Outubro de 2018

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10 de outubro de 2018

(Rachel)

Tirei a máscara de dormir diante dos meus olhos. A claridade invadiu o meu campo de visão de uma maneira um tanto quanto dolorosa. Ainda estava na estrada. O microônibus que aluguei para a turnê trazia da janela uma paisagem natural com algumas interferências urbanas ao longo da rodovia.

"Onde estamos?" – perguntei a Johnny, que estava sentado nas poltronas ao meu lado.

"Cruzamos a pouco a divisa com Minnesota, estamos nos aproximando de Minneapolis, lar dos Ducks."

"Hum?"

"Você sabe? Aquele time de hóquei inspirado naquele filme da Disney? Quá quá quá quá?"

"Além sabe de nada da cultura dos anos 90" – a voz grossa de Tony invadiu os meus ouvidos.

Sabia que ele estava atrás de mim. Geralmente Billy, o nosso Road, ocupava a poltrona da frente. Fred, o nosso assessor e assistente, ocupava a poltrona ao lado, Eu me sentava mais ou menos no meio do microônibus e Johnny costumava ocupar as vagas ali próximas às fileiras ao lado. Tony e Dana ficavam sempre com as últimas poltronas. Por último tinha Ross, que era o motorista.

Antes de sair em turnê, achava que seria como um sonho romântico pegar a estrada como nos filmes clássicos sobre banda, ou mesmo aqueles de estrada puro e simples. Que vivenciaria coisas malucas como em On The Road, do Jack Kerouac, menos as drogas e todo aquele sexo desregrado. A realidade mostrou-se menos romântica e mais, digamos, realista. Não diferenciava muita coisa do que na época em que saí em turnê para encenar Across The Universe. A gente chegava numa cidade, contatava o produtor local, ia para o hotel que nos foi reservado, tomávamos um banho, comíamos, os meninos iam ao local do show montar os instrumentos enquanto eu cumpria uma agenda com a imprensa local. Isso quando tinha de resolver entrevistas por telefone para a próxima cidade a ser visitada. Então eu me arrumava, ia ao local do show, cantava, os meninos já desmontavam tudo em seguida quando não tínhamos uma segunda data a cumprir naquele mesmo local. Caso contrário, deixava tudo por lá mesmo. No dia seguinte todo mundo levantava cedo, tomávamos o café da manhã e saíamos em direção a próxima cidade.

Sim, era excitante ver diferentes públicos e ter a noção de como o trabalho feito se espalhou para além das fronteiras de Nova York. Meu EP recebeu até resenha da Inglaterra, alguns veículos europeus e até da América do Sul. Mas turnê internacional estava fora de questão. Mal consegui me organizar para uma série de datas no meu próprio país. Nem consegui atender todos os pedidos de produtores. O que tive condições de fazer foi montar uma rota estratégica para facilitar o deslocamento entre dez cidades em dez estados. Estávamos indo para a décima apresentação de treze programadas. O lado bom é que daqui de Minneapolis eu e os músicos nos despediríamos do microônibus e de Ross, e embarcaríamos para Seattle de avião e ainda de avião faríamos o trajeto até Los Angeles, onde eu fecharia a turnê com uma série de dois shows.

Nessa leva, estivemos em Boston, depois em New Haven, Philadelphia, Washington DC, Pittsburgh, Detroit, Indianápolis, Chicago e agora estávamos a caminho de Minnesota para um show que só aconteceria amanhã. Significava que a gente teria a rara oportunidade de passear um pouco pela cidade. E eu não conhecia Minnesota.

"Não acredito que você nunca viu o filme dos Ducks?" – os meninos foram para cima de mim como se fosse a pessoa mais sem cultura do mundo – "Foi a série que lançou o Joshua Jackson. Ao contrário que muita gente pensa, ele não apareceu naquela chatice chamada Dawson's Creek" – Tony continuou a me informar contra a minha vontade.

"Eu gostava de Dawson's Creek" – Dana rebateu – "Joshua Jackson foi o meu primeiro crush de celebridade."

"Sério?" – Fred entrou na conversa – "Cara, nem eu que sou gay teria um crush com ele. E a série era ridícula. Qual adolescente fala daquele jeito, afinal."

"Essa é uma questão importante" – Billy também entrou na conversa – "Igual no filme Juno. É bacana e talz, mas eu não conheço um colega que falasse como aqueles caras."

"Eu falava assim na escola. Sempre me expressei corretamente e apropriadamente, sem precisar apelar para gírias e palavrões" – rebati – "Além disso, Joshua Jackson é um sujeito muito educado. Eu já cruzei com ele em algumas ocasiões."

"Mesmo?" – Dana abriu um sorriso – "Sempre quis conhecê-lo."

"Eu sempre quis conhecer a atriz que fez Winnie Cooper" – Tony entrou no meio – "Aliás, Winnie Cooper foi a primeira namorada imaginária de um monte de caras. Anos Incríveis, baby. Isso é um clássico."

"Tenho que concordar" – Johnny e Tony fizeram high five.

"Qual a graça em Winnie Cooper?" – rebati.

"Rachel, você é casada com uma garota e não sabe? O sorriso de Winnie Cooper é a coisa mais doce do mundo" – Tony rebateu e levou um tapa de Dana – "O quê?"

"Quinn é a única mulher por quem me apaixonei" – rebati – "Mas o meu crush de celebridade sempre foi Jared Padalecki."

"O carinha de Supernatural?" – Johnny perguntou.

"Mas antes ele esteve em Gilmore Girls, a única série que eu e Santana conseguíamos assistir juntas sem brigar. Era essa e Arrested Development. E Santana tinha um crush pelo Michael Cera... e também pela Alyson Hannigan, mas isso é outra história."

"Quem diria que Rachel Berry era uma dork" – Fred gargalhou.

"Não sabe de nada" – sorri ao pensar nas tardes em que eu e minha irmã assistíamos televisão juntas e discutíamos sobre cada detalhe da história.

Essa era apenas mais uma das muitas discussões cotidianas durante a viagem da turnê. Interessante que só a convivência diária faz revelar o caráter e manias de uma pessoa. Descobri mais coisas sobre Johnny neste quase mês de viagem do que em todos esses anos de convivência. Não sabia, por exemplo, que ele era um leitor compulsivo. Mais até do que Quinn. Ele sempre estava com um livro ou uma revista guardado na mochila. Como ele não conseguia dormir no ônibus, porque ficava tenso demais, então lia ou rabiscava a caderneta em que esboçava idéias de histórias que gostaria de escrever. Johnny também tinha fobia de lugares muito altos. Era por isso que não gostava de se aproximar da janela do nosso apartamento (algo que pouco tinha notado) e ele confessou que nunca viajava no acento da janela do avião porque não gostava de olhar para fora. Minha irmã, ao contrário, só gosta de ir do lado da janela, mas que por causa da fobia dele, ela viaja com a cortina fechada. Também não sabia que Johnny ficava irritadiço quando ficava com fome, o prato predileto dele era peixe grelhado e frutos do mar, que adorava andar de skate e que uma vez por semana ele acendia uma vela onde quer que estivesse para rezar pelos pais, que morreram num período de seis meses. O pai num acidente doméstico enquanto consertava o telhado da casa, a mãe se matou meses depois por ingestão de remédios devido à depressão causada pela viuvez. Johnny também era um ótimo desenhista, mas isso eu já sabia pelo trabalho que fez na Rock'n'Pano.

Os outros também tinham hábitos peculiares. Dana fazia uma espécie de greve de silêncio uma hora antes de subir ao palco e passava boa parte do dia praticando algum instrumento. Não era à toa que sabia tocar um monte deles. Tony tinha mania de andar sempre com um par de baquetas e levava o aquecimento muito à sério. Johnny não era exatamente um músico. Ele sabia tocar guitarra e conhecia os arranjos das minhas músicas. Era o suficiente. Mais ou menos como eu, nos teclados. Papai e bubbee certamente iriam rir da minha pouca técnica. Ao menos era o bastante para tocar os arranjos. Fred era um gay que ninguém dizia que era gay. Era um homem até mais bonito que Johnny. Aliás, ele bem que tentou paquerar o namorado da minha irmã, mas levou um fora. Uma característica interessante de Fred era a perfeita organização. Não foi à toa que Nina confiou nele para acompanhar a minha turnê. Sempre que eu chegava a alguma cidade, ele já tinha a agenda de entrevistas toda organizada e depois fazia o clipping das críticas sobre os shows. Ele também monitorava os fóruns, mas não os catalogava. O porém é que ele era hipocondríaco.

Billy era um protegido de Tony. Ele tocava guitarra até melhor do que Johnny e fazia parte de uma banda de garagem que montou no Bronx. Era o mais jovem do grupo e, por isso mesmo, o mais hormonal. Sempre que podia, tentava pegar uma menina e muitas vezes transava com alguma depois dos shows. Ross era um senhor de 50 anos de idade que cumpriu pena por cinco anos numa prisão de média segurança por espancar um antigo sócio que estava tento um caso com a ex-esposa. Deve ter sido uma baita briga e uma baita surra. Na prisão, ele descobriu o budismo e passou a trabalhar como motorista quando cumpriu a sentença. Nunca tivemos problemas com Ross.

Tony e Dana era o casal 20 da turnê. Os dois se completavam de um jeito extraordinário e conseguia entender como ela conseguiu "endireitá-lo". Tony era também o produtor da turnê e tinha pose de chefe, mas bastava ele encarar um olhar atravessado de Dana para se encolher. Imagine um homem negro e encorpado ficar como um gatinho nas mãos de uma garota branquela com a minha altura? Era uma diversão observá-los.

"Minneapolis à vista" – gritou Ross.

"Graças a deus!" – resmunguei – "Estou louca para me livrar desse ônibus. Não de você Ross, só deste ônibus."

Minneapolis era emendada com St. Paul. Na prática, era como se fosse uma cidade só com dois grandes centros urbanos. Tony entrou imediatamente em contato com o produtor local responsável, que disse que nos aguardaria no hotel reservado. Eu estipulei condições mínimas e aceitáveis para o hotel. Não precisava ser nada cinco estrelas, claro, mas eu tinha de ter o meu quarto próprio (Dana e Tony tinha o deles e os demais dividiam), o hotel tinha de ter bom serviço de quarto e lavanderia, acesso a internet, oferecer no mínimo café da manhã. A produção local tinha de pagar pelo menos uma diária do hotel e as vans de transporte. As refeições não eram incluídas, mas a maioria dos produtores locais fazia a gentileza de pagar almoço e jantar pelo menos para mim. Só o produtor de New Haven fez o mínimo necessário. Mas também, foi o esquema mais universitário em que me apresentei.

Cobrei 15 mil dólares de cachê por cada show, que eram divididos por quatro: eu, Johnny, Dana e Tony. Os demais receberam um determinado salário pelo serviço de um mês. No fim da turnê, cada um dos músicos teria 48 mil dólares no bolso. Claro que esse dinheiro era simbólico para mim, porque foi do meu bolso que saiu o salário dos demais funcionários. E eu paguei, por exemplo, cinco mil dólares extras, já que ele recebia o salário da empresa de assessoria de Nina. Billy receberia cinco mil dólares no final do mês (ele nunca viu tanto dinheiro junto nas mãos dele na vida) e os serviços de Ross, que incluíam o microônibus, custaram 20 mil dólares. Por mim tudo bem. Era um dinheiro que poderia dispor. Ter 10% das ações da Weiz me deu uma segurança financeira inacreditável. Além do mais, eu ganhava 50 mil só para fazer uma capa de revista. Os 48 mil dólares da turnê podiam ser nada para mim, mas faria muita diferença na vida de Tony e Dana. Ou mesmo na de Johnny, que recebia menos de dois mil dólares de salário no estúdio de tatuagem e alguns dólares a cada três meses pela venda dos dois romances que publicou.

Os produtores concordavam com os valores. Geralmente eles eram os próprios donos dos locais e cobravam 30 dólares (às vezes até mais) pelo ingresso em locais que cabiam até 2 mil pessoas. A casa sempre estava cheia e o retorno para os produtores era garantido. Um produtor lucrava conosco pelo menos 20 mil só em ingressos. Fora o que as pessoas tinham de pagar para consumir dentro de cada local. Que eles ganhassem muito dinheiro. O que me interessava, afinal, era ter essa experiência e vivência na música. Era quase como a realização de um sonho, mesmo que em menor escala.

"Rachel Berry" – um homem de tinha cerca de 40 anos me recepcionou assim que desci no ônibus no hotel combinado – "É um prazer conhecê-la."

"Rick, certo?" – ele acenou e o cumprimentei. Esse era o produtor local da vez – "Esse é Tony, o gerente da turnê."

"Oh sim, nos falamos por telefone. É um prazer Tony."

Tony era um negociante duro: pagamento deveria ser feito antes do show ou não subiríamos ao palco. Nada de 50% antes e 50% depois. Tudo era sacramentado por meio de um contrato em que as duas partes poderiam fazer encaminhamentos jurídicos cabíveis em caso de descumprimentos. Não é que Tony fosse advogado, mas ele era um sujeito com experiência na estrada.

O hotel era razoável, mas atendia às exigências. Uma hora depois de nos registrar, Fred bateu à minha porta e me entregou a agenda. Uma entrevista para rádio, outro para um noticiário local, uma pequena coletiva com três jornalistas locais marcada para acontecer no saguão do hotel em meia hora e mais duas por telefone para atender a imprensa de Seattle.

"Credo!" – reclamei – "Não dá tempo nem para respirar."

"A vantagem é que você terá o dia livre amanhã até a hora do show. Vai dar até para conhecer um pouco da cidade."

"Fazer o quê" – disse com certo mal humor.

Seria um dia que não teria nem tempo direito para telefonar para a minha esposa. E como sentia falta de Quinn, que simplesmente estar com ela no nosso canto sossegado de Nova York. Imaginei que ela estaria àquela hora no trabalho discutindo com os outros diretores novas idéias de filmagem. Quinn era muito organizada nesse sentido. Por mais que dissesse que detestava dirigir fotografia de propagandas, a dedicação dela era exemplar. Fazia anotações, discutia estética e modos para tornar tudo mais eficiente. Tinha tudo orgulho dela.

Olhei para a agenda e suspirei. Primeiro os jornalistas no saguão, depois estação de TV e depois rádio. Como ainda tinha meia hora, peguei uma roupa mais ou menos para fazer o circuito. Tomei uma ducha, coloquei a maquiagem e recebi a mensagem de Fred que os jornalistas já haviam chegado.

"Muito bem, pessoal, vocês tem 20 minutos" – ouvi Fred instruindo enquanto fui direto aos dois rapazes e na moça para cumprimentá-los.

"Como vai senhorita Berry?"

"Vou bem, obrigada. E vocês?" – disse sentando-me no sofá e cada um acenou de um jeito.

Apesar de saber quem estava ali, Fred fez as apresentações. Os dois rapazes trabalhavam nos jornais locais e a moça era comentarista de um blog famoso que estava ali para aproveitar a ocasião. Por mim, tudo bem.

"O que espera do show de amanhã?" – a primeira pergunta tinha de ser a mais genérica. Respondi isso em todas as cidades em que estive. Mas fui profissional.

"Que o público de Minneapolis possa comparecer para que tenhamos alguns bons momentos juntos. A banda está muito a fim de conhecer essas pessoas e tenho certeza que se todos forem com esses espírito, vamos nos divertir" – a resposta era praticamente decorada.

"Senhorita Berry, você lançou apenas um EP com seis canções, mas promete um show de uma hora e meia. Como administrou o repertório?"

"Foi simples. Os shows de lançamento que fiz em Nova York foram bons laboratórios para definir o repertório da turnê. Todas as canções do meu EP serão tocadas, e também mais uma canção inédita que escrevi, tocamos seis covers e mais duas canções que são de autoria do Tony, que é o meu produtor e o baterista da banda que também podem entrar ou não no próximo disco. Há algumas esquetes inseridas, mas isso é surpresa para quem for assistir."

"Senhorita Berry, você é conhecida por interpretar um repertório músicas clássicas do cancioneiro pop na Broadway. David Bowie, Beatles e o playlist de Nick Hornby. Vejo que o estilo desse EP foge bastante do padrão pop. Essa experiência pouco usual do teatro musical te influenciou diretamente no som do seu trabalho autoral?"

Olhei para a garota do blog. Era surpreendente quando me deparava com alguém que realmente fez uma pesquisa prévia antes de me entrevistar e elaborou uma pergunta inteligente. Tomei para mim alguns segundos para elaborar uma boa resposta.

"Não só no teatro, mas esse tipo de música que hoje são consideradas canônicas era o que eu escutava em casa. Fui criada por dois pais e ambos eram apaixonados por músicas, mas de estilos distintos. Um deles tocava piano e era fanático por musicais e daí vem minha adoração por Barbra Streisand. O outro toca guitarra e é quase uma enciclopédia do rock dos anos 1960 e 70. A influência vem de casa, não necessariamente do teatro. Isso é um ponto. Claro que quando pensei no disco junto com Dana e Tony, levei todas essas informações e também o que escutei ao longo de todo esse tempo e quis propor um desafio a mim mesma em mostrar outro lado do meu cantar. Um diferente dos meus trabalhos da Broadway que apesar de tudo exploravam bastante a minha extensão vocal. Então diminuí o tom, cantei mais suave e dentro de arranjos mais minimalistas. Há duas canções mais pop, mais dançantes, em que canto para fora. Mas no geral foi isso."

A menina acenou e levantou o dedo para mais uma pergunta.

"Você mencionou que foi criada por dois homens. Isso te faz uma militante da causa LGBTQ?"

"Sem perguntas do tipo" – Fred advertiu – "Nada de perguntas pessoais."

"Eu posso responder essa, Fred" – disse gentilmente ao meu assessor – "Não sou uma militante, mas pode sim dizer que sou uma apoiadora da causa LGBTQ. Não poderia ser diferente. Sou cria de um homem homossexual, de um homem bissexual e de uma mulher heterossexual. Isso não é segredo. Acredito que amor é amor, não imposta a forma."

"Senhorita Berry, você tem planos de continuar na carreira da música ou vai voltar a atuar?"

"Minha prioridade é atuar, mas vou levar a carreira musical em paralelo e em doses homeopáticas. Não posso pensar em nada grande porque tenho projetos e responsabilidades com a minha carreira de atriz. Tenho contrato com a HBO até o próximo ano, quando vou filmar a última temporada de Slings and Arrows, gostaria de fazer filmes, de passar mais uma temporada na Broadway. Esse mês em que tirei para fazer a turnê foi o que deu para encaixar na agenda."

"Isso me leva a pergunta sobre Star Wars" – um repórter sorriu de um canto ao outro. Dava para ver que ele era um geek – "Fio anunciado que você vai participar do próximo filme. É verdade?"

"Sim, em dezembro eu embarco para a Austrália para gravar parte do filme e depois vou para o Canadá. Mas a minha agenda de gravações está tranqüila. Vou estar no filme num papel coadjuvante."

"Sith ou Jedi?"

"Jedi, claro!" – começamos a rir.

"Última pergunta para cada" – Fred avisou e foi curioso como os três começaram a procurar no bloquinho em busca de alguma coisa foi quando alguém me surpreendeu com um beijo no rosto. Um que doeu a minha bochecha pela força do impacto. Então senti braços fortes no meu corpo e vi os três jornalistas ficarem assustados como se eu tivesse sendo atacada por um fã desmiolado. Quase isso.

"Rach, Rach, eu sou um homem rico, Rach. Rico!" – Johnny estava tão eufórico que nem reparou que eu estava à trabalho.

"O que aconteceu?"

"O editor depositou cinco mil dólares na minha conta pelas vendas iniciais do meu novo livro. Cinco mil!" – ele deu um pulo e eu não resisti. Levantei-me e o abracei. Mas Johnny aproveitou e me girou no ar. Ele estava tão alucinado de felicidade que fiquei com dó de cortá-lo – "Nesse ritmo vou poder fazer da sua irmã uma mulher, honesta, Rach. Uma mulher honesta!" – e saiu correndo dando soquinhos no ar.

Os três jornalistas estavam boquiabertos, assim como Fred. Coisas assim aconteciam na turnê. Não necessariamente com Johnny, mas coisas inesperadas, com certeza, como uma fã que conseguiu entrar escondida no nosso microônibus porque queria me dar um abraço e dizer que eu era a mulher mais linda do mundo e uma inspiração para a vida dela. Fico feliz em servir de inspiração, mas que foi assustador, isso foi.

"Aquele foi o Johnny, o guitarrista... ele é escritor" – expliquei sem jeito.

A entrevista foi encerrada. Ninguém tinha mais a concentração necessária. De certa forma, tinha de agradecer ao Johnny pela interrupção espontânea. Fui até Johnny que estava com uma garrafa de cerveja em mãos no bar junto com os outros. Eles estavam brindando.

"Não acreditam que iam comemorar sem mim" – resmunguei.

"Nunca, Rach! Nunca!" – Johnny estava extasiado e Tony me entregou uma garrafinha.

"Ao Johnny" – Tony disse e brindamos.

"Já falou com Santana?" – tomei apenas um gole. Não podia me dar ao luxo de ficar alta para o resto do dia de trabalho que tinha à frente.

"Ainda não... ainda nem caiu a ficha. Recebi a ligação e saí comemorando... Mas vou ligar logo."

Acenei. Estava feliz. Conseguir ganhar cinco mil com livros hoje em dia era um grande feito. Quem sabe agora ele não engrenava na carreira que sempre buscou seguir? Estava na torcida. Fred, Tony e eu, acompanhados pelo produtor local, seguimos para a estação de TV para gravar uma entrevista de dois minutos e por fim, a rádio. Nesse meio tempo, atendi por telefone os jornalistas de Seattle. Nós três fomos a um restaurante para jantar. O produtor pagou a minha conta.

Eram quase dez da noite quando finalmente voltei ao quarto de hotel. Lá, peguei o telefone e liguei para a minha esposa. Não pude evitar em sorrir quando apareceu o rosto dela na minha pequena tela.

"Oi Rach" – ela sorriu – "Deve ter sido transmissão de pensamento, porque acabei de falar com Santiago sobre a sua turnê."

"Deve ter sido mesmo" – sorri – "Como estão as coisas aí em casa?"

"Com saudades. O seu travesseiro disse que gosta mais da sua cabeça do que da minha. A coberta disse que não há mais diversão a noite porque você não está aqui para disputá-la comigo. Oh, e a cama parece enorme. Estou quase comprando daqueles travesseiros-namoradas para ter alguém para me abraçar à noite" – minha esposa estava de ótimo humor. Deve ter acontecido algo de bom.

"Não seria prudente Quinn. Não ficaria bem me ver brigando com um travesseiro por tentar roubar a minha esposa de mim."

"Coitado do travesseiro. Não seria uma luta justa... então, como foi mais um dia de estrada?"

"O mesmo de sempre. Ainda bem que de agora em diante a estrada será aérea. Não agüento mais rodovias e ficar de hotel em hotel. Mal vejo a hora de chegar em casa."

"Mais dez dias, certo?"

"Mais dez dias" – acariciei a tela – "Mas me diga o que fez hoje?"

"Nada de mais, baby. Oh, Santiago arrumou um emprego novo."

"Mesmo?"

"Você não vai acreditar. Luis Segal vai mesmo montar uma produtora e o chamou para trabalhar num novo projeto. Acho que vai ser uma web série. Quer saber? Fiquei morrendo de inveja. Enquanto ele vai para um projeto realmente legal, eu vou fazer mais uma propaganda."

"Por que algo me diz que não está tão frustrada quanto provavelmente ficaria?"

"Bom... eu ia deixar para contar a novidade assim que você chegasse, mas devo anunciar que essa será a última propaganda que farei em um bom tempo."

"Não vai me dizer que você se demitiu."

"Não. A Bad Things recebeu sinal verde para a produção de um filme para televisão para a ABC Family. As filmagens vão acontecer parte nos estúdios e parte em Stamford."

"Deixa eu adivinhar... você está dentro."

"Bom, você sabe, é só um filme para a TV."

"Deixa de fazer charminho, Quinn. Isso vai ser ótimo para a sua carreira."

"Eu sei, Rach. Vai ser o meu primeiro longa. É para TV, ainda assim, o meu primeiro."

"Gostaria de estar aí para celebrarmos. Hoje o dia foi cheio de surpresas boas, apesar do cansaço. Johnny recebeu um cheque de cinco mil pelo terceiro livro. Acredita?"

"Uau, isso é ótimo. Não sabia disso. Se bem que nem falei com Santana hoje. Ela vai viajar para Pittsburgh ou coisa assim e deve estar na correria."

"É, eu sei. É onde fica a sede do braço da Weiz que explora gás natural. Mas sinceramente, eu não quero falar sobre a minha irmã e os problemas dela. O que me interessa agora é o que vamos fazer para celebrar?"

"Tenho algumas idéias" – o tom dela mudou completamente. Agora estava sedutora.

"Ah é?"

"Sabe aquele brinquedinho que você levou?"

Balancei a cabeça. Quinn não tinha mesmo jeito. Não que achasse ruim, mas decidi jogar um pouco.

"Infelizmente, Quinn, hoje não vai dar."

"Por que não?" – ela disse quase em desespero.

"Guarde sua energia para daqui a dez dias."

"Eu posso morrer daqui a dez dias!" – ela soou desesperada.

"Boa noite, Quinn" – sorri e desliguei o celular.

Olhei para a cama de hotel. Nunca me pareceu to apetitosa. Meus olhos estavam cansados, muito cansados. Deitei e apaguei.

...

13 de outubro de 2018

(Santana)

"Não acho que isso seja uma boa idéia" – Quinn tinha essa odiosa mania de se enfurnar dentro de casa ou se envolver em atividades intelectuais com os amigos cineastas. Como se a classe dela também não fosse formada de um bando de porra loucas bêbados, drogados, gays e pretensiosos.

"Uma noite só com as garotas e Kurt. É uma idéia excelente. A gente pode aprontar todas que o Carola Hummel nos levará para casa sãs e salvas. Não sei se sãs, mas com certeza salvas."

"Mas uma festa num galpão no meio do Brooklin? Não me parece bom."

"Cadê o seu espírito de aventura, Fabray? Do jeito que a minha irmã é, no ano que vem ela vai aparecer com um filho nos braços para você cuidar e pronto, lá se foi a oportunidade de se divertir. Vamos lá, é o nosso último fim de semana solteiras antes que Johnny e Rachel voltem da turnê. Eu tive uma semana corrida e preciso relaxar."

"Ir a Pittsburgh com o jatinho da sua empresa é correr?"

"Claro que é. E o que fiz por lá não conta? Vamos lá Fabray, não seja uma estraga-prazer."

"Tudo bem. Vai ser só as garotas, certo?"

"E lady Hummel."

"E Kurt... ok, estou dentro."

"Ótimo. Te pego às nove."

Desliguei o telefone. Fiquei sabendo por Izabella de uma festa épica que aconteceria no Brooklin e que ela tinha atalhos para fazer todo mundo entrar. Estava louca para dançar e beber um pouco depois de todo esse tempo sem condições de ter um pouco de lazer devido ao trabalho. O fato de Johnny estar longe só piorou a sensação de estresse e solidão. Não tinha o meu namorado, não tinha minha irmã para torrar a minha paciência, Quinn não é exatamente a pessoa mais social da face da terra e sempre faz careta quando apareço na casa dela para jantar, Brittany passa muito tempo em casa por causa do filho, e todo resto tem uma vida para cuidar.

Entrei no meu closet e resmunguei com a quantidade de tailleurs já em quantidade superior aos meus vestidos colados ao corpo e roupas casuais. Precisava fazer uma visita ao shopping e renovar esse lado do meu guarda-roupa. Peguei um vestido vermelho (minha cara). Ele cairia bem com a minha bota de salto e a minha jaqueta de couro. Sexy, confiante e poderosa. Essa era a velha Santana. Antes de me vestir, escovei o meu cabelo e fiz minha maquiagem. Perfeito. Podia ser uma mulher fora do mercado, mas isso não queria dizer que deveria deixar de me sentir atraente, desejável. Coloquei a minha roupa e vi que estava no ponto. Coloquei um sorriso confiante no rosto. Nesta noite, a velha Santana Berry-Lopez iria fazer uma aparição.

Peguei meu carro e passei primeiro no prédio de Rachel e Quinn. Enfiei o dedo no interfone.

"Isso não dá leite!" – ri do jeito irritado – "Vai subir?"

"Não está pronta?"

"Quase" – ouvi o estalar da portaria se abrindo.

Fazer o quê? Acionei o alarme do carro e peguei o elevador. Boa coisa sobre o breve atraso. Assim que abri a porta e invadi o quarto de Quinn e da minha irmã, fiquei horrorizada com o vestido de estampa floral que ela estava vestindo. Sério? Até mesmo Rachel Berry-Lopez, minha irmã que vestia as piores roupas que alguém possivelmente poderia usar no high school, aprendeu a se trajar bem, com requinte.

"O que foi?" – ela levou uma das mãos à cintura. A outra segurava um lápis de olho.

"Você não vai sair comigo para uma festa com esse vestido."

"Por que não?"

"Você estaria linda para uma festinha em Lima. Mas caso ainda não saiba, a gente já não vive em Ohio há seis anos."

"É o meu estilo. Eu tenho um estilo e ele sempre foi admirado."

"Em Ohio!"

"Ninguém reclama das minhas roupas. Nem Rachel ou mesmo Kurt. Por que você sempre implica?"

"Faça como quiser, Fabray" – disse enquanto vasculhava o closet das duas. Rachel tinha roupas legais que gostaria de pegar emprestado sem prazo para devolver. A boa coisa era que o nosso manequim continuava o mesmo. Algo que Quinn não podia se beneficiar por usar um número ou dois maior do que o nosso. Rachel tinha uma jaqueta mais legal do que a que estava usado. Resolvi experimentar. Caiu perfeito.

"Dá para parar de fuçar minhas roupas... isso é da Rachel!"

"Ficou lindo, não acha?" – troquei as jaquetas na maior cara de pau.

"Pelo menos dá para devolver lavado desta vez?"

"Não tenho culpa que Bena se esqueceu de colocar aquela roupa na máquina."

"Bena é culpada pela bagunça que você faz?"

"Ela é paga para arrumar a minha bagunça, certo?" – Bena trabalhava três vezes por semana na casa da minha irmã e duas vezes por semana na minha. O trabalho lá em casa era menor. Apesar de eu ser mais bagunceira, era uma pessoa só e minha zona se concentrava em certos pontos, não na casa inteira. E eu tinha a maior preguiça de lavar a roupa da semana, por isso ela fazia isso por mim, mas não passava.

Quinn terminou de se arrumar. Colocou botas e o casaco que ela colocou por cima do vestido deixou o modelo passável, se ela fosse andar pelas ruas de Nova York. Ainda não era o caso. Atrasamos meia hora nesse processo e ainda tínhamos de buscar Lady Hummel. Tomiko, Brittany e Izabella nos encontrariam por lá. Acho que Brittany iria levar também Jill, a colega que mora e trabalha com ela no negócio do estúdio de dança. Ainda não tive a oportunidade de conhecer as amigas dela. Apenas vi uma delas de longe quando fui visitar o estúdio.

Ao contrário de Quinn, Kurt demorou apenas um minuto para entrar no carro e ainda reclamou do atraso. Chegamos no balcão em Brownsville. Estacionei o carro na igreja que tinha na mesma rua. Viva a democracia e a diversidade, certo? Atravessamos a rua e u mandei uma mensagem de texto para Izabella. Não precisava. Ela também estava chegando ao local. Se tivesse combinado, não daria certo. Tomiko foi até nós. Ela nos esperava há uns 40 minutos e disse que estava quase indo embora. Nenhum sinal de Brittany com a colega dela. Liguei para ela. Era para a gente esperar um pouco que o táxi estava à caminho. Era admirável o esforço de Brittany em sair comigo. Por um instante me senti mal em arrancá-la de Nova Jersey para ir a uma festa no Brooklin comigo. Acho que ela não tinha noção da distância.

O táxi chegou com as duas. Procurei me adiantar e paguei pela corrida. Era o mínimo que poderia fazer.

"Bem que você disse que sua amiga era gentil, Britt" – olhei para a ruiva (falsa) de olhos castanhos e Franzi a testa.

"Sempre foi" – ela me deu um abraço apertado antes de apresentar – "Jill, esta é a Santana de quem tanto falo. Você já conhece Quinn e Kurt, certo" – ela nos cumprimentou.

"Oh, Britt... Jill. Essas são Tomiko e Izabella."

Com todos apresentados, Izabella nos colocou para dentro. O balcão era grande, havia um DJ animando o lugar, muitos jogos de luzes e as pessoas já lotavam a pista de dança. Como toda festa pedia, primeiro bebemos e depois: dança. Kurt olhava quase que indiferente para a multidão. Havia de tudo ali, casais de todo tipo, gente de todo tipo. Se existisse um zoológico de tipos humanos bizarros, ali seria um lugar para coletar espécimes. Homens em forma, gordinhos felizes, punks, gays, lésbicas, loiras fatais e uma massa que podia ser considerada normal. Izabella nos apresentou a algumas pessoas, uns caras e garotas que cumprimentei, mas que esqueceria do rosto em quinze minutos.

Fui para a pista de dança com Brittany e a ruiva falsa Jill e Quinn. Kurt e Tomiko ficaram mais no canto fazendo a vez de pessoas legais demais para estarem ali e que gostavam de beber e falar do quão patéticos eram os outros. Izabella eu não sei. Sumiu. Ela nos reencontraria ocasionalmente.

Brittany e Jill logo atraíram a atenção pelas habilidades na dança e homens encostaram no grupo. Achei estranho ver Brittany se divertindo com um cara estranho na minha frente. Confesso que fiquei com um pouco de ciúmes. Acho que isso sempre existiria entre nós, afinal. Balancei a cabeça e pelo olhar que Quinn direcionava a mim, sabia que tinha de parar de ligar. Um homem se encostou em Quinn e não se tocou quando ela não demonstrou interesse. Era hora da cavalaria. Peguei Quinn pela cintura e olhei para o homem como se fosse a namorada da garota. Ele sorriu, levantou as mãos e ficou na dele. Menos mal. Tinha alguns que não desconfiavam.

"Obrigada" – ela gritou no meu ouvido.

Dei um beijo no rosto de Quinn e continuamos a nos divertir. Kurt e Tomiko não resistiram e se uniram a nós. Foi o tempo de Quinn ir ao bar. Tomiko era um tipo muito estranho. Era dura para dançar, mas aos poucos, aquela japonesinha começava a se soltar. A bebida ajudava. Kurt começou a flertar com um cara sem camisa e claramente gay.

"San" – Izabella gritou ao meu ouvido – "Pode vir aqui um segundo?"

Acenei e ela me levou até o mezanino do galpão.

"Quero te apresentar ao dono do lugar."

"Certo."

"Ele está bem ali e ansioso para falar contigo."

Quando vi quem era o dono, mal acreditei.

"Brian Goth?" – gritei – "Não acredito!"

Brian Goth foi meu colega da Columbia. Não só fiz uma classe com ele, como andávamos na mesma turma de amigos em nosso ano de calouro. Ele jogava futebol americano pela universidade e devido à falta de tempo e aos diferentes interesses, nos afastamos e eu perdi o contato ocasionalmente. Ele era um sujeito legal que conseguiu entrar em Columbia por meio de bolsa do programa de esportes. Em outras palavras: para jogar no time. Assim como aconteceu como meu pai, pelo visto, ele não seguiu a carreira.

"Santana Berry-Lopez!" – ele me deu um abraço de urso – "É uma honra tê-la aqui."

"Não sabia que tinha virado empresário."

"É, eu comprei esse lugar junto com Lucy, nós reformamos e vamos ver no que dá."

"Lucy? Lucy Watson?"

"A própria... ei, pegue uma cerveja. Essa é de graça." – ele me ofereceu um copo.

Lucy era a gótica estranha que sonhava em ser advogada. Todo mundo tinha certo receio dela por parecer Lisbeth, a protagonista da trilogia Millennium.

"Como ela está?"

"Bem. Ela toca a papelada, sabe? Ainda está na Columbia estudando para ser advogada."

"Sensacional!"

"Eu fui ao festival que a sua empresa organizou no Central Park neste ano. Uau, Adele!"

"Por que não me procurou?"

"Não pensei na hora."

"Na próxima vez, entre em contato!"

"Recado recebido. Não vou te prender mais. Bella disse que está com amigos."

"Sim é verdade. Estamos nos divertindo."

"Bom saber. Santana. Volte sempre."

Demos mais um abraço e eu voltei a falar com Izabella.

"Não sabia que ainda tinha contato com eles."

"Não tinha, foi por acaso. Topei com Lucy na Columbia dia desses e almoçamos juntas. Ela disse para aparecer. É o lugar mais quente do Brooklin da atualidade."

"Dá para ver."

O mezanino dava uma dimensão incrível da festa. O jogo de luzes, as pessoas com os braços para cima, as bijuterias de neon, era interessante. Terminei de tomar a minha cerveja. Tinha de procurar os meus.

"Você vem dançar?"

"Depois."

Acenei e voltei para a pista para procurar os meus. Vi algumas cenas que são comuns nesses lugares como o consumo de drogas. Vi um sujeito cheirando e outro oferecendo cartelinhas de êxtase. Havia uma área que as pessoas podiam ir para fumar e ali rolava desde o cigarro comum até crack. Como tinha nada a ver com aquilo, passei batido. O primeiro rosto conhecido que vi foi de Tomiko, que estava com a testa franzida.

"Ei!" – gritei no ouvido dela – "O que foi? Não está se divertindo?"

"Estou" – ela acenou, mas não senti firmeza – "Quinn está estranha."

"Estranha?"

Tomiko apontou em direção da pista e ali vi Quinn dançando completamente solta com uma garota. Não sei o que ela bebeu no tempo em que nos separamos ali na festa, mas deve ter ido algo muito forte. A alcancei e minhas suspeitas estavam corretas, Quinn estava embriagada e completamente alterada. O que raios aconteceu? Ela dançava com a menina como se tivesse fazendo a corte para o sexo.

"Quinn!" – peguei no braço dela.

"Ei, ela está comigo" – a garota reclamou.

"Ela nunca esteve contigo, garota!" – falei de um jeito ameaçador e puxei Quinn para fora da pista de dança.

"Ei. Eu estou me divertindo!" – e começou a rir.

Era oficial: alguma coisa muito estranha aconteceu e eu comecei a entrar em pânico. Se acontecesse alguma coisa com ela, Rachel ia me matar. Aliás, matar seria pouco. Ela iria me torturar e depois me jogar num moedor humano, igual naquela cena do filme The Wall.

"Água" – gritei no balcão de drinks e mostrei o dinheiro. Recebi uma garrafinha de 350ml – "Beba!" – ordenei a Quinn.

"Não... me paga um drink, San. Oh, eu quero dançar."

"Quinn, se você não beber um pouco de água, eu juro que vou enfiar essa garrafa na sua goela."

Ela pegou a garrafa e tomou um gole, me olhando em desafio.

"Gostou? Agora preciso voltar a me divertir."

Não mesmo. Passava da meia noite e se as coisas já estavam fora de controle assim era hora de ir.

"Tomiko" – ordenei – "Fica de olho nela."

Rodei a pista para ver se encontrava Brittany ou a amiga dela. Nenhum sinal. Fui até aos banheiros e meus olhos não acreditaram quando vi Lady Hummel aos beijos com o cara que estava paquerando na pista de dança. Por essa eu não esperava nem em um milhão de anos. Interrompi aquela suruba puxando o cabelo de Kurt.

"Ei!" – os dois protestaram.

"Kurt, precisamos ir embora."

"Mas ele está comigo!"

"Você cala a boca" – adverti o sujeito – "E Quinn parece que tomou alguma coisa além de álcool."

"O quê? Mas?"

"Kurt, faça o seu papel de carola quando eu espero que faça. Por favor. Preciso que encontre Brittany ou aquela colega dela então poderemos ir embora."

"A ruiva de chapinha? Ela entrou no banheiro masculino com um cara."

Não tive dúvidas. Invadi o banheiro masculino e provoquei um pequeno alvoroço entre caras envergonhados e gente achando que teria a oportunidade.

"Jill" – gritei e comecei a olhar por debaixo dos boxes para ver se encontrava três ou quatro pés – "Jill" – repeti. Tinha pelo menos dois boxes com gente transando ali dentro – "Jill" – esmurrei um deles.

"O que foi?" – ela surgiu no outro abaixando o vestido.

"Cadê a Brittany? Eu preciso ir embora."

"Sei lá. Ela deve estar com o outro cara, sei lá. Brittany é maior de idade."

Esbravejei, mas ela acabou me seguindo apesar dos protestos do sujeitinho. No caminho, agarrei Kurt pela gola da camisa enquanto ele ainda estava atracado com o sujeitinho gay sem camisa. Fiquei furiosa ao ver que Tomiko já não estava mais no mesmo lugar que eu a deixei com Quinn. Segurando a mão de Kurt, procurei na pista de dança e encontrei Brittany ainda com o cara que a estava paquerando desde cedo. Quinn estava ao lado dançando feito uma louca, soltando uhuus e com um copo de bebida em mãos. Tomiko estava ali ao lado dançando como a Velma do desenho do jovem Scooby Doo.

"Britt!"

"Ei San" – ela sorriu alheia ao estado de Quinn.

"Vamos embora? Preciso levar Quinn para casa."

"Mas eu estou me divertindo" – ela fez beicinho – "E Quinn também. Por que não fica mais um pouco?" – Brittany não estava com o bafo tão alcoolizado assim. Dei um voto de confiança.

"Quinn..." – insisti.

"Pode ir, San. Eu volto para casa com Jill. A gente paga um táxi."

"Tem certeza?"

"Tenho."

Peguei duas notas de 50 dólares e as coloquei na mão de Brittany.

"É para o táxi. Fique segura."

Não esperei a recusa dela. Puxei Quinn pelo braço. Fui acompanhada por Tomiko e Kurt em direção à saída do balcão.

"Eu não quero ir embora da festa" – Quinn protestava como uma criança birrenta, chamando a atenção das pessoas ao redor.

"Azar o seu" – o ar frio de Nova York se chocou contra nosso rosto assim que deixamos o balcão.

Foi um alívio deixar de ouvir a música alta.

"Ao menos foi uma grande festa" – Kurt continuou a gritar como se ainda estivéssemos lá dentro. Tomiko começou a rir enquanto eu arrastava Quinn até o meu carro – "Uma pena que não peguei o telefone dele."

"Esse cara já deve estar beijando outro" – rebati e me surpreendi por também ter gritado como se estivesse no galpão – "Entra!" – praticamente empurrei Quinn para entrar no banco de trás."

"Não, eu quero voltar. Estava divertido!" – ela gritou completamente chapada.

Quinn bebia. Demais até em certas ocasiões, mas algo mais aconteceu. Ela não se drogava de forma alguma. Nunca se drogou e era radicalmente contra. Eu que o diga. Quantas vezes ela já me passou sermão ou me olhou com cara feia porque eu tinha fumado um baseado? Alguém deve ter batizado a bebida dela com alguma coisa.

"Cala a boca e entra!" – fechei a porta. Tomiko foi no banco de trás e Kurt entrou no banco do passageiro. Mesmo com algumas cervejas no organismo, peguei a direção. De qualquer forma, não me sentia embriagada.

"Que vontade de fazer xixi" – Kurt disse e fiquei incrédula.

"O quê?" – disse tentando me lembrar do caminho para a casa de Tomiko no Brooklin.

"Eu estou morrendo de vontade de fazer xixi. Com o pinto duro de xixi!"

"Tem certeza que você não está com pinto duro por ter se esfregado com aquele cara?"

"Santana, se você não parar em algum lugar, eu vou fazer xixi no seu carro."

Parei no meio da rua que antecedia uma das principais avenidas. Kurt pulou para fora do carro e foi para trás de uma pobre árvore. Se fosse só isso, estava ótimo. O problema é que Quinn aproveitou para escapar.

"Vou voltar para a festa" – ela disse antes de abrir a porta do carro e sair correndo.

O meu reflexo não estava tão bom. Mas eu abri a porta do carro o mais breve que pude e saí correndo atrás dela.

"Kurt! Kurt!" – gritei por ajuda.

Era um saco correr com bota de salto alto atrás de uma Quinn desvairada. Ela corria que nem o E.T com os braços para cima, gritando. A bota dela tinha um salto pequeno e parecia que a energia dela triplicou sob efeito de sei lá o quê.

"Quinn! Pára!"

"Festa! Uhuuu!"

"Cala a boca!"

"Uhuuu! Uhuuu!"

"Kurt!"

"Tô tentando" – eu o ouvi atrás de mim.

"Anda!"

"Uhumm!"

"O zíper agarrou na pele..."

Imagine a cena. Uma loira correndo à frente gritando sem parar. Seguida de uma morena em ritmo menor por causa de uma baita bota de salto. E logo atrás um sujeito correndo com a mão na frente das calças quase chorando de dor porque o zíper fechou no pênis. Patético. De repente, um carro apareceu acelerado na rua. O meu carro. Tomiko virou o carro de uma vez na calçada um pouco mais a frente de Quinn. Minha cunhada estava alterada demais para ter o reflexo para desviar e seguir correndo. Foi quando tive a chance de praticamente pular em cima dela e agarrá-la.

"Me solta!" – Quinn gritou.

"Você bateu o meu carro!" – não sei se agradecia ou ficava indignada com Tomiko, que estava ao volante com olhos esbugalhados, respirando como um peixe fora d'água.

"Graças a deus" – Kurt chegou atrás de nós.

"Me larga!"

"Meu carro!"

"Eu vou chamar a polícia!" – ouvimos alguém gritar de uma das janelas.

"Entrem na porra desse carro!" – esbravejei.

Dessa vez, Kurt foi no banco de trás com Quinn e eu praticamente empurrei Tomiko para o banco do passageiro. Ela parecia seriamente traumatizada.

"Segura essa coisa!" – disse a Kurt me referindo a Quinn.

"Eu preciso de gelo!" – ele gritou.

"Me leva para casa?" – Tomiko disse com voz miúda.

"Eu quero sair! Uhuuu!"

"Chega!"

E ouve um súbito silêncio. Olhei rapidamente para o retrovisor. Quinn estava com a mão no rosto e com uma cara de choque inigualável.

"Você me bateu" – ela disse baixinho.

Então veio outro momento de choque. Tomiko disparou a rir. A gargalhar alto para fora, como eu nunca a vi fazer antes. Eu comecei a rir também. E Kurt. Só não Quinn que não estava em condições de entender muita coisa naquele momento. Dez minutos depois, chegamos em frente ao pequeno prédio em que Tomiko morava.

"Quer saber?" – ela disse antes de abrir a porta e descer – "Foi uma das noites mais divertidas da minha vida. Obrigada."

Acenamos e se teve algo que me deixou satisfeita, foi tal declaração. Abri um sorriso e voltei a dirigir. Havia um cruzamento numa avenida. As coisas pareciam calmas. O sinal estava vermelho. Havia ninguém ali. Avancei o sinal. Foi quando ouvi a sirene da polícia ser acionada. Estávamos encrencados.

...

Eu nunca estive atrás das grades. Nunca em minha vida. Nunca. Pior. Nunca pensei que amanheceria o dia atrás das grades por desacato. Passei a maior parte do tempo na cela segurando Quinn enquanto ficava de olho em duas garotas que estavam na mesma cela que pareciam mais duas punks do lixão. Elas tinham tomado conta do colchão, enquanto Quinn passou o tempo quase todo sentada no chão e segurando a minha perna. Agora que o efeito do narcótico estava passando, ela se sentia envergonhada. E eu ali, em pé, conversando monossilabicamente com as duas punks.

"Santana Berry-Lopez e Quinn Fabray" – uma policial veio até a cela e a abriu – "Podem sair."

Ajudei Quinn a se levantar e saímos daquele inferno.

"Quem diria que pegaríamos uma hoje que tem costas quentes" – a policial ironizou atrás de nós. Resisti bravamente a vontade de me virar e dar uma resposta direta, grossa e bem dada. O melhor era não dar motivo para me processarem.

Eram sete e meia da manhã e a claridade da luz que vinha da porta da delegacia feriu os olhos de Quinn. Eu não estava de ressaca. Só estava exausta.

"Bom dia, senhorita Berry-Lopez" – meu advogado, Richard White, sorriu cinicamente – "Está tudo resolvido e podemos ir embora."

"E o meu carro?"

"Recomendaria que ele fique no pátio até segunda-feira. Podemos mandar diretamente o mecânico da concessionária vir buscá-lo."

Acenei e fui até o guichê pegar os meus pertences. Kurt apareceu em seguida com cara de poucos amigos.

"Preciso de um óculos escuro" – ele resmungou.

"Boa dia para você também" – disse irônica.

"Podemos ir?" – dr. White ordenou gentilmente. Eu apenas acenei.

Entramos no BMW série 7 sedã preto em silêncio.

"Vamos fazer um pacto" – Quinn disse com a voz rouca – "Nenhuma palavra a respeito do que aconteceu noite passada."

"De acordo" – Kurt e eu falamos ao mesmo tempo.

Saga Familia - UnificadaOnde histórias criam vida. Descubra agora