Capítulo 03

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A noite estava fria e o que eu conseguia fazer era me deitar sobre aquele chão duro e me encolher para não ter uma hipotermia. Não havia ninguém na rua, nem ao menos carros estavam passando. Somente o vento soprando sobre às árvores que balançavam sem parar.
Meu rosto estava inchado de tanto chorar e meu corpo estava com hematomas roxos que pareciam que nunca iriam sair.
Tentava pensar em minha mãe e eu quando ainda era apenas uma criança que nunca imaginaria que aquilo iria acontecer aos meus 18 anos. Também tentava imaginar ela ao meu lado me confortando e protegendo-me, isso fazia com que eu me acalmasse.
Mas quando vinha à imagem de meu pai me espancado e colocando-me para fora de casa meu coração começava à acelerar e uma raiva severa tomava conta de meu corpo.

Não conseguia dormir por conta do frio que estava fazendo, e os meus pensamentos não colaboravam. Além do chão de uma calçada que me fazia ter uma dolorida dor nas costas.

Tomei um susto quando vi o sol dominando aquele céu que à horas atrás estava estrelado.
Às olheiras já tomavam conta de meu rosto, eu precisava dormir, pois se não ficaria com fome e não teria o que comer. Bom, de qualquer jeito não escaparia dela, A FOME.

Estava na frente de um comércio, e minha roupa já estava bem suja, pois eu estava deitada sobre o chão onde todas às pessoas pisavam.

Derrepentemente às portas que estavam atrás de mim se abriram, e eu pensava que finalmente alguém apareceria para me ajudar.

- Quem é você, e o que está fazendo aqui?  - Um senhor de cabelos morenos me perguntou.

- Eu...eu - Não consegui responder.

- Acho melhor você sair. - Ele respondeu, com um olhar que refletia uma certa raiva.

- Por favor, me ajude! - Implorei, me levantando do chão.

- Ajudar com o quê garota? Você me parece ótima. Arrume um emprego e pare de pedir esmolas para às pessoas que precisam gastar o seu dinheiro com coisas melhores do que mendigos. - Entrou para dentro daquela loja novamente.

E mais uma vez o meu coração foi despedaçado. Como pode existir pessoas tão más nesse mundo? Eu só queria algo para comer, ou até mesmo um lençol qualquer para me cobrir durante o frio da noite, talvez até mesmo um pedaço de papelão para servir de colchão.
Não era nada fácil viver na rua. Eu já estava faminta, e não achava nada para comer. Em todos os estabelecimentos que entrava, às pessoas me negavam alimento de uma forma que fazia com que meu coração doesse cada vez mais.

Já estava cansada de tanto entrar e sair de lojas, além da enorme sede que estava sentindo, mais diversos lugares possuíam água de graça. Os alimentos que às pessoas cobravam por todos, e eu me perguntava o porque disso, parecia que ninguém tinha empatia com o próximo, poderiam pelo menos pensar nos moradores de rua, e eu agora era uma.

Mas, andando por um parque, me deparei com uma lata de lixo e, tive que revira-lá para tentar achar algo. Nunca pensei que eu estaria fazendo isso, porque comigo? Eu era uma pessoa tão boa!
Depois de 20 minutos mexendo em um lixo rodeado de bactérias, eu encontrei um pequeno biscoito ainda intacto que parecia ser bom. Somente ele não iria matar minha fome, mais era melhor do que nada.
Sentei-me em um banco e começei a comer aquele pequeno biscoito, e não levou menos de 3 minutos.

Eu já estava toda suja, meu rosto que antes era todo hidratado, agora estava cheiro de poeira. Minhas roupas que eram todas de marca, pareciam que foram retiradas do lixo. E meu cabelo, que antes era lavado todos os dias, possuía nós que não podiam ser desfeitos com às mãos. Eu estava completamente cansada de existir, todos os dias pareciam não passar nunca, e um minuto parecia ser uma hora. Meus pés estavam descalços, pois haviam roubado meus sapatos enquanto eu dormia. O sol escaldante que fazia naquele dia os queimava, o que causava uma dor enorme. Eles já estavam cansados de tanto andar.

Mas, eu insisti em ficar andando, tentando achar um estabelecimento para conseguir algo para comer, e, passando na frente de uma senhora que também morava na rua, ela me chamou  discretamente com sua voz fina e calma.

- Está procurando comida mocinha?

Ela possuía cabelos brancos e uma pele morena, já flácida. Seu rosto estava bem sujo, assim como suas roupas. Estava sentada sobre um pedaço de papelão e ao seu lado havia alguns pedaços de pano.

- Eu estou. - Limpei uma lágrima que escorria em meus olhos.

- Toma. - Apanhou um pedaço de pão e me entregou. - Me deram hoje de manhã.

Pela primeira vez na rua, meu coração não se despedaçou. Desta vez, eu senti ele ficar aquecido com a bondade daquela senhora. Mais aquele pão era o seu único alimento, e eu não queria deixa-lá sem nada.

- Não posso aceitar, é o único alimento que você tem.

- Eu faço questão. Você parece estar faminta. - Ela deu um sorriso de lado.

Fiquei confortada ao saber que às pessoas que estavam na rua tinham mais empatia do que às que não moravam. Só aquela que dormiu no chão de uma calçada em noites frias sabe como é difícil.

Sentei-me ao seu lado e dividi aquele pedaço de pão no meio para que ela comesse juntamente comigo.

- Eu me chamo Elizabeth, mais pode me chamar de Beth. - Olhou com seus olhos brilhando para os meus.

- Larissa! - A comprimentei.

- O que uma moça como você faz na rua? - Ela me perguntou, e em seu olhar eu percebi uma certa tristeza.

- É uma longa história. - Brinquei.

- Conte-me por favor!

- Resumindo, meu pai me expulsou de casa. - Mordi um pedaço daquele pão. - Ele era alcoólatra.

- Eu sinto muito. - Abaixou sua cabeça, deixando seus vários fios brancos à mostra. - Você é tão nova, e tão bonita! Não deveria estar aqui.

- Eu também estou desapontada, já chorei tanto por conta disso!

- Está tudo bem. - Ela me deu um abraço demorado que me fez sentir uma enorme segurança, deixando aquele medo todo para trás. - Tenho certeza que você vai sair dessa.

- Eu espero. - Dei um sorriso. - E você, como veio parar aqui?

- Também é uma longa história. - Respirou fundo. - Eu tinha uma casa, um carro, um emprego, me sentia completamente realizada. Mais a idade chega pra todos, não é mesmo? E com 60 anos meus filhos me abandonaram friamente, deixando-me na rua sozinha, sem ninguém.

- Eu sinto muito! - Coloquei uma de minhas mãos sob seu ombro. - Sei como é a dor do abandono.

- Dói Larissa, mais sabe o que mais dói? - Suspirou novamente. - A fome, a fome dói.

- Sim, e muito. - Escorreu outra lágrima por meu rosto. 

Ela então percebeu que meu olhar estava tristonho e decidiu me distrair.

- Hoje, com 65, eu sou conhecida como a avó do pessoal da rua! - Gargalhou.

- Só você para me fazer rir perante essa situação Beth! - Dei um sorriso de lado.

Terminamos de comer às nossas metades daquele pão e conversamos sobre diversos assuntos. Eu nunca tive alguém para desabafar sobre meu problemas, e Beth foi a pessoa perfeita para isso. Em pouco tempo de conversa ela me fez ver o mundo de uma maneira completamente diferente do que eu já estava acostumada.

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