Capítulo 14: E Se Aquele Fosse o seu Último Dia?

122 24 303
                                    

Depois de décadas de sonhos desconexos e noites tranquilas, Nate voltou a sonhar com Leon. Mal conseguiu acreditar quando despertou com a lembrança daquele que ainda tentava se fazer presente em sua vida mesmo depois de morto, será que nunca seria capaz de deixá-lo partir?

Conseguia recordar-se de cada detalhe daquele pequeno sonho, poderia descrever cada momento de sua vida com Leon mesmo depois de 20 mil anos. Em seu sonho estava na mesma colina de sua antiga cidade onde se encontrava com o amigo sempre que queriam escapar de suas famílias complicadas, passavam longas tardes planejando inúmeras aventuras, observando o longo horizonte além das cadeias montanhosas, imaginado como seria deixar a caótica cidade onde viviam para explorar o mundo do jeito que quisessem, mas infelizmente nenhum dos dois pode realizar esse sonho, e tudo que sobrou para Nate foram as lembranças de seu grande amigo Leon e seus sentimentos por ele que nunca pode confessar.

Enquanto encarava o teto de seu quarto, Nate se permitiu lembrar um pouco mais de Leon, tentando reconstruir a imagem de seu rosto em sua mente, os cabelos castanhos e ondulados e os olhos azuis como o mar para onde os dois sonhavam viajar, às vezes achava que estava conseguindo se esquecer de Leon, mas se lembrava em um piscar de olhos de tudo, não adiantava tentar escapar dele, logo se afogava novamente em Leon e perdia o controle, pois sabia que junto com as lembranças sobre ele, vinham também as lembranças de sua antiga vida.

Nate só viveu até os 20 anos, mal chegou a se aprofundar em sua vida, não chegou a ter uma profissão ou estudos avançados, apenas nasceu e cresceu e logo após isso teve sua vida encerrada, sua existência se resumiu a aceitar tudo que seus pais queriam, foi graças a Leon que seus dias não passavam em vão, ele acreditava no potencial de Nate e dizia frequentemente que ele devia buscar realizar as próprias vontades e não as de sua família, mas a maior vontade de Nate naquela época tão cruel era poder gritar o que sentia por Leon sem correr o risco de ambos serem perseguidos, teve de se conformar em apenas admirar Leon enquanto tinha tempo, sem imaginar que por uma piada do destino ele próprio viria a ser o tempo.
Depois que se tornou um guardião, Nate constantemente se perguntava, “Se eu soubesse que iria morrer, será que eu teria terminado tudo de outra maneira?”, mas nunca conseguia uma resposta, porque ao mesmo tempo que  se sentia arrependido de não ter vivido como quis, também se sentia realmente vivo como guardião, o poder do tempo lhe deu um propósito para se levantar todos os dias que nunca tinha sentido antes, compreendia que essa era sua vocação, mas um lado seu ainda fantasiava diversas outras formas de encerrar sua curta passagem na terra, mesmo que isso lhe fizesse mal.

Se já não bastasse as dolorosas lembranças de Leon lhe rondando a mente, Nate também lidava com outra presença impossível de ignorar, Eli. O amigo guardião da morte era sua principal companhia no Meio, desde que tinha se tornado guardião, Eli esteve ao seu lado, aguentando suas crises existenciais e dramas com toda a paciência do mundo, eram muito mais que amigos, Nate podia até negar se quisesse, mas tudo nele entregava o tanto que gostava de Eli, talvez até o amasse, mas não conseguia entender o porquê de não conseguir dizer isso a ele.

Para distrair um pouco sua cabeça, Nate resolveu se dar um dia de folga, aproveitando que todo o seu trabalho estava adiantado, estava a dias com a cabeça a mil com a organização de sua biblioteca e isso claramente estava lhe esgotando muito. Sentou-se em seu quarto para escrever para Bárbara, logo teria que ir à 1995 para vê-la, e mesmo que a conexão por pensamento deles já estivesse boa, a troca de cartas ainda era a forma preferida de comunicação dos dois, Nate gostava do tom cômico que Bárbara usava para relatar seu dias no passado, normalmente ela era muito séria, mas em seus cartas a garota gostava  de mostrar o seu ponto de vista sobre os anos 90 da forma mais piadista possível, já Nate tentava ser sucinto em suas cartas, mas sempre se empolgava e enchia linhas e mais linhas de futilidades, às vezes o guardião escrevia até sobre o clima, reclamando de como odiava quando o dia ficava quente e o sol esquentava demais os cômodos de sua casa, isso não era ruim para Bárbara, que se divertia lendo as reclamações de Nate.
         
Após terminar mais uma carta cheia de relatos sobre sua semana de procrastinação, Nate começou a escrever aleatoriamente enquanto esperava que algum outro guardião viesse pegar informações consigo ou uma visita de seus amigos, como ainda estava pensando sobre Leon e Eli, nem percebeu quando as palavras sem sentido em seu caderno começaram a formar frases e parágrafos com o que sua mente queria dizer mais não tinha voz para isso, e a pessoa que queria encontrar naquele momento foi a destinatária daquela carta.

Um Esconderijo No TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora