz’n’Pop promovido pela Weiz Co e eu só posso me comprometer numa turnê até meados de outubro. Também tenho alguns projetos a desenvolver. Josh está negociando uma participação em dois episódios num drama da CBS e tem essa audição que vou fazer em Los Angeles para o próximo Star Wars que eles vão gravar parte dele na Austrália e na Nova Zelândia e também nos estúdios em Vancouver. Então não sei dizer como vai ficar a minha vida até o final desse ano.”

Brittany acenou. Ela não parecia ter gostado da resposta levemente indiferente de Rachel. Não que fosse tão indiferente assim. Rachel estava numa nóia de que precisava trabalhar o máximo possível antes de engravidar e essa idéia fixa dela me apavorava cada vez mais. Não era raro eu encontrar na minha caixa de mensagens links sobre novidades de técnicas de fertilização e concepção in vitro. Tinha até uma sobre fusão óvulo-óvulo que estava sendo discutida na Alemanha. Era assustador.

“Nem parece que é uma vida de estrela” – Brittany sorriu sem jeito.

“Está enganada. Estrelas trabalham um dobrado” – Rachel concluiu. Nesse ponto, ela não estava errada.

Não havia muito mais que fazer ali na inauguração da academia a não ser beber e conversar. Nos despedimos de Brittany antes das dez da noite. Trocamos um abraço apertado. Desejava com toda sinceridade sucesso ao novo empreendimento. Rachel, Kurt e eu fizemos uma viagem silenciosa até Manhattan. Deixamos Kurt próximo a uma estação de táxis em que ele poderia pagar uma viagem mais barata até a casa dele enquanto continuamos nosso caminho.

Chegamos em casa fazendo nossos rituais de sempre: pendurar acessórios no armário da entrada, tirar sapatos, colocar nossos chinelos. Rachel estava estranhamente calada e eu levemente bêbada. Não estava muito certa se ela gostaria de conversar ou se eu teria condições plenas de entender. Ainda assim, me arrisquei.

“Tem alguma coisa te aborrecendo?” – perguntei quando entramos em nosso quarto. Em nosso novo hábito de casadas em terceira via morando conosco, já não precisávamos fechar portas atrás de nós.

“Não necessariamente.”

“O que foi?”

“Nada de mais.”

“Mas há alguma coisa. Aconteceu alguma coisa hoje no evento que você foi?”

“Carlos Parsons estava lá.”

“Aquele fofoqueiro da Broadway?” – Rachel acenou – “O que tem ele?”

“Ele insinuou que alguns dos fofoqueiros de Hollywood suspeitam que eu tenho um relacionamento gay fixo. Que eu deveria tomar cuidado se não quiser virar tópico do Blind Gossip.”

“Então... novo beard.”

“E dessa vez não vai dar para ser com Mike. Ia ficar estranho demais.”

Abracei Rachel, por mais que estivesse de pilequinho e odiasse tal situação, ia mostrar o meu apoio a ela. Sei que Rachel também não gostava dessa história, mas tinha de dançar de acordo com o ritmo se quisesse manter uma carreira. Era um saco. Era uma merda ter de conviver com esses problemas. Pena que tudo que poderia fazer era apoiá-la e ajudá-la, mesmo que eu também estivesse cheia de questões e indagações em minha mente.


Saga Familia - UnificadaOnde histórias criam vida. Descubra agora