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ALAN MADANES;

Passaram-se duas semanas desde o incidente que optei por não lembrar, pensar ou falar. As coisas não deveriam ser assim, Agustina e Esteban mereciam um destino melhor.

Ao afastar minha cortina da janela, notei, pela fresta que estava disponível, que fazia um dia nublado e fresco lá fora. Desde pequeno, sempre gostei do tempo fechado, enquanto que Giulia amava verões. Eu tinha um fetiche de, ao acordar, abrir minha janela e sentir a brisa gélida entrar em contato com minha pele quente. Sempre me causava bons calafrios. Ótimo para aqueles que são apreciadores desse tipo de sensação.

Emma nos pediu para acordarmos cedo e irmos ao seu encontro no parque. Normalmente, quando iríamos à delegacia responder todas as milhares de perguntas — as quais se renovavam semanalmente — nossa advogada pedia para marcarmos um encontro antes, assim discutíamos o que seria o ideal para cada um falar. Era como um ritual e sempre nos tranquilizava. 

Aprendia qual era a melhor forma de me posicionar frente as autoridades, o que era de extrema importância, pois um músculo movido errado, poderia ser considerado o culpado pelo assassinato de Valentina.

Após apreciar a vista do inverno em Buenos Aires, decidi levantar, me aprontar para nosso compromisso e chamar minha irmã para um café. Giu costuma ficar nervosa antes dos interrogatórios, ela sempre teve medo, pois sua experiência com esse tipo de ambiente, começou já bem nova. Nossos pais foram afastados quando éramos crianças.

O dono dos espermas, foi para cadeia depois de assassinar, brutalmente, nossa mãe, e desde que presenciei essa cena, tudo mudou em minha vida. É muito difícil sentir-se confortável e sem nenhuma sequela, após dar queixa de seu "pai" para polícia. Eu compreendo que os dois eram pessoas difíceis, porém o papai era agressivo e sempre nos batia. Devido aos efeitos das drogas que usava, era "normal" que, quando chegasse a casa, o monstro distribuísse tapas e socos que sempre começavam em minha mãe, depois em Giulia, e por fim, em mim, já que nunca aceitei que elas apanhassem apenas por serem mulheres.

Basicamente ele era um grande machista de merda. Sempre dizia que, na cabeça dele, a mulher — ou melhor dizendo, sua propriedade — deveria apanhar se não cumprisse suas obrigações e serviços.

Não aceitava. Não gostava dele batendo em minha mãe, não gostava de vê-la chorar, não gostava de vê-la machucada, ou com medo. Tentava fazê-lo parar, porém minha pequena força contra dele era inútil. 

Até que ele terminou o serviço. Minha mãe morreu protegendo Giulia de um abuso enquanto dormia. Viver isso foi muito difícil e ser obrigado a lidar, mais ainda. Aos meus dezoito anos tive que cuidar de Giulia. Por isso sou tão protetor, ela é importante demais para que eu a deixasse cair na lábia de qualquer um.

Gostava do Guido, ele foi o único que me passou confiança. Mesmo que agora Giu fosse maior de idade, eu ainda gostava de opinar nas escolhas que ela fazia, mesmo sabendo que a decisão final, só cabia a ela.

— Bom dia, estranha. — baguncei seus fios loiros com implicância. — Dormiu bem?

— Você tem que parar com essa mania. — tirou minhas mãos de sua cabeça. — Depois desses "carinhos". — fez aspas com as mãos. — Termino parecendo um poodle. — deu língua.

— Que garota mais chata! — disse me afastando e caminhando até a cozinha para preparar o café. — É uma miragem? Você fez meu café? — Giulia não acordava cedo, então sempre sou eu que faço, mas pelo visto hoje foi diferente.

24 de JunhoOnde histórias criam vida. Descubra agora