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MANOELA SANTIAGO;

Em ordem alfabética, guardei alguns papéis que não seriam mais utilizados na primeira gaveta da mesa. Balbuciei um pouco do novo café que me entregaram minutos antes e respirei fundo ao perceber o vazio momentâneo estabelecido no lugar.

Meus olhos pesavam e meu corpo mostrava-se entregue ao cansaço a ponto de que manter minhas costas apoiadas na cadeira tornou-se desafiador. No meu nível de exaustão, a cafeína deveria ser injetada diretamente na veia para que surtisse algum efeito.

— Com licença. — como um sussurro, uma voz adocicada invadiu o silêncio. — Posso? — cuidadosamente, apontou para a única cadeira disponível na sala.

Sem controle dos movimentos, rolei os e suspirei derrotada, porém, ao cair na realidade, retornei ao foco. Terminei, em uma golada, o conteúdo restante no copo de papel e a encarei de cima à baixo expressando um misto de curiosidade e frieza.

A mulher tinha seus fios em tom escuro, batendo na altura de sua nuca. Sua baixa estatura era totalmente coberta por casacos e calças largas e, para completar sua forma peculiar de vestir-se, usava um All Star encardido, que acreditava já ter sido branco algum dia.

— Por favor, sente-se. — gesticulei. A morena agradeceu dando um breve sorriso ladino, aparentemente, ignorando meus maus modos e a péssima recepção que meu cansaço fez com que a oferecesse. — Daniela Trujillo? — questionei e ela anuiu. — Pronta para iniciarmos? — fitei seus olhos castanhos claros que percorriam todo o entorno da sala, perdidos e sem brilho.

— Acredito que estou. — respondeu engolindo a seco e aceitei.

Trouxe o caderno para mais próximo de meu corpo e, com calma e sem quebrar o contato visual, afundei a parte superior da caneta fazendo com que sua ponta aparecesse. O pequeno estalo consequente do movimento, foi capaz de sobressair na quietude do ambiente.

— Devo começar te perguntando como era sua relação com a vítima. — expliquei. — O que poderia me dizer sobre isso? ­ — posicionei a caneta sobre a folha e subi meu olhar ao encontro do seu.

— Na medida do possível, agradável.

Daniela não possuía firmeza em sua voz, parecia nervosa demais ao pronunciar a curta resposta. Sem contar a forma com que olha para minha mesa como se ela fosse a coisa mais interessante ao seu redor.

— Então vocês duas tinham suas desavenças. — conclui e ela, lentamente, maneou a cabeça em concordância. Segundo os outros interrogados, a vítima não era alguém fácil de se conviver, então, provavelmente a senhorita Trujillo pensaria da mesma forma. — Por acaso teria motivo para matá-la? — completei.

— Nosso relacionamento era conturbado e...

— Não foi o que perguntei. — interrompi. — Por favor, Daniela, apenas responda as perguntas que eu te fizer. — novamente, solicitei.

Puxou as mangas e cobriu as mãos, abraçando seu corpo seguidamente. Ela mostrava que se sentia desprotegida com meus questionamentos e havia fraqueza em sua expressão. Sua íris permanecia fixas em um ponto e suas pernas tremiam freneticamente.

— Sim. — em baixa voz entregando-se apreensiva com sua resposta, confirmou minhas suspeitas.

— Por acaso fez isso? — perguntei com curiosidade ganhando, mais uma vez, o silêncio como resposta. — Você matou Valentina Gonzalez? — insisti de maneira mais severa. — Daniela? — sem paciência, espalmei a mesa gerando um grande estrondo que fez seu corpo esguicho saltar. — Responda!

Daniela, unindo as forças que lhe restavam, cerrou os olhos visando obstruir a passagem às lágrimas, porém não obteve sucesso. O choro jorrava pela pequena abertura da união de suas pálpebras. Por poucos segundos seus olhos vermelhos e vazios encontraram com os meus, mas a garota quebrou o contato voltando a abaixar a cabeça e, fazendo o queixo encostar no peito, sussurrou "Eu não sei".

24 de JunhoOnde histórias criam vida. Descubra agora