Março de 2020

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29 de março de 2020

(Santana)

Tenho de ser justa. Rachel usou muito bem o tempo dela para organizar a festa do meu casamento respeitando todas as minhas vontades e os meus “nãos”. Entrou em contato com a esposa do colega dela de teatro em Honolulu. Foi essa esposa que contratou o cerimonial, a decoração a pedido de Rachel, e o restaurante dela proveria o buffet. A música durante a cerimônia seria provida por um violão e ukulele. Como seria um casamento para poucas pessoas, contratei um DJ, em vez de uma banda. Rachel me garantiu que estava tudo na mais perfeita ordem e jurou pela minha afilhada que estava por nascer. O custeio de tudo foi um racha com papi, eu, Rachel e zaide: cada um deu um pouco de dinheiro para pagar a festa e os custos de hotel.

E para abençoar minha união com Johnny, convidei o rabi Isaac da sinagoga de Nova York que Rachel e eu passamos a fazer parte. Ele achou muito divertida a história do porque uso o kipá. Em vez de me “absorver” disse que deveria continuar com o hábito. Mas me liberou para o dia do casamento, quando eu usaria o véu tradicional. Não ando tão religiosa assim. Compareço talvez uma vez por mês na sinagoga. De qualquer forma procuro fazer minhas orações em casa.

Rachel tomou a frente de tudo, inclusive da minha despedida de solteiro. Minha vontade era extravasar em um night club já em Honolulu, como minha mãe fez. Ela bebeu todas e mais algumas, sentou no colo de todos os go-go boys, dançou e passou a mão em tudo que não deveria. E eu fiquei bêbada junto com ela. Mas tão bêbada que virei meu pé, rompi os ligamentos do tornozelo e só fui sentir no dia seguinte. Uma das vagas lembranças que tenho daquela noite era que Quinn estava miando literalmente. Ela ainda pediu a mão de Rachel em casamento numa ocasião que ninguém até hoje consegue se lembrar e diria que aquilo foi obra de ficção se não fosse pelo testemunho de Brittany. Ela foi a única pessoa sóbria na ocasião. À época estava amamentando Robby S e não podia beber.

Acontece que Rachel, como minha madrinha de casamento juntamente com Brittany e Quinn, tinha a responsabilidade de organizar a minha despedida de solteiro. Deveria saber que algo daria errado quando essas coisas ficam nas mãos da minha irmã bem grávida. Era pedir demais uma simples noitada com amigos e pessoas que amo? Não. Mas Rachel pensa diferente. A primeira coisa que ela fez foi enfiar uma passagem aérea para a Califórnia na minha cara há dois dias, mas não revelou a programação. Achei que ela fosse fazer um roteiro interessante uma vez que ela e Brittany conhecem muito bem aquela cidade. Bem mais do que eu, que me não tenho muitos assuntos a tratar com a Weiz ou com a Rock’n’Pano ali, muito embora eu pense em fazer uma linha especial californiana para entrar no mercado. Então Los Angeles é meramente turística para mim.

Imaginei que ela combinasse com os amigos artistas alguma festa badalada. Quem sabe um Zac Efron pudesse comparecer para eu dançar agarrada ao pescoço dele. Com todo respeito ao meu Johnny Boy, claro, mas o caso é que eu estava na minha despedida de solteira enquanto ele cumpriria um roteiro clichê em lãs Vegas ao lado de Mike, Tony Carrs e Quinn. O que custaria uma festa para eu beber, dançar e passar o maior vexame?

Custava fazer a coisa clichê? Custava?

No entanto, Rachel foi até ao quarto de hóspedes (que em breve se transformaria no quarto da minha sobrinha) me acordou e preparou um café da manhã reforçado. Não quis dizer para onde iríamos. Só que fazia parte da minha despedida de solteira. Quando dei por mim estávamos estacionando o carro na Disneylandia. E, por fim, Rachel colocou orelhas do Mikey na minha cabeça e tirou uma foto. Eu que queria beber nem que fosse em Atlantic City, estava na Califórnia no parque da Disney.

“Relaxa San” – Brittany me sacudiu – “Olha para todas as montanhas russas que estão esperando por nós. São as suas favoritas.”

“Eu sei Britt, mas numa despedida de solteiro?” – olhei mais uma vez para Rachel. Depois para minha mãe... até a Beth estava na minha despedida de solteiro. Elas vieram de surpresa. Eu até poderia esperar minha mãe numa festa. Mas Beth? E Robby?

“Ok, eis aqui o programa que fiz” – Rachel abriu um mapa do parque – “Eu acompanho as crianças no submarino enquanto vocês vão à montanha russa.”

“Mas eu quero ir à montanha russa!” – Beth protestou – “Já tenho tamanho e idade para ir a uma. Você é que não tem” – nessa eu disparei a rir ao ver Beth sacaneando a altura de Rachel.

“Sendo assim, eu fico com Robby” – Rachel pareceu derrotada.

“Tem certeza?” – Brittany questionou – “Você está grávida, eu sei como é, e o meu Robby não é o menino mais quieto. Posso ficar com e você acompanha as garotas.”

“Não, vocês vão. Eu cuido do Robby.”

“Ela não vai porque vomitou no meu pé na última vez em que foi numa montanha russa e eu bati nela por estragar meu tênis novinho” – dedurei – “Rachel ficou duplamente traumatizada!”

“A gente tinha 13 anos e eu não fiquei traumatizada...” – Rachel resmungou – “Enfim, gastei muito tempo planejando isso de forma que a gente possa aproveitar tudo o máximo possível...”

“Rachel” – Shelby a segurou pelos ombros – “Nosso objetivo é relaxar e se divertir junto com a sua irmã. Ir a todos os brinquedos não é importante... entendeu?” – minha irmã bufou. Achava divertido sempre que ela fazia isso.

“Eu quero ir ao Grizzly” – Robby S pediu e o moleque não era tímido.

“Vamos fazer o seguinte” – minha mãe tomou a palavra – “Eu fico com Robby e Rachel e vocês vão a montanha russa.”

Vibramos. Combinamos que estaríamos em contato no celular, mas caso não conseguíssemos nos falar por alguma razão, o ponto de encontro seria em frente ao castelo: era centralizado e impossível de não se achar. O bom era que porque o parque não estava muito cheio àquela época do ano, o que era um aditivo, significava filas menores.

Rachel e eu tínhamos ido à Disney uma vez antes, mas foi na Flórida: aquela que é mais visada pelos estrangeiros por ser maior e melhor. Quer dizer: você pode ir a Hogwarts na Flórida e tomar cerveja amanteigada. É muito mais legal. Se bem que na época, a atração Harry Potter ainda não havia sido inaugurada. Tive vontade de ir lá um dia para conhecer. Não que seja fã da série. Apenas achava legal e criativo aquele universo, assim como gostava de Senhor dos Anéis, apesar de nunca ter conseguido ler o livro.

Parques era uma coisa minha e de papai quando criança. Como éramos os aventureiros da família, na época que eu pensava em ser bióloga por causa dele, a gente procurava visitar esse tipo de lugar nas cidades por onde andávamos. Era estação de esqui, parque aquático (principalmente antes de Rachel se afogar em um rio do Oregon e ficar com trauma), camping, e esses parques de diversão. Quando fomos à Flórida para ir à Disney World e todos os outros lugares temáticos que tinham por lá foi uma das grandes viagens que fizemos. Uma semana para aproveitar o spring break num lugar mágico. Talvez tenha sido por isso que Rachel escolheu a Disney para fazer minha despedida de solteira.

Sobre o dia que ela vomitou no meu tênis novo. Bom, isso aconteceu num desses parques mequetrefes itinerantes que às vezes eram montados em Lima. A gente tinha 13 anos e Rachel estava me irritando profundamente porque queria ir naquela coisa sem graça chamada roda gigante em que só os casais iam e não tinha companhia. Àquela época, Brittany e eu éramos quase namoradinhas e vivíamos trocando beijinhos na boca. Nada sério. Era aquela fase em que se entra na adolescência quando os seus amigos são muito mais legais do que sua irmã que vivia fazendo planos para a Broadway. Então preferia ficar conversando com Britt com a porta do quarto fechada. A gente ouvia músicas, assistia filmes, conversava sobre coisas da escola e eu me divertia em escutar as histórias e teorias malucas que Brittany tinha. E quando toda essa interação terminava, a gente se beijava um pouco porque precisávamos treinar para quando tivéssemos nossos namorados. Tudo era tão inocente naquela época!

Certo dia, Brittany e eu combinamos de nos encontrar com dois meninos da escola que eram potenciais primeiros namorados no parque de diversões. Rachel insistiu para ir, o que para mim foi um martírio porque meus pais disseram para levá-la conosco ou nada feito. Como o previsto, Rachel estragou tudo ao falar de Broadway e musicais e de coisas que só ela se interessava. Os meninos ficaram entediados e deram um fora em mim e na Brittany. Fiquei com raiva, Rachel não entendeu porque, e eu não queria revelar para ela que meu objetivo era conseguir meu primeiro namorado.

Pouco depois inventei uma aposta para ver quem conseguia comer mais mini-pizzas e tomar mais coca-cola e ainda resistir à montanha russa. Nem sei qual era a lógica disso, mas aos 13 fazer a irmã passar mal por vingança parecia uma grande idéia. Não precisei de muito para convencê-la a fazer a aposta. Rachel comeu três mini-pizzas de mussarela e tomate (o que estava além dos limites para ela) e bebeu mais de meio litro de coca-cola. Então fomos à montanha russa e ao final ela vomitou no meu pé. E o garoto que eu queria namorar ainda fez um comentário jocoso. Fiquei com mais raiva e vergonha ao mesmo tempo, e minha reação foi a mais natural possível: tentei enforcar Rachel na frente de todo mundo.

Depois disso, minha irmã ficou com certa relutância em ir a montanhas russas. A culpa é totalmente minha. Mas nego até morrer.

“Preparada Britt?” – sorri para a minha melhor amiga – “E você também Beth?”

“Lembra de que a gente costumava ir a todos esses brinquedos e inventar mil e uma aventuras?” – Brittany me cutucou.

“A gente teve uma ótima infância. Cheia de imaginação.”

“Fico feliz de estar aqui contigo, San, você não imagina o quanto.”

“E você ainda duvidou que eu estaria aqui ao seu lado nesse momento importante?”

“Por uma época... sim, eu duvidei.”

“Ainda bem que resolvemos isso à tempo, certo?”

“Ainda bem” – dei um abraço forte na minha melhor amiga antes de subirmos no carrinho da montanha russa.

“O que menos gritar é mulher do padre” – Beth desafiou.

Brittany foi junto com Beth e eu fiz questão absoluta de ir logo atrás. Gritamos até quando não tinha necessidade. Pode parecer exagero, mas foi um dos grandes momentos da minha vida por tudo que o circundava. Próxima parada: Radiator Springs. Enquanto esperava Rachel, minha mãe e Robby, fiquei olhando os brinquedinhos vendidos na loja. Inevitável não me lembrar de Quinn, ela que é uma nerd disfarçada tanto quanto eu. Bom, talvez eu seja mais. Pensei seriamente em ir ao mundo de Star Wars e comprar um sabre vermelho para ela, porque ninguém tira da minha cabeça que ela é maior sith da família. Ela é uma Fabray! E só me trás imãs de geladeira quando viaja.

“Mamãe!” – ouvi a voz do garoto de Brittany. Robby correu para os braços da mãe dele. Ficava bestificada em como ela conseguia ainda colocá-lo no colo. O moleque estava enorme.

“Se divertiu, doçura?” – ela perguntou carinhosa e Robby acenou.

“Fiquei impressionada com a intimidade dele com o brinquedo” – Rachel comentou.

“É o favorito dele” – Brittany sorriu e colocou o filho de novo no chão.

“Não fico surpresa. Eu também adorei. Robby foi um excelente guia.”

“Ele é um cavalheiro que nunca deixa uma dama desamparada” – Brittany fez high five com o filho.

“Realmente é um cavalheiro. Nunca disse que você estava de parabéns por criá-lo sozinha e bem durante esse tempo, Britt. Mas você está!”

“Obrigada, Rach.”

Dava gosto de ver a relação de Brittany e Rachel voltar ao normal após um período de estranhamento, mais por parte da minha irmã do que da minha melhor amiga. Sei que Britt teve grande parcela de culpa durante o ano em que passei separada de Johnny, mas ela não fez sozinha e muito menos me estuprou. Durante os nossos encontros entre amigos, Rachel sempre falava o mínimo necessário com Britt e a princípio era um incômodo. Entramos na próxima atração juntos. E depois fomos ao histórico Matterhorn. Rachel fez questão de ir para provar que não tinha receio de montanhas russas. Convenhamos que essa nem conta, mas não deixa de ser divertida. Isso não impediu que Rachel e Beth fizessem uma disputa de quem gritava mais. Isso continuou no Space Montain.

“O que foi, Ray?” – fiquei apreensiva quando ela pediu para se sentar um pouco na mesa mais próxima. Não é que Rachel estivesse com a barriga tão grande ou fora de forma. Ela fazia yoga para gestantes ou algo assim. Mas não conseguia me lembrar se ficar cansada era normal pelo que testemunhei da gestação de Quinn, que foi a que acompanhei mais de perto fora a da minha irmã.

“Não é nada. É meus pés estão me matando.”

“Seria prudente se você parasse um pouco, filha” – Shelby franziu a testa – “Você está se esforçando demais no seu estado.”

“Não sou uma bonequinha frágil” – reclamou – “Estou bem. Só preciso dar uma pausa para os meus pés.”

“Mesmo assim, você está abusando um pouco” – coloquei a mão na barriga e senti um pequeno chute – “Ei mocinha! Você concorda com a tia dinda, certo?”

“A gente deveria aproveitar para almoçar aqui. As crianças estão com fome” – minha mãe sugeriu.

“Acho conveniente fazermos todas as montanhas russas antes da refeição” – Rachel disse.

“A gente precisaria ficar aqui o dia inteiro para completar o circuito de montanhas russas por causa das filas” – Brittany tinha um ponto.

Decidimos almoçar, o que seria a oportunidade para minha irmã recuperar um pouco. Aquilo era comida de parque, junk food, não era grande coisa, mas serviu ali no momento. O que não me impediu de comer o maior sanduíche disponível no cardápio, mesmo sabendo que não seria interessante ir a brinquedos mais fortes depois de encher a pança. Pagamos a conta e Rachel me pareceu melhor. Fizemos uma pausa para o banheiro e continuamos a visitar os locais com menos adrenalina, porém igualmente divertidos. Entre um ponto e outro, Rachel e eu ficamos propositadamente atrás do pelotão. Ofereci o meu braço a minha irmã. Ela me segurou e sorriu.

“O que deu em você para fazer esse gesto gentil?” – ela disse cética.

“Até que gostei da idéia. Disney... quem diria?”

“Você sempre gostou de parque deste tipo. O problema é que você cresceu e ficou bocó.”

“Verdade” – olhei para minha irmã – “Sabe o que mais gostei?”

“Meu poder de adivinhação anda enferrujado.”

“Da oportunidade de fazermos essas coisas com Shelby e Beth. É tão raro termos um momento com as mulheres da família, além de Brittany.”

“Esqueceu de Quinn? E Robby não é uma mulher.”

“Você entendeu.”

“Sim, eu entendi” – ela passou o braço na minha cintura e eu a posicionei meus braço nos ombros dela. Algumas pessoas começaram a nos olhar desconfiadas não por reconhecerem Rachel, mas porque andávamos como se fossemos um casal de namoradas em vez de irmãs ou simplesmente amigas. Tive de me controlar para não rir. Se bem que era muito mais fácil levar isso numa boa quando não existem intenções românticas. Por exemplo, eu namorei Britt escondida dos olhos do grande público por muito tempo. Nunca saí com ela pelas ruas de Lima do jeito que estava com minha irmã no meio da Disney. Sempre tive receios até por causa de todos os olhares atravessados e discriminações que minha família recebeu por causa dos meus dois pais. Nunca tive grandes questionamentos nem problemas quanto minha sexualidade. Sou bissexual. Já demonstrar isso em público era outra história. Daí a minha admiração por Rachel e Quinn: elas nunca tiveram vergonha em trocar gestos de carinhos fora de casa. Só não o fazem hoje por causa das mil e uma implicações da carreira de Rachel.

“Acho muito estranho” – minha irmã recomeçou.

“O quê?”

“Ela ir ao seu casamento e ainda ser uma das madrinhas. É muito estranho. Quer dizer, quem vai ao casamento de um ex e ainda assume esse tipo de papel?”

“Brittany. E eu não vejo nada de estranho ir ao casamento de um ex. Andrew vai ao meu casamento junto Tomiko, por exemplo. E depois, você só teve um ex na sua vida, um bem insistente e chato, diga-se de passagem.”

“O que eu tive com Finn não se compara ao que você teve com Britt...” – ela deu uma pausa – “Puxa, aquilo sequer se compara ao que você teve com Andrew! O que torna tudo duplamente esquisito.”

“Teria se ainda existisse algum tipo de drama. Não há, Ray! Amo Britt porque ela é minha melhor amiga de uma vida inteira, independente do que tivemos. E nós estamos bem resolvidas quanto a isso. Eu amo o Johnny. Escolhi ficar com ele. Não há dúvidas aqui.”

“Espero que não tenha mesmo! Seria terrível ver você sair correndo do altar enquanto eu espumo de raiva por dar por perdido todo trabalho que tive para organizar a festa em Honolulu via internet!”

“Rachel Berry!” – um fotógrafo nos surpreendeu. Fotógrafo não. Paparazzi – “Amiga nova?” – perguntou enquanto continuava a tirar fotos. O ‘amiga’ soou sujo, acusador.

“Deixa minha irmã em paz, seu imbecil!” – gritei e acabei chamando atenção de Brittany e Shelby, que estavam mais à frente.

“Irmã?” – o paparazzi ficou confuso e decepcionado ao mesmo tempo.

“O que está acontecendo aqui?” – Shelby chegou se impondo como uma leoa – “O que você está fazendo com as minhas filhas?”

O paparazzi ficou ainda mais confuso. Então se recompôs.

“Só tirando algumas fotos da família” – forçou um sorriso e fez mais alguns disparos.

“Vem gente...” – Rachel me puxou e também a Shelby. Brittany ficou um pouco mais afastada segurando as mãos de Robby e Beth, como uma expectadora privilegiada – “Isso não é nada, ok?”

O paparazzi ficou para trás, assim como o pequeno círculo de curiosos. Segurei na mão de minha irmã, que estava quase bufando.

“É por essas que hoje concordo com meu agente em não revelar meu casamento para a mídia e o grande público” – ela desabafou baixinho – “Essas intromissões estão ficando mais freqüentes depois que a mídia espalhou coisas sobre a minha produção supostamente independente. É irritante. Imagine o inferno que seria depois...”

Não respondi. Nem mesmo minha mãe. Era melhor não fazer comentários. Nas proximidades do Indiana Jones entendi porque o paparazzi estava por ali. Natalie Portman também estava na Disney acompanhada dos filhos e um segurança. Ela mesma veio cumprimentar minha irmã. As duas conversaram rapidamente e Portman se despediu dando tchauzinho para nós. Foi simpática. De qualquer forma o pequeno inconveniente passou. Bola para frente.

Brincamos numa última atração e como a hora estava avançada, foi de comum senso comprar alguma coisa de lembrança antes de ir embora. Minha mãe e Beth estavam hospedadas num hotel e estranhei por Rachel não ter oferecido um canto na casa dela. Havia duas camas de casal ali e eu poderia ter dividido o quarto de hospedes com Beth sem problemas. No entanto, nos despedimos ali mesmo no estacionamento do parque. Minha mãe e Beth voltaram com Britt e Robby, e eu sequer perguntei se elas viajariam de Los Angeles para o Hawaii no mesmo dia e vôo. Talvez sim.

“Estou um prego!” – e não conseguia relaxar ali no carro. Ficar como passageira num carro em que minha irmã dirige era sempre um momento de tensão para mim. Não é que Rachel dirigisse mal. Só não confiava nela ao volante. Mas para a minha infelicidade, era ela quem conhecia a cidade – “Espero que não tenha planejado nada por hoje, porque agora são os meus pés que doem. Quem diria que fosse andar tanto dentro de um parquinho?”

“Um parquinho de tamanho considerável, você quer dizer.”

“Tanto faz... você entendeu” – procurei relaxar um pouco no banco do carro.

“Se serve de consolo, planejei algumas coisas para amanhã antes de embarcarmos.”

“Adoro Beth, mas espero que seja algo que não envolva crianças.”

“Pode deixar que vou prover diversão mais adulta e clichê. Uma que vai te deixar miando de tão bêbada, e talvez Brittany também. Minha mãe e Beth têm outros planos para aproveitar a cidade. E acho que Robby vai aproveitar para ficar com os avós dele. Talvez com o pai.”

“Ótimo!” – olhei a paisagem de Los Angeles pela janela do carro. Fiquei distraída com todas as palmeiras. Era algo que não se via em casa.

“Posso te fazer uma pergunta?”

“Claro!”

“Por que você escolheu ir ao Japão para a lua de mel sendo que vai casar num paraíso?”

“Porque nem eu e nem Johnny nunca fomos para lá. E todo mundo diz que é ótimo. Aliás, você e Quinn deveriam ter feito essas aventuras mais vezes. Ir a lugares diferentes, se divertir mais como casal. Sei lá, ir à Tailândia e ter uma dor de barriga, aprender a surfar no Hawaii, fazer algumas travessuras. Só que agora já era. Você será mãe...”

“Estou amando muito mais isso do que qualquer viagem a um lugar exótico para se ter dor de barriga. Depois, ninguém disse que deixarei de conhecer o mundo com uma filha nos braços. Nossos pais fizeram isso conosco. E eles viajavam sozinhos também.”

“Eles viajavam sozinhos e a gente precisava ficar com abuela toda vez.”

“E tomar leite com nata” – Rachel fez cara de nojo. Comecei a rir com a lembrança lúdica.

“Em compensação ela fazia biscoitos e a gente brincava naquele pomar enorme.”

“Aquele pomar era o mundo.”

“Uma pena que aquela casa foi vendida” – lamentei. Os três irmãos tomaram a decisão de vender e dividir o dinheiro em dois. Metade foi para tia Rosa, que tem a condição financeira mais delicada. A outra metade foi para os projetos que abuela sustentava em Lima.

Chegamos ao apartamento em silêncio confortável. Estávamos cansadas e precisávamos de um banho. Não quis argumentar quando Rachel disse que usaria o banheiro primeiro. Ela era a grávida da história, logo tinha a preferência. Chequei o meu celular neste meio tempo. Tinha uma mensagem do meu noivo perguntando se estava tudo bem. Respondi rapidamente que sim, sem dar maiores detalhes. Johnny, Quinn e Mike ainda estavam em Nova York e embarcariam para Las Vegas pela manhã. Verdade seja dita: não queria sequer sonhar no que eles poderiam aprontar. A boca deles é um túmulo quando falam da despedida de solteira de Quinn. Sempre achei que eles fizeram mais do que dançar, ver algumas strippers e beber demais. Aliás, a minha teoria é de que Quinn dormiu com uma stripper.

“Com fome?” – Rachel entrou na sala ainda secando os cabelos – “Posso fazer alguma coisa enquanto toma banho.”

“Estou bem. Obrigada.”

Tomei um banho em 15 minutos e vesti um pijama confortável. Encontrei Rachel sentada no sofá da sala com um copo de gelatina em cima da barriga. Peguei rapidamente o meu celular e tirei uma foto. Ficaria para a posteridade.

“Sem graça” – ela reclamou.

Eu me sentei ao lado dela e reparei na televisão. Passava desenho animado. Fazia um bocado de tempo que não parava em frente a TV para assistir essas coisas e pensei como adulto era mesmo um bicho muito chato. Rachel terminou o potinho de gelatina e encostou-se no meu corpo. Sorriu com a piada na tela.

“Nem te agradeci por hoje. Foi bem divertido.”

“Eu sabia que você ia gostar” – ela disse sem desgrudar os olhos da TV.

“E você curou sua resistência a montanhas russas” – Rachel quebrou nosso contato e me encarou sem saber onde queria chegar. Nem eu sabia direito o que queria dizer com aquilo. Foi apenas uma constatação.

“Algumas coisas mudam, não é mesmo?” – ela disse com seriedade.

“É... as coisas mudam” – tinha a clara sensação de que Rachel estava coletando significados e respostas para as caraminholas dela.

De um jeito ou de outro, tinha certeza que era algo positivo que passou pela cabeça da minha irmã. As coisas mudam. Elas progridem. Ontem éramos duas irmãs que brincávamos pelos gramados de Lima. Ohio. Hoje Rachel é uma mulher responsável que vai aumentar a família. Amanhã serei eu a começar a minha própria. Era assustador e emocionante. Uma progressão. Uma realização de um plano de vida. Isso não queria dizer que a gente se furtaria em ter momentos tão singelos como assistir desenho animado juntinhas no sofá.












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