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Eileen

Ganhei coragem.

Contive todas as minhas lágrimas, entrando em casa. Começava a ficar algum vento e muito desconfortável no jardim.

Convidei Ander a entrar, visto que o rapaz estava realmente preocupado comigo. Honesta, não queria ficar sozinha. Preocupava-me toda a linha de pensamento que podia desenvolver. Já na presença dele, abstraía-me.

Ou nisso queria acreditar.

Surpreendi-me ao encontrar a Constança adormecida sob as bonecas. Desajeitadamente, peguei na criança ao colo.

- Vou só deita-la, está bem? Fica á vontade. - O rapaz assentiu, encarando-me.

Subi lentamente as escadas.

Deitei-a na sua cama e cobri o seu corpo com o lençol claro. Deixei um beijo no rosto dela, sem saber como contar o que aconteceu. Era grave e precisou de intervenção cirúrgica.

Suspirei novamente, tentando soltar um pouco da tensão e preocupação que sentia.

Ao regressar á sala, Ander arrumava as bonecas na pequena caixa cor de rosa, com uns quantos rabiscos da Constança.

- Desculpa a confusão.

- Não tens que te desculpar. - Ajudei-o a pegar nos últimos brinquedos e fechei a caixa. - Bem, queres alguma coisa?

- Que te sentes ao meu lado e partilhes comigo o que tanto te está a preocupar.

Murmurou calmo, num tom confortável.

Assim o fiz.

Sentei-me a seu lado, virada para ele. Mordisquei os meus próprios lábios, ainda sem encontrar as palavras certas. Ainda não sabia o que queria fazer, se queria realmente contar ou se apenas queria a presença dele.

Após pousar a mão no meu joelho, para me trazer de volta àquela divisão da minha casa, os nossos olhares cruzaram-se.

- A minha mãe está presa. E foi atacada.

Disparei sem pensar. Foi uma escolha de palavras bastante agressiva, pois o Ander nada sabia sobre mim. Ou sobre ela. Sobre o que fez com que fosse presa.

E daquela maneira, não ficou nada bonito.

- O que aconteceu?

- Foi para nos proteger. Passamos pelo inferno quando voltamos a Portugal.

O rapaz ficou em silêncio.

As minhas mãos tremiam, não sabia se deveria ou não continuar a contar-lhe. Se era errado ter começado a fazê-lo.

- A minha mãe juntou-se com outro homem. E ele revelou-se uma besta com ela. E depois com a Constança e comigo. Ela ainda era bebé. - Ele segurou as minhas mãos, visto que entrelaçava os dedos uns nos outros.

Sentia-me vulnerável.

Tocava na minha maior ferida. No maior ponto fraco que alguma vez tive na vida.

- Esse homem... Bem, bateu-te?

- Quando defendi a minha mãe. Há cerca de três meses atrás, ele perdeu o controlo como eu nunca tinha visto. Tu não imaginas. - Encarei o Ander, relembrando-me.

Era tão fácil lembrar-me, tornar aquela noite em palavras. Como se estivesse a viver tudo de novo e com a mesma intensidade.

Não esqueci um único detalhe.

- Começou a partir a casa, a agredir a minha mãe. Ainda me fechei no quarto da miúda, mas ele conseguiu entrar.

Balanceei a cabeça, sentindo lágrimas arder no interior dos meus olhos.

- Foi horrível. Só terminou quando a minha mãe lhe deu um tiro. Ele morreu de imediato, a Constança assistiu a tudo. A minha mãe estava num estado... Coberta de sangue. - Murmurei, suspirando frustrada.

- E foi presa? Foi em legítima-defesa.

- A lei é uma merda, Ander. E antes da lei, nós, mulheres somos desvalorizadas. Se não fosse a minha mãe, não estávamos vivas para contar a história. Consegues imaginar?

- Não, claro que não consigo. Nem sei o que dizer, Eileen. É injusto o que fizeram com ela, o que está a passar. Não podem fazer nada?

- A advogara bem que tentou. - Encolheu os ombros. - Mesmo assim foi condenada. Ele era muito bem-visto por toda a gente. Foi difícil de acreditar que era um homem violento e o que a minha mãe contou em tribunal. E no fim, tudo se resumiu a quem matou quem.

O Ander suspirou, aproximando-se de mim.

Balançou a cabeça, mostrando-se triste com o que havia contado. Preso no mar de lágrimas á beira dos meus olhos, pousou os dedos no meu rosto e mordiscou os lábios.

Forcei um sorriso fechado, baixando a cabeça, reparando que o rapaz ainda segurava a minha mão, ambas pousadas na minha perna.

Senti os seus dedos no meu queixo, para que o olhasse de novo. O que fiz.

- Como está a situação? Do ataque.

- Não me disseram muito. Ela está no hospital, foi operada. Ou ainda vai.

- É grave?

- Penso que sim. Nem tenho como ir a Portugal, o meu pai só chega daqui a dois dias e a Constança não pode saber.

- Calma Eileen. Amanhã ligas para onde quer que consigas informações sobre o estado dela e depois, pensas no que fazer. É tarde, não podes fazer nada agora.

Balancei a cabeça.

Sabia que ele tinha razão e tentava conter-me o máximo possível para não perder a cabeça ou a calma que lutava para ter.

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