VIII - Dentro de um barco

28 9 27
                                    


O som ansioso das sirenes crescia imparável, formando um aviso de que o tempo era curto e de que em breve se esgotaria. De alguma maneira a polícia descobrira o esconderijo aparentemente inviolável de Ringo, o armazém do cais antigo, e estava a dirigir-se para lá com grande pressa. Teria havido uma denúncia, sem dúvida. Alguém que tinha reparado num carro enferrujado a andar entre os contentores também cobertos de ferrugem, alguém que reparara no exaurido Renault ali estacionado, alguém que simplesmente vira os quatro suspeitos a entrar no armazém. Alguém que os seguira... menos provável, mas todas as teorias eram válidas naquele momento.

Não importava. O que interessava era que tinham sido descobertos e havia que reagir com rapidez para voltarem a iludir as autoridades e não terminarem numa prisão onde passariam aquela noite.

John Lennon rasgou um sorriso torto. Era uma estupidez a polícia estar a chegar com as sirenes ligadas e naquele alarido. A intenção era ter prioridade no trânsito, claro, pois estava em marcha de emergência e precisava que os outros automóveis lhe desse passagem na aproximação ao cais antigo. Mas por outro lado... avisava quem queria surpreender. Partiam do pressuposto de que eles estavam encurralados, de que não podiam fugir.

E eles podiam ainda fugir... certo?

Paul, George e Ringo entreolharam-se assustados.

- O que faremos agora? – perguntou George em pânico.

- Podemos fazer alguma coisa? – analisou Paul nervoso.

Errado. Estavam encurralados e não podiam fugir. John reparou na palidez de Ringo e lembrou-se da localização daquele armazém, junto a um ancoradouro desativado, num beco, a estrada que terminava naquele lugar era de dois sentidos apenas. Um para entrar, outro para sair. Os carros de polícia iriam criar uma barreira, deviam estar já a ocupar as duas faixas. O seu chaço também não aguentaria outra competição a alta velocidade e o combustível não chegaria para essa aventura. Olhou para Ringo que saltava de detrás da bateria.

- Venham! Depressa!

John lembrou-se do dinheiro e, ainda com a guitarra pendurada ao pescoço, cinto a bater-lhe no esterno, lançou-a para as costas e agarrou-se ao monte de notas. Enfiou-as dentro do saco castanho que apanhara do chão.

- Vamos onde?! – indagou Paul a gesticular intensamente, a apontar para o teto, para o portão, para os caixotes do cenário, para a janela. – A polícia está a chegar!

- Talvez possa justificar-me e contar-lhes que sou um refém...

- Cala-te, George! – vociferou Paul.

- Só disse talvez... – murmurou George encolhendo os ombros. Tinha as mãos a tremer.

- Isso. Cala-te, George – concordou John fechando o saco puxando os cordões da abertura, atando um nó firme.

Ringo arrastou a mesa para o lado, deu duas patadas no soalho que levantou uma nuvem de pó. John ergueu o saco num gesto insano, para que não se sujasse. Era leve, demasiado leve para quatrocentos mil euros bem contados e bem redondos. Paul aproximou-se receoso, espreitando o portão, controlando o som gradual das sirenes.

- O que estás a fazer?

- A tentar descobrir... Ah, aqui está!

Ringo atirou as mãos ao soalho e pôs-se a raspar com as unhas, até que encontrou o que queria. Enfiou um dedo, dois. Tateava uma figura geométrica que começou a desenhar-se na sujidade. O risco que se ia formando eram as arestas de um quadrado.

- Mas o que está ele a fazer?

- Qualquer coisa serve, neste momento, Paul – disse John, ajeitando a guitarra numa mão, o saco do dinheiro na outra. – Não podemos sair pelo portão, a polícia está a chegar e as traseiras desta espelunca estão bloqueadas com todos aqueles caixotes, material de pesca e sabe-se lá o que mais. Parece-me que ele tem um plano.

Na Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora