Novembro de 2019

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14 de novembro de 2019

(Rachel)

Encontrei a minha irmã acompanhada de Johnny no corredor do hospital. Naturalmente ela revirou os olhos. Passei direto por ela e cumprimentei Johnny com um beijo no rosto. Ele abriu um sorriso cúmplice e segurou minha mão indicando para que eu sentasse ao lado dele. Santana continuou muda e emburrada. Como se eu tivesse medo das caras feias.

“Legal que está aqui, Rach, mas não precisava. Sério” – Johnny continuou segurando a minha mão.

“Ela tinha nada que estar aqui” – Santana esbravejou.

“Sei que não, mas não posso evitar” – respondi a Johnny – “Você sabe, a minha irmã vai fazer um cirurgia para retirar a vesícula. Sei que isso não é grande coisa, que é quase como ter apendicite, mas ainda assim eu quero estar presente para ouvir as explicações.”

“Você se mete demais” – Santana continuou com os braços cruzados do jeito nervosinho que era característico – “Eu não me meto na sua vida como você se mete na minha.”

“Eu não me meto na sua vida. Só estou aqui porque Johnny não estará contigo na cirurgia por isso é válido que eu esteja ciente de todos os procedimentos.”

“Pergunta pro meu pai então! Ele já tirou umas três mil vesículas. Aliás, você não tinha que estar em Los Angeles ou algo assim?”

“Eu voltei de lá ontem!”

“Você não tem mulher pra cuidar não?”

“Quinn está em Nova Rochelle trabalhando.”

“Então vai discutir a coleção de inverno com Lady Hummel!”

“Deixa de ser turrona. Eu vou ouvir as explicações do médico e acabou.”

“Johnny, me ajuda!”

“Rachel tem um ponto” – ele falou com a calma habitual – “Eu vou viajar por três semanas e a única pessoa em que confio para cuidar de você além de mim, é ela. Bom, e seus pais, mas eles estão em outro estado.”

Há anos que Santana sobre com o estômago frágil e a gastrite nervosa. Mas no início do mês foi descoberto num exame de rotina ordenado pelo gastroenterologista que ela estava com pedras na vesícula. A ecografia do abdômen não é um pedido comum nesta especialidade, mas o médico teve a intuição e pediu para fazer o exame. Não deu outra. Sim, a minha irmã continuava a ter estômago frágil que reagia ao mau humor e ao estresse. O que não se sabia até pouco tempo é que essas dores e o incômodo eram potencializadas pelo problema na vesícula.

Meu pai, quando soube, a mandou entrar em contato com um especialista conhecido em Nova York e que era de confiança dele. Os exames pré-operatórios estavam todos em mãos e o que nós três fazíamos ali era aguardar o médico chamar para verificar tudo e marcar a cirurgia. Meu pai tinha falado por alto o que iria acontecer. O órgão seria retirado numa cirurgia basicamente feita com laser e que requeria não mais que 24 horas de internação. A recuperação é que era a parte delicada. Santana teria de ter alguém para ficar com ela pelo menos por uma semana e era por isso que estava ali: Johnny estava engajado num projeto com um documentarista e um jornalista sobre o estrago que a expansão desordenada de Las Vegas fazia sobre uma represa. Ao passo que no norte de Nova York havia uma política forte de preservação da área e era isso que garantia o abastecimento da metrópole. Era um trabalho conveniado com o Huffington Post em que Johnny foi convidado por causa dos dois ótimos livros de pesquisa que ele fez sobre Manhattan e sobre o Brooklin. Era um desafio para ele pesquisar e escrever em novas plataformas, dialogar com novas áreas. Infelizmente coincidiu de a cirurgia de Santana precisar ser feita após o feriado de ação de graças, justo quando Johnny viajaria para Las Vegas à trabalho.

Para ser justo com ele, Johnny cogitou desistir do projeto, mas Santana não deixou. Concordo com a minha irmã: Johnny tinha de ir. Isso queria dizer que ela teria de passar uma semana comigo na minha casa para se recuperar. Era uma idéia que ela odiava. Some o fato de eu ter esquecido o aniversário do Johnny porque estava na Alemanha para fazer a minha segunda tentativa com os embriões que lá ficaram, para em seguida gravar minha participação na série da CBS em Los Angeles. Passei essas últimas semanas falando pouco com minha família, em aviões, longe de casa, longe da minha esposa. Estava cansada, ansiosa e com medo de tudo ter dado errado outra vez e eu ter de ser submetida a um novo tratamento junto com Quinn. Agora tinha mais essa e eu não conseguia deixar de ficar preocupada com Santana, por mais que minha irmã tivesse zangada comigo ou com tudo e todos.

“Santana Berry-Lopez” – o médico chamou e sorriu educadamente ao cumprimentar nós três.

Os exames da minha irmã estavam normais, tirando o exame de sangue que mostrou que a taxa de colesterol estava no limite do aceitável. Mais essa para eu vigiar. No mais, a cirurgia estava marcada para o dia 25 de novembro. Até lá, ela teria de ser submetida a uma dieta especial, que continuaria no pós-operatório. Ah, o inferno.

“Eu não vou para a sua casa e ponto” – ela disse emburrada na saída do hospital. Conhecendo bem a minha irmã, o mau-humor significava medo, receio, e um cuidado que ela odiava ter de passar. Como na vez que ficou impedida de treinar com as cheerios por um mês por causa da apendicite aos 15 anos e dos meses que ela passou de muleta quando rompeu os ligamentos do tornozelo na despedida de solteira da nossa mãe.

“Tudo bem, Johnny não vai estar aí mesmo. Tenho certeza que o resto da sua cama poderá me caber e até mesmo Quinn se ela decidir dormir comigo na sua casa.”

E veio o grito de horror que me fez sorrir.

“Obrigado, Rach” – Johnnny me deu um abraço apertado antes de os dois irem embora – “Obrigado por tudo.”

“De nada Johnny Boy.”

Fui para casa com mais uma responsabilidade. A primeira coisa que fiz foi colocar a data da cirurgia no calendário. Sei que provavelmente meus pais virão para passar o dia de ação de graças conosco e ficarão até quando Santana operar. Não é certeza, mas é o que normalmente fariam.

Conferi minha agenda e fiz uma recapitulação de tudo que fiz. Havia um filme que poderia fazer e uma peça na Broadway se quisesse. Não estava com ânimo para pensar em trabalho ou em projetos. O meu projeto maior poderia estar desenvolvendo dentro do meu ventre naquele instante. Ou não. Não tinha coragem para verificar ainda. Acho que fiquei com trauma de teste de farmácia e nesse sentido eu era simpática à birra da minha irmã em relação à médicos e hospitais. Médicos que não fossem meu pai, quer dizer. Peguei meu tablet, calibrei a intensidade da luz para poder ler um pouco. Enquanto passava preguiçosamente as páginas no meu aparelho, a porta da frente se abriu e, dali da sala, tive uma visão privilegiada da minha esposa entrando em casa.

Estava frio e era sempre interessante o ritual metódico que ela fazia ao se despir dos casacos pesados. Abria o armário, colocava a bolsa lá dentro, limpava o sapato, tirava o casaco maior, pendurava sempre em alguns dos cabides vermelhos (havia outros pretos), ajeitava o cabelo, ficava em dúvida se tirava ou não a bota (desta vez optou por tirar a bota), e finalmente sorriu para mim.

“Oi amor” – veio em minha direção com um sorriso lindo e me deu um leve beijo nos lábios.

“Veio mais cedo do que o esperado.”

“O diretor mandou todo mundo ir para casa antes que a tempestade nos ilhasse em Nova Rochelle” – ela sentou-se ao meu lado – “Como foi o dia?”

“Mais ou menos. Santana está surtada por causa da cirurgia e adivinha em quem ela desconta o mau-humor?”

“Se não fosse assim, não seria Santana.”

“Talvez.”

“Então? Não fez mais nada além de escutar desaforo da sua irmã?”

Sabia o que Quinn implicava com a pergunta supostamente despretensiosa. Ela queria saber se fiz o teste. Minha esposa não queria comentar e não queria colocar pressão em mim, mas eu sabia que ela também estava ansiosa.

“Fiz mais nada. Mas me conte como foi o seu dia.”

Quinn me deu mais um beijo nos lábios e fez um carinho no meu rosto. Então relaxou.

“Sabe como é peça publicitária: a gente precisa lidar com atores amadores, crianças hiperativas e mães histéricas. É uma zona, Rach. Um pesadelo. Mil vezes enfrentar chilique de ator profissional porque ao menos você sabe que ele vai entregar o serviço.”

“Presumo que tudo deu certo.”

“Agora o problema está no pessoal da edição” – Quinn me puxou para que eu me escorasse contra o corpo dela – “Está com fome?”

“Não muita. Você está?”

“Um pouco” – um pouco de Quinn queria dizer que ela estava.

“Posso fazer uma comidinha para nós.”

“Eu te ajudo. Eu posso tomar um pouco de vinho e você um suco de uva enquanto esperamos a tempestade chegar.”

“Por que eu tenho de ficar com suco de uva?”

“Por garantia.”

“Mas seu vou tomar suco de uva por garantia, por que você não se comporta como uma esposa compreensiva e faz o mesmo?”

“Alguém tem que consumir o vinho dessa casa para ele não virar vinagre!”

“Quinn...”

“Ok, você venceu. Eu bebo suco de uva contigo.”

Sorri e nos beijamos mais uma vez antes de eu saltar do sofá puxando Quinn comigo. De todos os meus problemas e temores, ao menos estava despreocupada com um: meu casamento voltou a andar nos trilhos.

...

28 de novembro de 2019

(Santana)

Rachel devia estar feliz. Estava a dois dias internada na casa dela à base de caldinho de verdura com o tempero mais sem-graça possível. Meus pais estiveram conosco no feriado de ação de graças aqui em Nova York, mas não foi uma visita tão harmônica assim. Pelo menos, não para mim. Papi estava disposto a me dar um sermão a cada meia hora sobre como a minha vida estressante era um mal para a saúde, que ele aprendeu isso da pior forma possível e etc, etc, etc. Minha mãe não só concordava como reforçava o sermão de um jeito mais bitch. A única coisa legal da visita deles foi poder brincar com Beth. Nós duas jogávamos vídeo-game e conversávamos sobre os seriados da Disney que eu nunca vi na vida, mas fingia que sim, porque era tudo a mesma coisa. De resto, estava de saco cheio. Até mesmo de Johnny, que passou a véspera da viagem inteira agoniado em me deixar sozinha. Antes eu estivesse só.

Ao menos a cirurgia foi um sucesso. Tão logo eu saí do hospital, meus pais foram embora para Ohio e eu fiquei apenas com Rachel para me torrar a paciência. O bom de Quinn é que ela passava longe do quarto e só parava uma ou duas vezes por dia para dizer “oi”.

“Bom dia, Santy” – Rachel entrou no quarto segurando a bandeja de café da manhã. Olhei a comida e desanimei. Suco aguado e melão fatiado, além do copinho plástico com o remédio da manhã.

Fiquei sem vontade de sair da cama. Como se não bastasse o terrível incômodo abdominal que dizem ser normal, mas que eu não vejo dessa maneira, ainda tinha de enfrentar mais um dia de café da manhã insosso.

“Rach, estou indo trabalhar” – ouvi Quinn gritar de algum lugar da casa.

“Ok, amor” – ela gritou quase ao pé do meu ouvido. Acho que as duas já deveriam ter se despedido ou algo assim. Talvez já tivesse tomado café juntas. Talvez tivessem tomado café de verdade e não suco aguado – “Como amanheceu?” – Rachel me entregou os remédios da manhã. Maldito estômago bichado. Aqueles remédios serviam para o pós-operatório ao mesmo tempo em que detonavam meu estômago. A dor nunca passava.

“Por favor...” – quase chorei quando ela ficou plantada na minha frente esperando eu tomar aquelas malditas bolinhas – “Eu não agüento mais...” – me encolhi na cama. Não queria me fazer de criança birrenta. É que eu não suportava mais a dieta regrada, as dores abdominais, os remédios e o meu ex-quarto que eu imaginava nunca mais precisar depois que passei a ter a minha própria casa.

“Está pálida Santy” – Rachel encostou a mão na minha testa e no pescoço para ver se estava com febre.

“Isso te surpreende?” – reclamei.

“Toma o remédio e um pouco do suco que eu te ajudo a se levantar, ok? Você precisa caminhar um pouco pela casa, ir ao banheiro e tudo mais.”

Não tinha outra saída a não ser engolir aquelas bolinhas que detonavam meu estômago e tomar o suco aguado. Rachel sentou-se ao meu lado na cama e me olhava de um jeito engraçado, como se estivesse admirada com algo excepcional. Não fazia idéia do que se passava naquela cabeça louca e não tinha certeza se queria.

“Você está tão pálida” – ela comentou.

“É mesmo? Você não parece estar melhor.”

Foi quando Rachel levou a mão à boca e correu para o banheiro. Eu não acompanhei de imediato, e nem conseguiria, mas fui prudente o suficiente para colocar o copo na bandeja e tirar as cobertas em cima de mim para me levantar. Andei curvada até a porta do meu ex-banheiro e ainda vi minha irmã ajoelhada ao lado do meu ex-sanitário. Ela deu descarga e sentou-se no chão ainda meio atordoada. Rachel sempre ficava com cara de cão perdido quando adoecia.

“Acho que foi alguma coisa que comi no café.”

“Bom, isso pode ser castigo divino por me servir a comida mais sem-graça do planeta, por me forçar ficar aqui na sua casa até a volta do Johnny ou... quando foi mesmo que você voltou da Alemanha?”

“Final do mês passado.”

“E você não deveria ter feito exame de gravidez ou coisa assim?”

“Ainda não fiz, ok” – ela disse meio agressiva.

“Por que não?”

Rachel não respondeu. Eu era irmã dela, e gêmea ainda por cima. Havia coisas que conseguia entender instintivamente sobre ela. Então entendi que depois do primeiro fracasso, ela devia estar morrendo de medo de saber e ter uma nova decepção. Particularmente eu não entendia a razão de tanta pressa para engravidar quando ela e Quinn tinham uma vida de casadas suficientemente conturbada em especial por causa da distância. Agora ela queria enfiar uma criança no meio? Para mim era uma insanidade, mas também não seria eu a trancá-la num quartinho para impedi-la de fazer essas burradas, muito embora desconfiasse que ela não teria o menor problema em me trancar num quarto, me algemar ou algo assim caso desse na telha. Rachel tinha atitudes malucas por vezes.

“Você deveria mijar no palitinho, Ray. Ou melhor: ir ao médico fazer o exame de sangue.”

“Não quero. Não agora.”

“Bom, você acabou de enjoar do nada. Isso é um bom indicativo, não acha? Ou vai esperar a barriga crescer para ter certeza? Ou vai que a sua barriga vai começar a crescer por causa de um mioma ou uma hérnia?”

“Santana!”

“É sério.”

“Eu li a respeito uma vez. Pode ser psicológico e eu andei esses dias muito preocupada contigo e com a sua cirurgia. Deve ser só um sintoma de estresse.”

“Ray... e se não for isso? E se for o que estou pensando?”

“Eu não sei se quero saber agora?”

“Imagine se você tivesse feito sexo inseguro com alguém suspeito e tivesse de fazer exame de sangue para saber se não pegou alguns DST que poderia transmitir para Quinn. Você arriscaria contaminá-la ou preferia saber para até poder se tratar?”

“Mas que alusão é essa?” – Rachel ficou ofendida – “Como se eu saísse dando por aí.”

“É só uma situação hipotética. É melhor sofrer por saber do que sofrer pela dúvida. Então acho que você deveria mijar no palitinho agora.”

“Você promete ficar comigo?”

“Para onde eu iria se eu não consigo sequer andar com as costas retas?”

Rachel se levantou do chão e eu aproveitei para escovar meus dentes e fazer minhas necessidades. Voltei para a cama e deitei-me. O esforço me deixou um pouco cansada e tonta. Acreditava que a tontura era por estar fraca devido a dieta regrada. Olhei para os pedaços de melão intocados coloquei um na boca. A pasta de dente deixava as coisas com gostos diferentes. Não era da minha preferência. Rachel reapareceu no quarto com quatro pacotes de teste de gravidez. Momento bom para revirar os olhos.

“Quatro caixas?” – estava incrédula.

“É para ter certeza.”

“Vai fazer tudo de uma vez ou um por vez?”

“Um por vez?”

“Ah não, mija logo nos quatro.”

“Mas...”

“Seja pragmática, Ray.”

“Ok.”

Eu a ajudei a abrir as caixas. Minha irmã pegou os quatro palitos e foi para o meu ex-banheiro. Por que tinha de ser ali, justo quando eu teria de usá-lo pelo resto da semana? Por que ela não faz no dela. Não demorou um minuto e ela retornou sem os palitos. Tirou a bandeja do meu café da manhã e jogou-se ao meu lado. O balançar da cama me causou certo desconforto.

“E agora?” – ela perguntou.

“É esperar, certo?”

“Essa é a pior parte.”

“Você já ouviu a história de quando Shelby mostrou o palitinho para os nossos pais?”

“Não?”

“Diz a lenda que ela sorriu para eles e disse que eles deviam 25 mil dólares para ela.”

“Que horror!”

“Foram mais 25 mil quando o médico descobriu que éramos duas.”

“Que horror, Santana!”

“É verdade.”

“Essa história é para me fazer ter raiva da nossa mãe?”

“Não, é só para passar o tempo, embora seja um caso verídico e você deveria saber a respeito.”

“Quem te contou? Meu pai?”

“Não, foi bubbee.”

“Bubbee não é fã da nossa mãe.”

“É verdade, mas isso não faz dela uma mentirosa.”

“Dá para falar de coisas mais amenas?”

“Como fofocas da empresa?”

“Não, por favor.”

“A gente falar daquele episódio horrível que passou ontem na TV da série que você vai participar.”

“Que eu já participei, melhor dizendo. Vai ser o primeiro episódio depois do hiato de inverno, e é uma boa história.”

“Talvez, mas isso não muda o fato do episódio ter sido horrível. Sério, os caras pegaram todos os clichês de filmes de suspense e condensaram numa miscelânea sem pé nem cabeça.”

“É um episódio experimental.”

“O que é ruim hoje é chamado de experimental. Sei... sabia que há um garoto no Youtube que ensina a fazer um filme poético experimental?”

“Mesmo?”

“É verdade. Você pega imagens de um varal, de folhas secas, grava uma sombra de uma pessoa, depois num carro em movimento, aumenta a velocidade de umas cenas, diminui de outras e coloca a trilha sonora tocada de trás para frente. Pronto! É um vídeo poético experimental que é igualzinho a todos os vídeos poéticos experimentais que Quinn nos forçou a ver na sessão de vídeos naquele dia.”

“Oh, deus. Nem me lembre. Eu queria morrer só em ver aquelas porcarias.”

“O pior foi ouvir a discussão entre Quinn e Johnny a respeito.”

“Amo minha esposa, mas às vezes ela tem essas chatices intelectuais que dá medo.”

“Nem me fale. Johnny também tem os momentos dele. Em especial quando ele está atacado de ser justiceiro socialista e me acusa de ser a capitalista cruel e desumana.”

“Mesmo?”

“A capitalista cruel e desumana aqui está nem aí para isso. É até engraçado.”

“É por essas e outras que vocês dois dão certo.”

“É verdade. Isso e algumas coisinhas que a gente curte de fazer na cama também.”

“Santy!”

“Casamento também é isso.”

“Coisas que eu não preciso saber.”

“Assim como eu não precisava saber que Quinn usa uma cinta peniana?”

“Eu não vou discutir isso contigo.”

“Por mim tudo bem” – encarei a minha irmã – “Acho que já passou o tempo.”

“Eu não quero ir lá olhar.”

“Você vai me fazer levantar?”

“Você precisa se movimentar mesmo.”

“Agora você diz!”

“Por favor, Santy.”

Minha irmã me encarou com olhos pedintes. Às vezes me pegava admirada com a nossa proximidade. Apesar de nossas vidas terem mudado tanto, de passarmos um bom tempo sem nos ver, nada disso parece fazer com que a gente pare de dividir momentos ímpares de nossas vidas. Talvez fosse mesmo verdade. Talvez estivéssemos ligadas a um cordão umbilical invisível inquebrável. Aproximei-me de Rachel e dei um selinho nos lábios dela antes de sair da cama. Andei meio curvada e devagar até o banheiro e conferi os palitos colocados cuidadosamente um ao lado do outro na pia. Deixei eles no mesmo lugar e voltei para o quarto. Deitei novamente e fiquei cara a cara com a minha irmã.

“Como é essa história mesmo de eu ter de ser madrinha de todos os seus filhos e você ser madrinha de todos os meus?”

“Não só madrinha, mas eu farei você assinar um papel que te dá a guarda das crianças caso aconteça algo comigo e com Quinn.”

“Oh, é mesmo...” – fiquei pensativa – “Acho que teremos de pedir para que o doutor White providencie mais essa papelada” – abri um sorriso maroto – “A primeira da leva vai aparecer daqui a uns oito meses, acho. Eu também preciso planejar estratégias de como estragá-la enquanto vocês tentam educá-la.”

Rachel abriu um sorriso do tamanho do mundo e me abraçou. Primeiro forte, mas aliviou quando eu soltei um gemido de dor.

“Eu estou grávida, Santy. Estou grávida da sua primeira sobrinha e afilhada!”

“De acordo com os palitos, está bem grávida” – era uma notícia boa demais para cinismos. Sim, eu estava feliz por Rachel e por Quinn. Elas mereciam essa pequena alegria.

Quando Rachel me soltou, limpou os olhos marejados e me deu um selinho nos lábios antes de se levantar da cama, me fazendo gemer de dor mais uma vez.

“Quem você prefere de babá? Kurt ou Brittany?” – Rachel me perguntou.

“Rachel... Se você quer comemorar com Quinn, apenas faça, ok? Eu prometo que vou ficar aqui quietinha esperando ansiosamente pelo momento em que estarei liberada para atravessar a porta da frente do apartamento e poder voltar para a minha própria casa. Coisa que espero que aconteça nos próximos dois dias no máximo. E não preciso de babá. Odeio os remédios, mas vou tomá-los sem você precisar controlar tudo.”

“Eu vou deixar o seu almoço pronto e vou sair para encontrar Quinn. Santy, por favor, nem tente trapacear. Você não pode comer qualquer coisa nessa semana de pós-operatório.”

“Infelizmente eu sei. Agora dá o fora daqui, ok?”

“Espere.”

“O quê?”

“Eu não vou poder beijar a Quinn como eu gostaria num lugar público.”

“Verdade.”

“Então porque eu contaria isso num restaurante?”

“Então faça um jantar especial ou algo assim. Eu posso ir para casa. Sério! Eu consigo me virar sozinha.”

“Não, não, não, Santy. Você não está em condições. Essa semana é de repouso, ordens médicas. E ainda está pálida. Eu não vou te deixar só.”

“Faça o seu jantar especial e deixe as coisas aqui no quarto que eu me viro. Tenho a televisão, livros, o meu celular para saber como estão as coisas na empresa. Vou ficar bem. Você pode se esquecer de mim nesta noite. Aliás, eu agradeceria imensamente se você se esquecesse de mim nesta noite.”

Rachel saiu do quarto, só para voltar no segundo seguinte e entrar direto no banheiro. Ela pegou todos os palitos e saiu pulando feito uma maluca. Eu queria gargalhar, mas rir ainda doía por dentro.

...

(Quinn)

Confesso que estava ansiosa. Estala louca para que Rachel fizesse o teste de gravidez de uma vez por todas para tirar essas incertezas. Serei mãe de novo? Não seria? Aliás, eu estou mais para pai, uma vez que não serei eu a gerar. Será essa a ansiedade que os pais sentem? Some tudo isso com o incômodo chamado Santana Berry-Lopez. Tudo bem que não é uma situação que minha cunhada pediu e eu concordo com Rachel quanto a Santana não poder ficar só nessa recuperação da cirurgia. Os meus sogros já fizeram a parte deles (mais ou menos) em passar o feriado aqui, assim como ficar para a cirurgia até Santana ter alta do hospital. E a boa notícia disso tudo foi que Beth não me hostilizou pela primeira vez em séculos. Ela também não resolveu ser a minha amiga, mas só o fato de não me responder com grosseria ou fazer careta de nojo toda vez que eu a tocava foi um grande progresso. Foi um ótimo progresso e a razão do meu bom humor durante toda essa passagem.

“Fabray” – Terry me gritou assim que entrou no meu espaço de trabalho.

“Você não precisa me gritar. Estou bem aqui.”

“Preciso conversar contigo agora na minha sala.”

Mesmo eu sendo diretora de fotografia Junior da Bad Things, Terry, como coordenador de toda essa área, continuava a ser o meu superior. Na ordem hierárquica da empresa, falando do meu setor, claro, o topo da cadeia era os três sócios. Abaixo deles havia algumas ramificações e Terry vinha logo abaixo na área de fotografia e gripagem. Eu vinha abaixo de Terry e ainda numa posição inferior a Sean Blake, que era o diretor sênior. Eu coordenava a fotografia dos projetos em que atuava. Mas Terry era quem distribuía o pessoal em todos os projetos. Era um trabalho de coordenação respeitável, invejável e exemplar. Era a pessoa dentro da produtora que eu mais admirava e gostava.

Caminhei despreocupada até a sala de Terry, que era mais uma saletinha que dava privacidade no meio daquela selva de gente trabalhando o tempo inteiro. No início, as minhas pernas tremiam com o jeito que Terry me chamava, até entender que aquele era o jeitão dele.

“Sente-se Quinn.”

Obedeci e esperei ele me dizer qual a próxima campanha publicitária eu deveria entrar agora que não havia projetos de filmes à vista. Pelo menos não que tenha chegado as bocas e ouvidos do pessoal, e a série de TV já estava com equipe estabelecida.

“Saiu a lista dos pré-selecionados de Sundance.”

“Sério?” – fiquei em alerta – “Você imprimiu a lista?”

“Você está dentro, Fabray. Parabéns!”

“Terry, isso é magnífico. O filme ficou pronto em cima da hora e eu fiz a inscrição horas antes de ela ser finalizada. Que bom que passou. Roger Benz estava certo quando disse que tinha contato com algumas pessoas da seleção e daria um jeito de fazer o filme ser visto pó eles. Foi um sufoco e eu nem acredito que valeu à pena.”

“Fiquei impressionado que você conseguiu fazer isso sem comprometer o seu trabalho aqui na Bad Things.”

“Significa que eu passei fins de semana sem descanso, isso sim. Minha mulher reclamou um monte.”

“Quinn” – ele disse em tom mais baixo e aí comecei a ficar preocupada – “Acredite que eu estou orgulhoso com isso. Nunca escondi que sou um fã do seu talento, mas devo te alertar que a sua seleção provocou ciumeira porque o curta-metragem dirigido por Liam ficou de fora desta lista de trinta produções. Ele está lá em cima com a lista dos pré-selecionados e não ficou feliz em saber que a Bad Things está fora da amostra competitiva de curtas ao passo que uma funcionária dele foi lembrada com um trabalho independente feito em parceria com um dos caras que ele odeia” – Liam, o meu patrão, dizia coisas pouco agradáveis a respeito de Roger, o meu ex-patrão, mas que hoje é um bom amigo.

“Ele vai me demitir?”

“Não, ele vai ser profissional, mas eu te chamei aqui para te deixar em alerta. Pode ser que ele te chame para conversar sobre isso, entende. Você sabe que no nosso meio, o mesmo tanto que existe de admiração, existe de ciumeira.”

“Sei disso” – encarei Terry – “O que devo fazer?”

“Fica na sua. Liam é mais racional que Gary sobre essas coisas, ainda assim, o cara é humano, entende? Não acredito que ele vá te censurar, mas pode dizer palavras vindas de um orgulho ferido, sobretudo porque ele investiu no seu aperfeiçoamento com os cursos e tudo mais.”

“O que você faria nesse caso?”

“Eu ouviria o que ele tem a dizer e ficaria na minha aqui dentro enquanto começaria a ver um bom agente para me representar. Não falo aqui como seu superior, Quinn, mas como um amigo e admirador: com o currículo que você fez aqui dentro, tenho certeza que o mercado estará aberto para você.”

“Minha intenção era ficar aqui na produtora até o verão, mas agora...”

“Mantenha o seu plano. Por outro lado, não seria mal algum você se adiantar a certas coisas. A sua inclusão em Sundance pode significar novas possibilidades aqui dentro, ou não. Fique atenta.”

“Certo... obrigada pelo aviso, Terry.”

“De nada. E Fabray, parabéns pela pré-seleção.”

Acenei e voltei ao meu cantinho. Havia zero projetos à minha mesa naquele instante, o que não era incomum naquela época do ano, mas eu precisava ficar disponível e fazer os meus relatórios de produção. Era um trabalho burocrático chato, mas a empresa pedia esse tipo de retorno. Tentei manter a minha concentração, mas estava difícil. Sobretudo quando acessei o meu e-mail e vi a mensagem confirmando a pré-seleção do meu curta-metragem na amostra competitiva. Mês que vem sairia a lista dos quinze que iriam participar da competição e eu estava convicta de que tinha feito um bom trabalho. De Sundance, havia outros festivais em mira e eu tinha ainda um pouco do dinheiro para fazer essas inscrições. Acho que Santana, como produtora executiva secreta, iria ficar feliz em saber.

Almocei junto com alguns colegas de trabalho, mas não comentei a novidade. Era melhor deixar as notícias fluírem dentro daquele mundinho. Com certeza elas fluiriam.

Não fiquei surpresa quando Liam e Gary me chamaram para conversar no meio da tarde. Terry não estava junto, o que me deixou preocupada porque ele sempre era a voz ponderadora nessas reuniões com a chefia. Entrei no escritório bem transado do andar de cima e fui recebida por um sorriso forçado. Liam estava sentado na poltrona e Gary em cima da mesa. Liam era ponderado e Gary era um filho de uma puta que não tinha medo de ferrar alguém caso fosse necessário. Por outro lado, Liam era um diretor correto e Gary o genial que arriscava. Liam era um excelente produtor e Gary era um grande roteirista. Eu vi isso de perto quando gravei na Inglaterra. O roteiro de Gary era simplesmente perfeito que permitia riscos dentro de uma estrutura bem consolidada de cinegrafia. Era esse tempero que fazia da Bad Things a produtora número um de Nova York e uma das mais proeminentes do país.

“Sente-se, Fabray” – Gary forçou um sorriso.

“Está tudo bem?” – fiquei desconfiada.

“A gente te chamou aqui para te parabenizar pela pré-seleção em Sundance” – Liam forçou um sorriso.

“Obrigada” – disse sem entusiasmo. Havia algo por trás no elogio.

“Lembro que você comentou com Terry e Liam que estava produzindo um curta-metragem de forma independente. E fez mesmo” – Gary não era tão falso e o rosto estava mais fechado.

“Sim, eu consegui o dinheiro com o patrocínio de uma pessoa que prefere ficar anônima e convoquei amigos próximos, com quem trabalho desde a faculdade.”

“Isso inclui o Benz?”

“Roger foi a primeira pessoa que me deu uma oportunidade nessa cidade e ele é meu amigo. Ele ofereceu o estúdio dele para a montagem e edição do filme” – balancei a cabeça. Estava me sentindo culpada, acuada, e não gostava da sensação. Eu era uma Fabray, afinal – “Desculpe, Gary, sei que você e Roger não se dão bem, mas o que fiz no curta-metragem foi um trabalho próprio e independente. Eu escrevi o roteiro e dirigi. Não há nada no meu contrato aqui que me impeça a fazer projetos dessa natureza no meu tempo livre, seja com quem for. Portanto, eu não acho que deva dar satisfações.”

“Não estamos cobrando satisfações, Fabray. Foi só um comentário. Estamos aqui para te parabenizar.”

“Agradeço, só que não é a impressão que tenho agora” – cruzei meus braços – “Um elogio pelos corredores da produtora seria de ótimo tamanho, se a intenção é essa.”

“Certamente. Fabray, você está satisfeita com o seu trabalho aqui dentro?” – Liam perguntou cauteloso.

“Você pergunta isso porque eu fiz um curta-metragem com os meus amigos?”

“Não. É só uma pergunta.”

“Eu gosto de trabalhar aqui. Nem sempre estou satisfeita, mas o meu crescimento como profissional aqui dentro é inegável.”

“Fico feliz em saber” – Gary saiu de cima da mesa e começou a circular pela sala. Terry bem que alertou: dava para sentir a ciumeira no ar.

“Fabray, a Bad Things vai passar por algumas reformulações estruturais para otimizar o andamento dos nossos projetos e enxugar o corpo de funcionários. Coisas que serão colocadas em prática a partir de janeiro. Agora vamos trabalhar com uma equipe fixa na publicidade ao passo que os demais contratos serão por projeto. Por isso, queremos saber se você tem interesse em compor a equipe fixa para cuidar dos produtos dos nossos clientes e contas não apenas no cargo de diretora de fotografia dos comerciais, como também como fotógrafa de catálogos e produções para mídia móvel e internet. O que acha?” – Liam disse calmamente e eu estava para surtar. Fiquei muda. Não acreditava naquilo – “Acompanhamos o seu trabalho e estamos muito satisfeitos com o seu desempenho na publicidade. Com essa nova posição, podemos te dar um aumento para que você fique nessa área em tempo integral. Como sabe, o trabalho é quase sempre feito nos estúdios daqui do prédio e alguns apenas que são realizados em locações ou em Nova Rochelle.”

“Eu não teria mais a possibilidade de atuar nas séries ou nos filmes?”

“Usaremos contratos temporários nesses projetos para as funções que ocupa.”

“Então quando estiverem interessados em me ter nessas produções, me procurem. Mas eu não quero ficar fixa na publicidade. Não é o meu perfil e eu só realizo o trabalho publicitário porque faz parte das minhas obrigações aqui dentro. Mas a verdade é que esse tipo de produto não me realiza como profissional. Se vocês não quiserem me demitir neste momento, então considere isso como o meu aviso prévio.”

“Você tem certeza?” – Gary perguntou cinicamente.

“Absoluta.”

“Isso é uma pena, Fabray. Por tudo que prestou nesta companhia, respeitaremos o aviso prévio. Avisaremos o RH e eles devem te chamar para oficializar o pedido de aviso prévio ainda hoje.”

“Obrigada.”

O que eu acabei de fazer? Eu pedi demissão do meu emprego relativamente estável. Droga, Fabray! Droga! Tive um momento de pânico quando saí daquela sala. Eu me coloquei de aviso prévio sem sequer piscar o olho. Meu emprego. Pensei ainda em voltar e reconsiderar, mas, em vez disso, corri até a saleta de Terry.

“Você tinha razão. Eles me chamaram para conversar. Você sabia que a empresa vai ser reformulada e que eles iriam me afundar na equipe de publicidade?”

Terry me olhou com um sorriso triste e me ofereceu um copo de água da garrafinha que ele mantinha no frigobar da saleta. Pediu para eu me sentar.

“Eu sabia da reformulação, mas não cabia a mim dizer.”

“Como não? Você poderia me preparar para o baque.”

Terry acenou e me mostrou um papel assinado por ele. Franzi a testa e decidir ler o que se tratava. Foi uma surpresa. Aquela era uma carta de demissão escrita e assinada por Terry. Olhei para ele com dúvidas.

“Lembra quando eu te disse para procurar um agente? Para adiantar os planos em relação a empresa? Não era ético eu cuspir tudo que sabia porque era algo que não cabia a mim, mas bem que eu tentei te preparar. Eu sei que você odeia a publicidade...”

“Porque você está se demitindo?”

“A Bad Things perdeu o espírito desbravador do início. A burocracia venceu, Fabray. Os três caciques continuam sendo gênios do negócio, mas essa vida não é mais para mim.”

“E o que você vai fazer agora?”

“Conhece Buck Morranis?”

“Só de nome.”

“Ele me chamou para trabalhar num projeto de coordenação na NBC e eu estou de mudança para lá” – Terry pegou alguns cartões, selecionou quatro como se fossem cartas de baralho e me entregou – “São pessoas que conheço da televisão que tenho certeza que receberiam um profissional como você de braços abertos. É só dizer que é um indicação minha e eles vão te chamar para conversar. Sei que é TV e o seu lance é cinema, mas é melhor do que fazer propaganda, certo?”

Acenei e guardei os cartões.

“Obrigada.”

Terry me deu um abraço apertado e um beijo no meu rosto. Era a nossa despedida ali dentro da Bad Things. Voltei para o meu espaço e comecei a me despedir dele. Ao fim do próximo mês, já não estaria mais ali. Não comentei sobre a minha eminente saída com mais ninguém. Não estava com cabeça para tal. Não demorou mais meia hora e o RH me chamou pelo telefone interno para que eu assinasse o meu pedido de demissão com aviso prévio. Confesso que não assinei o documento com satisfação. Estava deprimida. Para baixo. Apesar de tudo, gostava da Bad Things, do ambiente, das pessoas.

Esperei terminar o expediente e fui direto para casa. Abri a porta de casa, coloquei minha bolsa e pasta no armário, o meu casaco pesado e tirei minhas botas. Foi quando percebi algo diferente. Havia uma música suave pela casa e a mesa estava posta para duas pessoas. Ouvi barulhos que vinham do quarto. Dei uma olhada em direção no de hóspedes que Santana ocupava momentaneamente. Ela estava ao telefone aparentemente falando com Johnny. Acenou para mim e pediu para fechar a porta. Fiz a gentileza.

“Oi Quinn” – Rachel veio do quarto e me recebeu com um beijo gostoso. Era o que estava precisando – “Como foi o dia?”

“Difícil” – suspirei – “Rach” – precisava criar coragem – “Eu meio que pedi demissão da Bad Things.”

“O quê?” – ela me puxou para o nosso quarto – “Como?”

“Eles queriam me colocar exclusivamente na publicidade e eu não aceitei. Então me coloquei a disposição para cumprir aviso prévio, já que eles vão fazer um passaralho no final do ano.”

“Oh!”

“Por outro lado, o meu curta foi pré-selecionado para a mostra competitiva de Sundance.”

Rachel deu um pequeno sorriso e acariciou o meu rosto. Voltou a me beijar.

“Essa é uma notícia boa” – acenei – “Por que você não tira essa roupa para a gente poder jantar? Daí a gente conversa e podemos resolver certas coisas.”

Tomei uma chuveirada de 10 minutos. Não queria atrasar os planos de jantar da minha mulher, uma vez que vi uma mesa toda bonitinha e só para duas pessoas. Só não estava disposta a colocar roupas bonitas. Optei pelo conforto. Penteei meus cabelos e suspirei no quanto estavam grandes. Estava em tempo de cortá-los e retocar um pouco a cor. Hidratação também seria uma boa pedida.

Ajudei Rachel a colocar a mesa. Ela fez quatro bifes de filé ao molho madeira. Era um dos meus pratos favoritos. Rachel era uma vegetariana que sabia preparar pratos com carne. Por vezes o tempero ficava sem sal porque ela não experimentava, mas era algo fácil de corrigir.

“A comida está linda. Qual é a ocasião?”

“Você verá” – ela disse cantarolando – “Agora vamos nos sentar e comer.”

Ela me serviu um pouco de vinho, mas não colocou para ela. Colocou dois bifes no meu prato, o molho e a salada. Esperei ela se servir da salada e dos legumes refogados para começar a comer. Vi o guardanapo de tecido todo dobradinho ao lado do meu prato e o peguei para colocá-lo no meu colo. Para a minha surpresa, havia quatro palitos de teste de gravidez de farmácia. Olhei atentamente para cada um deles. Todos indicavam positivo. Então eu encarei a minha Rachel com lágrimas no rosto.

“Tem certeza?”

“Marquei para fazer o exame de sangue amanhã, mas o fato é que eu me sinto diferente, não menstruei até agora e tive o meu primeiro enjôo hoje de manhã. Além disso... os palitos deram positivo.”

Deixei e a comida esfriar no prato. Fui até Rachel, segurei seu rosto e a beijei com o máximo de ternura. Era a melhor notícia do dia. Então me ajoelhei e beijei o ventre. Senti os braços dela me envolvendo e sabia que ela estava emocionada. Era nossa filha que estava a caminho. Eu que passei relutante à idéia por tanto tempo, agora que estava acontecendo, simplesmente se tornou a coisa mais importante da minha vida. Eu senti o amor naquele momento. O mais puro amor. Juro que senti. E não havia nada no mundo mais reconfortante e revigorante.














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