Setembro de 2018

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08 de setembro de 2018

(Johnny)

Foi insistência da minha princesa. Ela queria aproveitar que Mike estava na área para reunir “a família de Lima” para uma rodada de poker, videogame e conversas afins numa tarde de sábado no apartamento dela. Até aí nada de mais. Mike era meu camarada, assim como Quinn. Rachel era a minha irmãzinha, minha cunhadinha. E tinha o garoto Kurt que achava mais estranho do que todos os caras gays que conheci por aí. Ou talvez os gays do mundo underground nova iorquino fossem espécies bizarras demais para servirem de referência. Como vou saber?

Apesar de que achava que todo mundo tinha um pouco de bizarrice em certo nível. Eu, por exemplo: na minha época mais escura, o pessoal me chamava de pot head espacial. Pot head era justo porque eu fumava a erva todo santo dia, além de beber. O espacial era porque tinha mania de falar sobre astronomia na época. Acho que era isso sim. Eu nunca quis ser astronauta, sabe? Sempre fui um lixo em matérias exatas, diferente da minha princesa que faz contas de cabeça. Astronautas são caras espertos, bons em matemática e que eram submetidos a um treinamento rigoroso. Essas coisas não se aplicavam a um cara que gostava de escrever poesias. Mas achava um barato esse lance de astronomia.

Lembro que estava numa de David Bowie na minha adolescência. Ele tinha aquele personagem, o Ziggy Stardurst, que era um alien bissexual que veio parar entre os terráqueos. As músicas dessa fase eram fabulosas, mas havia uma que ele fez de um momento anterior, Space Oddity, que era a minha música. Ela falava do major Tom que estava perdido no espaço. Só que a história por trás dessa música era que Bowie namorava uma garota chamada Hermione. Foi o primeiro grande amor da vida dele, saca? Ela o deixou e ele fez a música. Space Oddity é sobre o abandono do amor.

Então eu coloquei Space Oddity para tocar na primeira vez que iria testar o telescópio que meu pai havia me dado de presente. Um baratinho de 75mm, mas que era suficiente para ver os anéis de Saturno. Naquela noite, eu chorei de emoção por causa de algo simples como isso: ver os anéis de saturno pela primeira vez ao som de Space Oddity. Meu irmão me chamou de gay e espalhou a história para quem quisesse ouvir.

Fiquei com tanta raiva e vergonha que larguei a astronomia de lado. Era um moleque de 13 anos e era sensível a esses julgamentos. Voltei a falar a respeito anos depois quando a minha mãe cometeu suicídio dias depois da última visita que fiz a ela. Falava de astronomia, de Carl Sagan, das constelações enquanto bebia e fumava maconha com qualquer um que estivesse ao meu lado. Fiz sexo sem proteção um monte de vezes nessa época, em lugares mais estranhos, e é um milagre eu não ter pego uma DST ou feito um filho. Acho que era por isso que me tornei o pot head espacial. Era um bizarro doidão que falava na pobreza do espírito humano. Nem eu me entendia.

Foi nessa época de loucura que conheci outros sujeitos bizarros como eu. Tony Carrs, por exemplo. Hoje ele é um produtor e instrumentista genial que é casado com Dana e tem uma boa vida no subúrbio de Nova Jersey. Mas quando eu o conheci, ele parecia um morador de rua, tinha um cabelo que não via água há um bom tempo e cheirava pó com outros músicos nos bares do Village. O meu patrão no estúdio de tatuagens, Grant Thompson, era um motoqueiro simpático aos neo-nazistas que gostava de espancar gays. Menos um: Frank. Era um negão careca muito alto que se vestia como drag. Ele era traficante que sabia brigar como ninguém e vivia armado. Ninguém mexia com Frank, nem mesmo um troglodita nazista de merda como Grant. Frank vendia a erva para mim. Nem sabia que aquela drag era o fornecedor do Grant, que conheci depois quando arrumei um trampo de rodie para a banda de uma menina que ele namorava na época.

Grant foi com a minha cara e mandou que eu cheirasse cocaína com ele de um monte enorme. Fui parar no hospital por causa de uma overdose. Foi a primeira e última vez que cheirei. Grant sentiu tão culpado que passou a me arrumar trampos quando eu pedia. E tinha a Zoe. Ela era uma garota linda com um monte de tatuagens pelo corpo. Acho que ela foi uma Rachel que deu muito errado: veio à Nova York para buscar um lugar ao sol, virou garçonete, de garçonete virou stripper e depois virou uma prostituta que cantava músicas tristes num bar do Bronx. Eu me envolvi com ela. Para mim, era de graça.

Tudo isso aconteceu antes de eu conhecer Santana, Rachel, Quinn e Mike numa lavanderia do Harlem que ficava a um quarteirão da quitinete que alugava na época. Quando conheci essa que seria a minha verdadeira família, ainda estava em processo de recuperação do meu período louco. Se naquela época me dissessem que um grupo de adolescentes perdidos que caíram de pára-quedas em Nova York seriam fundamentais para a minha recuperação, eu não acreditaria. Acho que o meu desejo de cuidar e proteger os recém-chegados fez com que eu quisesse me ajudar também. A força de vontade deles foi inspirador para mim. Era coisa do destino. Por essas e outras que não acredito em casualidades.

Logo de cara, achei Mike um sujeito bacana, Rachel uma gracinha e Santana uma baita gostosa. Quinn era linda, perfeita, mas a vibe dela era completamente gay. A gente aprende a desenvolver um radar quando se passa muito tempo na noite entre tipos estranhos. Não demorou meia hora para saber que Rachel era namorada de Quinn. Demorou um mês para que eu me apegasse a eles o suficiente para querer protegê-los das armadilhas de Nova York. Demorou alguns meses para passar a preferir eles o que a velha turma. Um ano depois já os considerava a minha família.

Ironicamente, a primeira vez que senti que Santana era a pessoa mais especial do grupo foi quando Brittany veio visitá-los pela primeira vez. Por Santana, fui naquele show imbecil da Miley Cyrus. Naquela época, Santana já era a minha favorita entre os quatro. Eu a achava divertida, até mesmo nos momentos de grosseria que ela metralhava por aí. Estava na maior farra com Mike e Santana. Era divertida a história do reencontro com a velha namorada e eu queria testemunhar aquilo. Então eu a vi beijando Brittany. Para qualquer cara, ver duas garotas lindas de beijando é coisa para deixar o pau duro. Mas não foi assim. Senti algo estranho que nunca tinha acontecido antes. Demorei um tempo para entender que era ciúme. Demorei mais outro tanto para aceitar que eu amava Santana pela mulher que era. E mais ainda para me permitir me aproximar e ficar com ela.

Foi um tormento vê-la com Andrew e também todas as vezes que ela se reunia com Brittany de algum modo. Mas quando ela finalmente ficou comigo, foi mágico. Foi a coisa mais incrível que senti na minha vida. Foi como se eu tivesse finalmente achado o meu lugar no universo.

Romper com ela foi tão doloroso quanto arrancar a pele do corpo. Ficar fora da vida dela por quase um ano foi quase insuportável. Voltar foi um ato de engolir todo o meu orgulho para me permitir ser feliz mais uma vez. Para nós sermos felizes. Juntos. Éramos uma equipe: eu e ela. E a gente chutaria o traseiro do mundo juntos.

“Johnny Boy” – ela disse assim que atendi o celular. Adorava quando ela me chamava assim ou de . Foi o apelido que ganhei dela e que só ela usava. Bom, às vezes Rachel também me chamava de Johnny Boy, mas ela podia: era minha cunhadinha.

“Fala, princesa.”

“Onde você está?”

“No metrô a caminho da sua casa.”

“Será que dá tempo de você comprar algumas frutas?”

“Frutas?” – Santana às vezes vinha com cada uma.

“É frutas. Rachel com certeza vai vasculhar meus armários na cozinha e a minha geladeira. Se ela encontrar algumas frutas, não vai me encher tanto o saco” – senti vontade de gargalhar no meio do vagão cheio do metrô.

“Vou ver o que posso fazer, princesa.”

Saltei duas estações depois da casa dela porque era onde tinha um mercadinho razoável. Comprei ameixas, bananas e algumas maçãs porque eram frutas que Santana gostava e ela não desperdiçaria. Num ponto Rachel tinha razão sobre a irmã dela: Santana não se alimentava melhor por pura preguiça, porque ela gostava de uma comidinha diferente e saudável, de comer banana com cereal e leite no café da manhã. Mas não. Quando não tomava café na própria casa, geralmente quando eu dormia com ela, San aparecia justo na casa de Rachel para filar a bóia. Morria de rir porque em seguida costumava receber uma ligação de Quinn se queixando de alguma coisa que a minha San teria feito.

Quando cheguei na casa da minha princesa, Rachel atendeu. Ela olhou para as minhas sacolas com frutas e depois olhou para a irmã dela. Cheguei alguns minutos atrasado pelo visto.

“Oi Rach” – abri um sorriso.

“Guarde o seu charme para depois, Johnny” – ela tomou as sacolas de mim e virou-se para Santana – “Não pense você que não vou arrumar um jeito de te monitorar enquanto estiver fora na turnê com o seu namorado, diga-se de passagem.”

“Você fala da Quinn?” – Santana se levantou e apontou para Quinn no caminho em minha direção – “Ela é capaz de comprar cianeto e colocar no meu chá.”

“Como se você tomasse chá!” – Quinn rebateu.

“Oi amor!” – ela disse com a voz levemente melosa e enlaçou meu pescoço. Segurei-a para um beijo. Um bem convidativo e gostoso. Minha garota era mesmo tudo de bom.

“Oi” – sorri feito um idiota. Mas não conseguia evitar.

“Santana!” – Rachel gritou da cozinha e Santana imediatamente revirou os olhos – “Que atrocidade é essa que está diante dos meus olhos?”

Era nessas horas que eu imitava Quinn: ficava no meu canto e não me atrevia a me meter nas pequenas brigas intrépidas gêmeas Berry-Lopez. O que se seguiu foi um bando de xingamento em espanhol que nem me atrevia em querer entender. Fazia um tempo que eu não escutava San falar em espanhol.

“Ei Quinn” – sentei-me ao lado dela no sofá – “Mike falou contigo?”

“Só quando chegou à cidade. Parece que ontem ele esteve numa festa.”

“Parece preocupada.”

“Você sabia que seis meses que Mike não arruma trabalho? Nadinha. Parece que a fonte secou e ele está vivendo do que economizou ao longo do tempo. Vive aparecendo nessas festinhas de sub-celebridade em Los Angeles e Las Vegas.”

“Não sabia. A gente raramente se fala nesses tempos.”

Era verdade. Não por descuido, acho. Sempre existe um afastamento natural e Mike se mudou para Los Angeles há alguns anos. Não sei precisar, mas me parece um longo tempo. A última vez que o vi foi no show de lançamento do disco da Rachel em que ele apareceu e a gente se cumprimentou rapidamente nos bastidores. Mal trocamos três frases. Ele pouco falou com San também. Quinn e Rachel eram quem mantinham contato mais próximo e eu sabia de notícias sobre Mike mais por elas do que pelo próprio. Era uma pena, mas acontecia.

“Rachel vai tentar arrumar um papel para ele em Slings and Arrows, mas não comenta não, ok? Mike pode ficar constrangido.”

Acenei. Não estava em condições de ajudar de forma prática. O que diria? Que aquele trampo de entregador da livraria que arrumei para ele quando chegou na cidade estava vago? Ou que lá no estúdio de tatuagens que eu mesmo estava maluco para largar tinha vaga para alguém fazer o serviço de limpeza e higienização dos equipamentos? Não rolava. Não para alguém que chegou onde chegou. Rachel e Quinn eram as melhores pessoas para o serviço. Ouvi o interfone, que foi atendido por uma das gêmeas.

“Deve ser Mike” – arrisquei.

“Deve ser Kurt” – Quinn arriscou.

Rachel foi atender a porta com jeito de poucos amigos. Era Brittany.

Fiquei paralisado. Brittany estava ali e eu não esperava de forma alguma ficar sob o mesmo teto que ela tão cedo. Eu sabia que ela estava em Nova Jersey com um estúdio de dança com amigas, eu sabia que San e ela tinham se visto e se falado pelo menos uma vez desde que ela se mudou. Só que eu não estava preparado para revê-la.

A última vez em que troquei uma palavra com Brittany foi quando terminei com Santana após ela ter confessado que dormiu com Brittany na vez em que veio a Nova York fazer algumas audições ou coisa assim. Depois de terminar tudo, fui até o salão de festas do casamento de Mercedes e Julio, olhei bem nos olhos dela e disse: você venceu.

Naquele dia, voltei para o quarto do hotel, peguei minha mala, deixei paga as diárias e fui embora. Tomei um chá de aeroporto, mas consegui trocar as minhas passagens de volta a Nova York. E chorei de raiva, de tristeza, de tudo. A primeira coisa que fiz quando coloquei os pés em casa foi abusar do whisky e fumar um baseado. Sim, eu ainda fumava vez ou outra um baseado. Quando publiquei os meus dois primeiros romances, durante o show do Leonard Cohen, quando terminei de escrever o meu terceiro livro sobre pequenos lugares e personagens do underground da cidade. O último foi em Amsterdã, junto com Santana. Fumamos um pouco e tomamos uma cerveja. Nada mais. A diferença era que todas essas ocasiões foram celebrações. Eu podia ficar dias, semanas e até meses sem fumar. Naquele dia eu me assustei porque o fiz pela raiva, rancor, desespero.

Pensava que estava fora do caminho de Santana. Que a minha princesa finalmente poderia ficar com o amor da vida dela. Só que não era nada consolador. Só conseguia ficar com raiva de Santana e de Brittany. Principalmente de Brittany. Fiquei indignado tamanha foi a dissimulação dela naquele dia. Da cara-de-pau em que teve de me dar um abraço e desejar boa noite quando nos despedimos no bar. Isso para dali a meia hora seduzir e dormir com a minha garota. E ali estava ela, diante da porta do apartamento de Santana.

Foi como se algo muito estranho na relação tempo-espaço acontecesse. Eu a vi ser cumprimentada pelas meninas. Eu vi Santana abraçá-la por uns 15 minutos. Talvez fossem segundos, mas a mim pareceu minutos, uma eternidade. E eu ali, paralisado pela surpresa e pela raiva. Senti alguém segurando a minha mão. Estava tão transtornado que não vi que Santana estava ao meu lado, puxando meu braço para me trazer de volta a realidade.

“Johnny?” – eu a ouvi falar com cautela.

Quis gritar. Quis sacudir Santana contra a parede e dizer como ela teve coragem de convidar Brittany. Quis esbravejar pela falta de consideração. Mas em vez disso, meio sem fôlego, apenas olhei pra Brittany.

“Oi.”

“Oi, Johnny” – ela respondeu.

O nosso contato acabou por aí. Senti-me acuado naquele apartamento. Sentia como se Brittany tivesse se transformado num gigante e ocupado todos os espaços. Vi Rachel arrastando Santana para a cozinha. Aprendi com os anos que essa era a forma nada sutil que as gêmeas tinham em conversar reservadamente. Sabia que elas brigariam entre sussurros. Quinn sentou-se ao meu lado e Brittany ficou ali, olhando para o ambiente.

“Como está Robert?” – Quinn perguntou.

“Está ótimo. Jill ficou com ele nessa tarde.”

“Poderia tê-lo trazido.”

“San disse que seria uma tarde de poker e cerveja. Não sei se tarde de poker e cerveja faça bem para uma criança.”

Ao menos ela era sensata em relação aos cuidados com o filho. A conversa foi substituída por um silêncio desconfortável interrompido. A gente podia escutar os cochichos vindos da cozinha e sim, Rachel e Santana estavam brigando. É uma aposta segura dizer que a presença de Brittany também foi uma surpresa para a minha cunhadinha e para Quinn. O interfone tocou. Foi um alívio. Era Mike. Ele apareceu de óculos escuros no rosto e estava de ressaca.

“Acabei de acordar e vim para cá” – ele disse a Quinn assim que deu um beijo no rosto dela.

“Deveria maneirar, Mike. Essa publicidade de farra não faz bem à sua carreira” – Quinn advertiu.

“Eu estou sob controle, Quinn” – abriu um sorriso quando me viu – “Johnny!” – me cumprimentou – “Muito bom te ver.”

“Igualmente, cara. Anda sumido, heim. Ficou famoso e não liga mais para os amigos anônimos.”

“Você é que pensa” – ele disse num tom sério – “Sinto saudades de vocês e de Nova York todos os dias.”

“Por isso que deveria mudar de volta” – Quinn advertiu.

“Talvez, Fabray. Talvez... ei, se não é a minha parceira de dança favorita. Oi Britt!”

Não demorou muito e Kurt chegou fechando, esperava eu, os convidados. Nem tanto. Ainda apareceram Tomiko e Andrew. A gerente da Rock’n’Pano era uma figura. Era uma nerd tímida e estranha. Gostava dela e Santana também. Tinha bom caráter e coração. Não tinha problemas com Andrew por ele ser ex-namorado da minha garota. É um cara centrado e bacana, além de ser uma espécie única de geek.

A tarde de entretenimento em “família” correu bem, apesar da presença da Brittany. Ela ainda me incomodava, mas os demais me distraiam quanto a presença dela. Procurava não pirar toda vez que Santana se aproximava ou dava atenção. Tentava lembrar o tempo inteiro que as duas eram amigas de infância e que tinham toda uma história importante. Era difícil, meu deus, como era. Mas juro que tentava.

“Preciso que vocês deixem a agenda livre para o próximo sábado” – Kurt disse animado enquanto estávamos jogando as cartas.

“O que vai ter no próximo sábado?” – Santana perguntou por perguntar.

“Consegui entrar na semana competitiva do Moody Karaokê. Sábado vai ser a grande final e vocês precisam estar lá para torcer por mim.”

“Como você sabe que vai chegar à final?” – Santana indagou – “Mais duas cartas, .”

“Por causa do meu trunfo em mãos: Rachel Berry.”

“Eu?” – Rach franziu a testa.

“Na quinta-feira vai haver a noite de duetos, que é a última etapa classificatória para as finais, no sábado, e você vai me ajudar. Não é?”

“Eu não!” – Rachel disse em defensiva – “Nem vou estar aqui. Na quinta-feira eu e o Johnny vamos estar em Boston para o primeiro show da minha turnê.”

“Ah sim” – completei – “Um mês na estrada rodando de ônibus para 12 shows. Só vai faltar o Cameron Crowe escrever sobre isso.”

“Eu liguei para ele, mas ele disse que estava indisponível no momento” – Rachel entrou na brincadeira – “Tudo bem. Ele vai perder a matéria da vida dele.”

“Bom, ele é cineasta agora” – Quinn colocou a aposta dela na mesa – “O que mostra que ele é um sujeito inteligente.”

“Mas o último filme dele foi uma merda sem fim” – Andrew alfinetou – “Era melhor ele ter ficado com o Quase Famosos e voltado a ser jornalista.”

“Eu quero é distância de jornalistas” – Quinn esbravejou.

“Eu quero é ser amigo deles” – Mike discordou – “Como é que a gente vai aparecer sem eles?”

“Verdade” – Rachel concordou – “Apesar de que há jornalistas e jornalistas. É sempre tão difícil distingui-los. Os mais famosos e sérios são quase estrelas e é preciso implorar para que eles façam uma nota. Tem os que estão na indústria das celebridades que são terríveis. Eles querem ser amigos para te esfaquearem depois. Também que tem aqueles novatos muito simpáticos e solícitos que praticamente imploram por uma entrevista para fazer o currículo. Ah, e tem um último tipo que trabalha em grandes veículos que são mandados pelos editores para fazer uma matéria mesmo sem saberem absolutamente nada ao seu respeito.”

“Só sei que falar com jornalista é um saco” – San esbravejou.

“Desde quando você fala com jornalistas?” – Mike perguntou.

“Por um acaso você acha que jornalista só escrevem sobre cultura? Uma das maiores sessões dos jornais são sobre negócios. Sem falar das publicações especializadas. Vira e mexe tem gente querendo entrevista com algum diretor da Weiz. Ou com o presidente... ou com a dona.”

“Que são você e Rachel” – Quinn comentou.

“O dono geralmente é o maior acionista. No caso, individualmente, sou eu, que tenho 30% da empresa. Mas depois vem um grupo empresarial que tem 28% da Weiz. Em seguida vem Rachel e o senhor White. O resto das ações vem de uma complicada fração. Eu não teria o poder da palavra final só com o meu pedaço, mas como sou representante da Rachel lá dentro, isso me dá plenos poderes.”

“Diga obrigada, Rachel” – Rachel forçou um sorriso.

“Diga obrigada Santana você, que te poupo da dor de cabeça.”

“Enfim” – Kurt chamou atenção para si – “Se Rachel não pode fazer o dueto, quem pode?” – ele olhou para Santana e Quinn.

“Não conte comigo” – Quinn tirou o dela da reta – “E eu ainda não esqueci que você me chamou de voz nula naquela vez.”

“Nem comigo” – Santana levantou as mãos – “Nossas vozes não vão bem juntas.”

“Eu posso cantar contigo, Kurty” – Brittany se manifestou – “Eu só dou aulas pela tarde e acho que posso arrumar alguém para ficar com Robby na quinta.”

“Ok, vamos pensar nisso” – ele disse claramente sem jeito de recusar.

“Tudo bem, então você me liga. Oh! Eu tenho três ases.”

Todo mundo jogou as cartas em cima da mesa e ficou olhando Brittany rapar todas as fichas e balas das apostas. Eventualmente, ela venceu o jogo do blefe e da sorte. Ficamos sem ânimo de jogar uma segunda rodada e, com isso, Brittany levaria alegremente um saco de balas para o garoto dela. Achava legal quando uma mãe se lembrava do filho em coisas pequenas assim. Ela parecia ser dedicada e eu tinha de respeitar esse tipo de coisa, por mais que tivesse milhões de ressalvas. O pior (ou talvez, o melhor), é que depois de um pedaço de tarde, minha raiva estava mais apaziguada. Isso não queria dizer que estava tudo bem. Essa moça ainda me fazia sentir esquisito e eu não gostava dela. Não mais.

“Preciso ir” – ela disse de repente depois de jogar e ganhar uma partida de Mario Kart, o jogo favorito de San desde quando eu a conheci.

“Tão cedo?” – Santana enrugou a testa.

“Senão fica tarde para eu pegar o trem de volta e Jill precisa sair.”

“Eu te levo então.”

“Não, San. Você é a anfitriã. Eu levo Brittany” – disse de supetão e ganhei olhares surpresos de todo mundo, sem exceção. Eu me olharia estranho. Mas pense bem: eu tinha de resolver algumas coisas com ela. Colocar os pingos nos is, ter a conversa que precisava ou eu jamais conseguiria ficar em paz com essa moça. E se eu quisesse ter uma boa vida futura com a minha princesa, tinha de resolver vários termos com Brittany. Santana me puxou pelo braço para um canto.

“O que está fazendo?” – sussurrou. Vi que ela estava quase em pânico.

Olhei para San, para os outros presentes, e para Brittany. Então encarei de novo a minha namorada.

“Se eu não fizer isso, se eu não aproveitar essa chance, pode ser que eu não consiga nunca mais resolver certas coisas com ela. E eu preciso tirar essa raiva de mim.”

“Eu vou contigo.”

“Não San. Eu preciso fazer isso. Pode deixar que eu não vou fazer loucura alguma.”

“Eu ainda não acho que...”

“Por favor” – a cortei. Santana me encarou. Claramente estava em conflito.

“Tudo bem. Confio em você.”

Foi uma situação estranha em que me coloquei. Muito estranha. Despedi-me do pessoal e a impressão que tinha era que lês me olhavam como se eu estivesse prestes a cometer um crime. Até mesmo Rachel, que sempre foi uma grande apoiadora da causa me olhou como se eu tivesse perdido a cabeça.

“Johnny...” – ela me tentou dizer alguma coisa antes de eu sair, mas eu simplesmente a beijei no rosto, peguei as chaves do carro com a minha princesa e saí.

Santana nos acompanhou até à garagem, como se quisesse ter certeza que nos deixaria vivos até lá. Beijei a minha garota antes de entrar no veículo. Brittany estava tensa no banco do passageiro. Ajustei o banco e ajustei os retrovisores. Dificilmente dirigia. Santana era a motorista na maioria das vezes e mesmo quando eu pegava o carro com ela ao meu lado, recebia críticas de que dirigia como uma vovó. Sempre procurei transformar isso num elogio pela minha prudência.

Olhei para Brittany e uma última vez para Santana antes de ligar o carro e dar ré. Conseguia sentir a tensão quase insuportável dentro daquele carro. Eu tinha milhões de questionamentos a fazer, queria gritar com ela, solta coisas e me permitir liberar o meu lado mais obscuro e ruim. Mas contive tudo num trajeto silencioso e ensurdecedor ao mesmo tempo. Sempre procurei ser calmo no transito, dirigia como uma vovó, como San bem dizia. Só que na primeira fechada que levei, buzinei e gritei com o motorista como um louco. Foi quando eu senti que estava prestes a explodir. Depois de atravessar o túnel para Nova Jersey, o pneu do carro furou próximo a altura da entrada de um shopping Center. Foi oportuno porque desviei o carro para lá e pude estacionar com segurança para trocar.

“Eu sei trocar pneu” – foi a primeira coisa que ela disse diretamente para mim desde o ‘oi, Johnny’. Olhei para ela incrédulo. Achava que ela deveria me pedir desculpas em vez de informar que sabia trocar pneu. Permaneci calado e nervoso. Trazê-la não foi uma boa idéia. Onde estava com a cabeça? Abri o porta-malas e peguei o estepe – “Quer ajuda?” – ela insistiu.

“Não!” – respondi grosseiramente.

Eu nunca tinha trocado um pneu na vida. A minha sorte era de que tinha de ter acontecido justo com Brittany ao meu lado numa situação que eu pateticamente me coloquei. Só podia ser piada dos céus. Podia sentir deus rindo da minha cara. Esse velho ser tinha um senso de humor peculiar.

“Deixa eu te ajudar” – ela insistiu enquanto eu tentava afrouxar em vão as roscas da porra da roda. Estava ficando puto e frustrado.

“Eu consigo” – gritei – “Eu consigo trocar a porra de um pneu sem a sua miserável ajuda!”

Uma senhora estava próxima colocando compras no carro. Ela me encarou e me censurou. Houve um silêncio mortal. Brittany procurou alguma coisa pelo carro e encontrou uma chave diferente.

“Esse carro tem um sistema de proteção para as rodas. Antes de fazer qualquer coisa, é preciso destravar essa rosca aqui no meio com essa chave.”

Ela disse com tanta calma que eu quis rir e chorar ao mesmo tempo. Parecia que eu sempre perdia para ela. Experimentei a chave e a rosca central cedeu. Depois tentei as demais que também cederam. Ela montou o macaco para erguer o carro. Coloquei o estepe e fiz todo o procedimento de trava mais uma vez.

Quando olhei para o pneu furado ali no chão, aquilo me deu um acesso de raiva tão grande que comecei a chutá-lo. Dei uns bons chutes naquela droga até que machuquei o meu pé. Gritei de dor e sentei-me naquele asfalto. Brittany assistia tudo em choque, podia dizer, como se temesse pela própria segurança. Não sei se ela entendia que eu chutei o pneu porque na verdade eu queria era chutá-la. Mas eu nunca faria isso. Por mais raiva que tivesse dela, não encostaria a mão nela. Isso não. Limpei lágrimas dos meus olhos e me senti como o mais patético dos seres humanos.

“Johnny...” – ela disse com receio.

“Por que você sempre vence? Por quê?”

“Como?”

“Você sempre vence com Santana, com o carro dela, com a merda desde pneu. Sempre! Por quê?” – lágrimas escaparam dos meus olhos. Eu chorava de raiva, de frustração e também de vergonha.

Ela me encarou. Apesar da minha visão turva, podia dizer que ela me encarava.

“Mas eu não ganhei” – ela disse – “Eu fiz tudo para ela se afastar de você, mas eu perdi, Johnny. Não vê? Eu fui a Nova York naquela vez porque eu queria lutar por ela. Eu a seduzi na primeira boa oportunidade que tive, eu a levei para a cama e esperei ela terminar contigo. Mas San não terminou. Então na festa do casamento da Mercedes eu fiz de tudo para que vocês se confrontassem porque sabia que San se sentia culpada. Eu consegui e não consegui. Porque você terminou com ela, mas ela não ficou comigo. Ao contrário, ela preferiu ficar na fossa do que ficar comigo. Ela disse isso na minha cara via telefone. Tudo que ela mais queria era que você a perdoasse. Você pensa que perdeu Johnny. Mas no fim, ela te escolheu. Eu perdi.”

Limpei as minhas lágrimas e procurei respirar, me acalmar, colocar a cabeça no lugar, meu pensamento em ordem.

“Por que você voltou?” – minha voz saiu embaçada – “Foi por ela?”

“Não” – ela respondeu firme – “Definitivamente não foi por Santana. Foi por mim.”

“Como?”

“Preciso provar para mim mesma que sou capaz de me sustentar a ao meu filho sem a pensão do pai do Robby ou a ajuda do meu pai. Essa é a minha oportunidade.”

Acenei. Era um motivo legítimo.

“Ela te ama, sabe disso?” – ela disse olhando para baixo.

“Eu sei...” – balancei a cabeça – “Assim como sei que ela te ama.”

“É... só que não mais do mesmo jeito. A verdade é que eu sempre achei que poderia ter Santana quando bem entendesse. Isso até você aparecer.”

“Não vou pedir desculpas por isso” – soltei um riso abafado, ainda que dolorido.

“Você ganhou...”

“Não era uma competição, afinal. San não é uma competição. Ela é uma menina maravilhosa e sorte é a nossa por fazer parte do universo dela.”

“É... ainda assim, você ganhou. Ela é sua.”

“E eu sou dela. Com muito orgulho” – Brittany riu e limpou algumas lágrimas. Não entendi a razão. Fechei o cenho – “O que foi?”

“Nada. É que eu disse algo parecido a Santana há alguns anos, mas em situação diferente.”

“Como?”

“Uma vez eu estava namorando um rapaz na escola por vingança a Santana. Eu queria que ela assumisse publicamente a nossa relação na escola, mas ela entrou em pânico. Então eu namorei esse cara. E quando ela abriu o coração para mim, eu o escolhi, mas disse que no dia que terminasse com ele, seria dela, com muito orgulho.”

“Realmente... situações diferentes. Não sei dizer em que momento ela se tornou a minha prioridade. Tenho a impressão de que isso acontece desde sempre. O ano que passei sem ela, foi um saco. Foi como se tivesse faltando um pedaço que não conseguia preencher. Eu amo cada aspecto daquela garota. Do mais doce ao mais áspero. Por isso digo com todo orgulho que sou dela e sou ninguém sem ela.”

“Fico feliz por você, Johnny. Por ela ser a sua prioridade. Eu, por outro lado... Uma vez Rachel jogou na minha cara que queria me ver longe da irmã dela porque eu nunca tive a coragem de escolher Santana. Rachel tinha toda razão, sabe?”

“Isso é uma pena, Brittany.”

“Acho que a gente não era para ser. Talvez vocês dois que eram para ser desde o início e eu só ocupei o seu lugar por algum tempo.”

“Espero que esteja certa.”

“Geralmente estou” – ela sorriu e eu também. Estava escuro e por sorte não havia nenhum segurança por perto para questionar o meu acesso de raiva contra o pneu furado. Ficamos em silêncio quando ela voltou a falar – “Está ficando tarde...”

Levantei-me do chão e peguei o pneu. Guardei-o no porta-malas, assim como o resto das coisas. Entramos no carro e voltamos novamente à freeway em direção a Rutherford. Era um caminho que conhecia razoavelmente bem porque meu irmão morava em Clifton que é vizinho à região. Claro que eu evitava fazer visitas apesar de gostar muito do meu casal de sobrinhos. Não havia sentido ir a um lugar só para ser criticado o tempo inteiro e ser chamado de inútil sonhador. Eu nunca pedi um centavo ao meu irmão. Nem mesmo quando estava praticamente na sarjeta depois que minha mãe se matou e eu pirei. Não devia nada a ele. Mesmo assim, ele acha que eu devo. O quê, até hoje não descobri.

O caminho até a casa de Brittany foi silencioso, mas a tensão havia desaparecido e eu voltei a dirigir como uma vovó. Foi fundamental ter estourado na frente dela, porque se não fosse assim, jamais seria capaz de tirar o maldito ranço do meu peito. Ainda não confiava em Brittany, não me sentia confortável, mas o ódio felizmente já não estava mais lá. Eu sabia que ela sempre estaria na vida da minha princesa e, por tabela, também na minha. Então era preciso estabelecer alguns parâmetros e resolver certas questões. Esse foi só um começo.

“É aqui” – ela apontou para uma casinha branca de dois pavimentos. Parecia ser uma boa casa – “Obrigada, Johnny. Foi... interessante.”

“Desculpe por ter explodido na sua frente. Eu não sou disso.”

“Tudo bem” – ela saiu do carro – “Tchau, Johnny.”

“Brittany!” – ela deu uma meia volta e me olhou através da janela do carro – “Boa sorte com o seu novo lance da academia de dança. Realmente torço para que você tenha sucesso. Apesar de tudo, apesar do lance com Santana que nos faz ficar em cantos opostos, te acho uma pessoa bacana e te desejo mal algum.”

Ela apenas sorriu e acenou.

Foi um bom começo. Liguei para Santana, que estava preocupada. Disse mais ou menos o que aconteceu e que passaria rapidamente numa oficina para remendar o pneu. Encontrei uma aberta em Union City, que me custou mais meia hora de atraso. Quando voltei ao apartamento da minha garota, todos os outros já tinham ido embora.

“Então?” – ela levantou do sofá quando abri a porta. Estava ansiosa.

“Eu te amo, Santana Berry-Lopez. Você é a minha primeira opção, minha prioridade” – a abracei e a beijei. Precisava dizer isso a ela com urgência. Então acariciei o lindo rosto da minha princesa, que sorria.

“Eu também te amo, . Mas...”

“Brittany está bem. A gente teve uma conversa num momento inusitado e acho que resolvemos algumas questões entre nós em relação a você.”

Senti o corpo de Santana relaxar e voltamos a nos beijar.

“Fico feliz, Johnny Boy. Isso é muito importante para mim. Você não precisa ser amigo dela, eu nunca exigiria isso de você. Mas eu preciso de verdade que a aceite como parte da minha vida.”

“Eu sei disso, San. Vamos deixar essa rusga no passado, ok? Quero muito virar essa página.”

Santana acenou e voltamos a nos beijar. Dessa vez com paixão.

“Faz amor comigo?”

“Sempre.”


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