Fevereiro de 2019

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02 de fevereiro de 2019

(Rachel)

Apertei o interfone do belo edifício em que Luis Segal morava no Brooklin. Ele tinha me telefonado mais cedo perguntando se eu poderia ajudá-lo na organização da pequena festinha que ele daria em algumas horas para mostrar os episódios da webserie que ele produziu e protagonizou para ser transmitida com exclusividade pelo Yahoo. As coisas deviam estar bem a julgar os telefonemas entusiasmados que Santiago dava a Quinn a respeito do trabalho dele como diretor de arte. Era o primeiro trabalho comercial que ele desempenhava nessa função. Quinn viria para cá mais tarde, após o expediente. Minha esposa estava engajada em dirigir a fotografia de um dos pilotos ordenados pela ABC de uma nova série de comédia ambientada num subúrbio a ser gravada nos estúdios de Nova Rochelle. Ela descreveu a idéia como sendo uma nova versão da série Anos Incríveis, só que passando nos tempos atuais. Quinn não estava tão animada assim. Acho que ela queria ser escalada para dirigir a fotografia do piloto da série de drama com locação na Georgia.

“Rachel!” – Luis abriu a porta e me deu um abraço apertado – “Que bom que você chegou. Entre, entre.”

“Que animação” – brinquei com ele.

“Estou na expectativa.”

“Sobre a série, não é?”

“E da minha produtora sair do papel, finalmente. Eu e o Taylor estamos tocando as coisas com o apoio do Dave.”

Presumi que o Taylor que ele se referia era o Herriman, que inclusive dirigiu um episódio de Slings and Arrows no ano passado. Não fazia idéia de quem era o tal Dave.

“Dave...”

“Dave Gross!”

Ele se referia a um produtor que era amigo próximo do George Clooney. Era um time de respeito.

“Fico feliz, Luis. Mas o que vocês vão fazer com Santiago?”

“Santiago é contratado por projeto, assim como todos os outros vão ser. Eu, inclusive, gostaria de um dia poder fazer um projeto tão sensacional a ponto da Quinn largar a Bad Things para voltar ser free lancer. O trabalho dela é muito bom.”

“Tem aquele projeto dela e de Santiago que nunca vai para frente. Se ele saísse, tenho certeza que ela largaria a Bad Things.”

“Quem sabe?” – Luis piscou para mim.

“Então... o que preciso fazer?”

Ele me olhou sem jeito e mostrou um monte de sacolas em cima da bancada da cozinha. Tirando as bebidas, estava ainda tudo por fazer. A sorte dele era que eu gostava de fazer comidinhas rápidas. Deleguei algumas tarefas e nós dois trabalhamos rápido na organização da tal festinha.

“Você comentou um tempo atrás sobre ter um novo beard...” – Luis tentou dizer casualmente, mas algo me dizia que ele planejava me perguntar a respeito e à sério.

“Não deu certo. O cara era um cretino e queria transar comigo.”

“Oh!” – ele franziu a testa – “Isso significa que você ainda precisaria de um beard, certo?”

“Onde você quer chegar, Luis?” – parei para prestar atenção no que ele tinha a dizer.

“Preciso de um romance promocional” – ele disse em tom sério.

“Não vai me dizer que você...”

“Eu não sou gay, Rach. Sabe disso.”

“Então?”

“Estou formalizando o negócio da produtora, é um lance muito sério e tenho de cuidar melhor da minha imagem. As pessoas da indústria sabem que sou sério nos negócios. O problema é como o público me vê.”

“Um desregrado” – apenas afirmei algo que era dito nas redes sociais. Luis não se firmava com mulher alguma e as poucas que vieram a público eram pessoas de fama vulgar. Sub-celebridades, para poder definir melhor.

“É. Isso. Então eu preciso aparecer num relacionamento sério com alguém séria. Você é séria, Rachel. É uma atriz que está sempre trabalhando, é vista com bons olhos pela indústria, mas que também precisa de um beard para esconder o seu casamento com a Quinn. O que proponho é a gente fingir um namoro ao longo deste ano. Vai ser bom para mim, para você e até para a última temporada de Slings and Arrows. A gente mora na mesma cidade, aparecer juntos não será problema. Podemos programar uma ou duas viagens ao Hawaii ou a algum paraíso mexicano para posar para os fotógrafos. Na frente das câmeras a gente aparece de mãos dadas, trocas alguns beijos ocasionais, chama alguns paparazzis para nos fotografar em teatros ou algo assim, ao passo que nos bastidores eu continuarei a apreciar as minhas putas e você vai continuar no seu casamento feliz com a Quinn. E com um plus de que vamos deixar um monte de garotinhas felizes porque a gente vai estar juntos.”

Ele se referia à comunidade que existia na internet chamada “Luchel”, que rivalizava com a “Rochel”, que era a comunidade que torcia para que eu e Rom ficássemos juntos. Tinha uma menor que torcia por mim e a Amanda. Estranhamente, não houve comunidade que torcesse por mim e Mike. Era perturbador o que um triangulo amoroso de uma série de TV poderia mexer com a mente das pessoas que tinham dificuldade em separar o ator do personagem.

“Precisaríamos assinar contratos ou algo assim?”

“Acho que comunicar nossos agentes e empresários estaria de bom tamanho. Não vejo a necessidade de burocratizar um acordo entre amigos. Você acha que precisa? Por mim, a gente monta mais ou menos uma rotina e um roteiro dos principais eventos que devemos ir juntos com a ajuda dos nossos agentes e pronto. A gente tenta estabelecer um acordo inicial de uns três meses para ver se dá certo. Se for legal, a gente pode ficar neste esquema até o fim do ano.”

“Mas e se você se apaixonar loucamente no processo por uma atriz do momento de Hollywood que vai render mais publicidade que eu?”

“Como eu disse: não é um acordo burocratizado. A gente pode romper isso a qualquer momento caso seja preciso ou for da nossa vontade.”

“Acho que a gente pode tentar, mas antes de conversar com Josh, preciso falar com Quinn antes” – disse ainda incerta. A experiência com Mike não foi muito boa porque a gente mal aparecia juntos. Mas com Luis talvez possa ser melhor pelo fato de trabalharmos juntos. E o fato de morarmos na mesma cidade ajuda um bocado.

“Tudo bem, não precisa ser uma decisão imediata. Para ser sincero, eu achava que você ia me chamar de imbecil e sair daqui tão logo eu fizesse a proposta.”

“Não sou tão dramática assim” – sorri.

“Não mesmo... você é uma grande amiga, Rachel Berry. Sabe disso?”

“Mesmo?” – dei um soquinho no braço dele.

“Mesmo.”

Depois de tudo pronto, os convidados de Luis começaram a aparecer, inclusive Santiago e Quinn. Era interessante estar num ambiente informal desses com outros atores, produtores e pessoas que trabalhavam com a parte técnica do processo. A webserie produzida por Luis envolveu 32 profissionais ao todo. Essas pessoas produziram seis episódios de 10 minutos cada de uma história fechada gravada inteiramente dentro de um edifício no Queens em que cinco personagens acordavam dentro de um edifício sem saída. Cada episódio mostrava pistas de como eles foram parar lá e a razão. O roteiro e idéia original eram de Taylor Herriman. Luis protagonizou, dirigiu e produziu, Santiago fez a decoração de set e direção de arte e um sujeito chamado Martin Francis fez a fotografia. Não sei de onde Luis o conheceu. Nem mesmo Quinn o conhecia.

Era um produto genial. Não sei se o público iria aprovar, mas o produto era tão bom que não foi surpresa alguma a Yahoo ter comprado os direitos. Comecei a imaginar Quinn integrando uma equipe como aquela formada por pessoas mais ou menos da mesma faixa etária que tinham condições de desenvolver boas idéias em meios alternativos à mídia convencional. Acreditava que o lugar dela, profissionalmente falando, era ao lado de pessoas como aquela. Reconheço que os profissionais por trás da Bad Things eram muito competentes, ou não seriam capazes de montar uma produtora que se transformava a passos largos num império em Nova York. Era a maior da metrópole. O problema era que eu achava que Quinn não tinha liberdade suficiente. Santiago reconheceu isso primeiro e foi embora. Quem estava mais satisfeito naquele instante? Era ele, e não a minha esposa. Por outro lado, ela tinha estabilidade e comodidade dentro da Bad Things. Bem mais do que se atuasse como free lancer.

A festa pós-exibição continuava em alta quando eu decidi ir embora. Quinn também precisava ir cedo para a Bad Things.

“Gostou?” – perguntei a Quinn enquanto ela dirigia de volta para casa.

“Muito bom. A série é boa e o trabalho do Tiago ficou ótimo. Impressionante como a Bad Things não reconheceu isso.”

“É mesmo” – minha língua coçou para eu instigar mais sobre a própria condição dela lá dentro, mas achei por bem deixar para outra ocasião. Havia outro assunto mais importante a se discutir – “Luis me fez uma proposta.”

“Trabalhar na próxima produção dele?”

“Não, ele quer ser meu beard.”

“Não brinca? Ele é gay?”

“Nem todo mundo que embarca em romance promocional é gay, Quinn. Não é isso. Ele precisa passar uma imagem de homem comprometido para o público e eu ainda preciso de um beard. O que você acha?”

“Você conhece o Luis faz alguns bons anos. Ele nunca deu nos problemas como o Rom e é um sujeito com talento real” – revirei os olhos. Era impressionante como Quinn ainda guardava birra contra Rom mesmo depois de tanto tempo. Mesmo depois de ter casado comigo.

“Então? Você se oporia?”

“Contanto que as mãos dele fiquem nos lugares apropriados... acho que sim. Não é que goste dessa situação, você sabe bem disso, mas já que é necessário...”

“Obrigada” – beijei o rosto de Quinn.

Assim que chegássemos em casa, eu a deixaria muito feliz por ser compreensiva.



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