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ISABELA SOUZA;

Ninguém além dela me chamava assim e, pelo incrível que pareça, havia entendido o recado.

Precisava demostrar que aquilo não me afetou. Desde pequena, sempre busquei demonstrar força em tudo que fizesse, gostando ou não. Meu pai mesmo, sempre me ensinou a nunca demonstrar minha fraqueza, muito menos para um garoto. E isso foi aa razão da minha queda. No primeiro e único "relacionamento" da minha vida, deixei exposto todos os meus pontos fracos e ele brincou com cada um deles. 

André não pensava em nada sério, sempre tive certeza disso. Porém estava completamente cega de amor pela imagem de um garoto "perfeito" que havia criado. Era uma tonta estúpida que sonhava demais e não conseguia ver que a realidade não era um conto de fadas. Quando descobri que ele ficava com a minha melhor amiga, meu mundo desmoronou. Comecei a ter problema com autoestima e perdi o ânimo para fazer qualquer coisa. Fiquei dias sem comer e por isso, desenvolvi um quadro anoréxico. Aos meus dezesseis anos, cheguei pesar 42 quilos. Não saía mais pra lugar algum, nem mesmo a escola desenvolvendo, assim um quadro de depressão. Tive que fazer supletivo para terminar meu ensino médio. Aquilo destruiu toda minha família, e se encerrou quando descobrimos o câncer da minha mãe. 

Essa foi a última facada. Ela morreu poucos meses depois, já estava em um estágio muito avançado quando diagnosticou. Me sentia culpada. Se não desse tanto trabalho com meus problemas, ela poderia ter alguma chance. Depois de toda desgraça, resolvi que nunca mais iria deixar-me abalar ou humilhar por alguém. Nenhum menino pagaria a morte da minha mãe. 

Encontrei no teatro uma forma de tentar ganhar força. Ou, pelo menos, fingir ser forte. Desisti da profissão dos meus sonhos, pois nunca seria boa como minha mãe e, quando completei dezenove anos, busquei um curso barato e perto da minha casa. Horas e horas naquela pequena academia, me renderam ótimos resultados. 

Com meus vinte e muito esforço, ganhei uma bolsa para a melhor companhia teatral brasileira. Fiz algumas novelas em emissoras pequenas, mas reconhecia que minha verdadeira paixão era peças teatrais. Amava estar no palco. Gostava de sentir a energia das pessoas, os holofotes na cara e sempre improvisar. Eu sempre fui boa nos improvisos, acho que como um dom.

E toda minha carreira por aqui, chegou por gmail com uma proposta do diretor da companhia "Aquarelas", ele queria reunir pessoas de vários países para rodar os palcos do mundiais. Fiquei feliz quando descobri que consegui passar. 

André me ajudou com muitas coisas, já que ele morava a mais tempo. Fiz o mesmo com a Gabi. Inclusive, nós três, resolvemos nosso passado em um bar de esquina, e o mais engraçado foi que, pelo incrível e estranho que pareça, eu era a melhor resolvida com a situação toda.

Depois que havia superado tudo, vi que poderia piorar. E foi aí que toda a tragédia começou. Todas as desgraças possíveis e imagináveis — até as que não são minhas — presenciei em Buenos Aires. Olhando para trás, me perguntava se realmente valeu a pena largar tudo por isso.

— Tudo bem? — a voz de Julio ecoa me tirando do turbilhão de pensamentos em que estava envolvida.

— Sim. — em um movimento, sequei meus olhos marejados. — Está tudo bem. — confirmei em tom mais firme.

— Já te disseram que é uma péssima mentirosa? — neguei com a cabeça. — Que irônico o destino, não? Uma atriz não sabendo atuar. — debochou.

— Continue. Por dentro, estou rindo horrores. — retribuí o deboche.

— Você sabe que comigo não precisa fingir ser a inabalável, não é? — se aproximou, sentando-se na ponta da cama. — Posso te ajudar.

— Saí. — pedi apontando pra porta com voz trêmula. — Saí agora, Julio. — tentei me recuperar e gritei ainda mais alto. — Por favor. 

— Isa... eu.

— Não quero e nem preciso da sua ajuda. — cortei antes que ele continuasse. — Some daqui! — tentei segurar minhas lágrimas, mas elas travavam uma guerra contra meus olhos. Pareciam estar presas em cativeiro. Apenas as liberei. — Julio, não quero você aqui. — falei entre soluços. — Saí. — implorava. 

Não queria mostrar meus pontos fracos à ele. Principalmente um babaca como o Julio.

— Tudo bem. — dando-se por vencido, saiu me deixando sozinha com meu vazio.

Em menos de dez segundos, vi a maçaneta girar e, sem que pudesse ter alguma reação, o espanhol foi até mim e me abraçou. Não muito bem sobre, mas era a segunda vez que eu sentia uma energia boa percorrer meu corpo com um abraço de Julio. Era como um choque elétrico causado apenas com nossos corpos entrelaçados. 

Nosso abraço rendeu mais do que o esperado. Pela primeira vez em muito tempo, me abri para desabafar todas as mágoas que acumulei pela minha humilhante e triste vida. Do jeito que estávamos, pegamos no sono.

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Melissa nos acordou, ela tinha que dar o almoço que já estava mais do que atrasado pela soneca que resolvemos tirar. Ótimo, ver a cara dela já me fazia acordar rolando os olhos, enquanto Julio parece um idiota a olhando.

— Não queria acordar vocês.

— Então por qual razão nos chamou? — retruquei sem pensar e, seguidamente, senti o olhar de Julio me fuzilando.

— Perdão, mas já são quatro da tarde e você ainda não almoçou. Os medicamentos são fortes, não posso te deixar sem comida. — novamente rolei os olhos sem nem disfarçar minha insatisfação.

— Obrigado por nos chamar. — o bobo alegre, disse agradecido.

Mesmo contra minha vontade, levantei e Julio me ajudou com o almoço. Novamente, me deu comida na boca como se lidasse com uma criança, entretanto não podia reclamar ou então ficaria sem comer.

Depois que almocei, ele foi até o refeitório para almoçar e aproveitei para me atualizar sobre a situação que André nos meteu. 

De mal a pior, esse era o nosso estado. Todos já haviam negado umas vinte entrevistas para emissoras, revistas e jornais. Valentina, cada minuto que passava, ganhava mais seguidores. Cheguei a pensar em desativar minha conta pelo número de ataques que recebia, mas logo imaginei que seria suspeito.

Quando, mentalmente, terminei de xingar o André de todos os palavrões que existiam em meu dicionário, resolvi que precisava me distrair de outra forma. Liguei a televisão que havia no quarto e, durante um certo tempo, fiquei passando por diversos canais. Uma notícia me chamou atenção, então resolvi parar naquele canal, e segundos depois me arrependi amargamente da minha escolha.

Na reportagem;
O grupo em questão, faz parte da companhia Aquarelas, na cidade de Buenos Aires. Todos os jovens são suspeitos pelo assassinato da colega Valentina Gonzalez, atriz de 22 anos. Não sabemos muitas informações sobre o caso, ou sobre quem está usando as redes sociais da morta, mas a conta já atingiu um milhão e quinhentos mil seguidores em pouquíssimo tempo após um tweet feito há minutos atrás com a seguinte mensagem: "Não esqueçam que um deles me matou. Vivam pela minha justiça, pois quem me assassinou quer mais sangue!".

— Só pode ser brincadeira. — desliguei a TV com raiva. 

— O que aconteceu? — Julio, que havia demorado para retornar, apareceu confuso pelo meu semblante de raiva. 

— Agora, além das mensagens, versículos e todo o resto, os demônios tem acesso ao Twitter. — desbloqueei meu celular, abri no Twitter e mostrei pra ele sobre o que eu falava.

— Ela tweetou?

— Ela está morta. — retruquei.

Senti meu celular vibrar e notei que o mesmo aconteceu com o de Julio. Uma nova mensagem no grupo me deixou ainda mais irritada. Nem sabia que era possível.

"É Julio, parece que muita coisa aconteceu enquanto você pegava a enfermeira na salinha de limpeza".

24 de JunhoOnde histórias criam vida. Descubra agora