XXII - Um lugar acolhedor

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Chegaram a Viejos perto do pôr-do-sol e com o estômago a pedir comida. Não se tinham preparado, como os outros passageiros, com um farnel e depois de se divertirem com a música que improvisaram e partilharam, deitaram-se a dormir, cansados com os balanços do autocarro, a escorrer suor e a pensar num apetitoso jantar que o dinheiro da carteira de Paul iria pagar na aldeia.

O terminal de Viejos era semelhante ao da vila de onde tinham partido. Um toldo improvisado, bancos de pedra, um quiosque maltratado. Àquela hora do dia não existiam novos passageiros e nem se faria a viagem de volta, compreenderam, ao notarem que o motorista estacionava o autocarro e deixava-o trancado, desaparecendo de seguida nas sombras que se alongavam nas ruas. Aliás, todos os outros passageiros tinham sumido, indo às suas vidas, transportando as suas bagagens e as gaiolas das galinhas.

De repente, os quatro rapazes tinham ficado sozinhos, em terra estranha.

Porém, havia uma certa atmosfera mais desanuviada naquele lugar. Um odor a flores vespertinas, que desabrochavam no final do dia para receber a humidade cálida noturna, vibrações musicais muito ténues a viajar pela atmosfera, um riso algures perdido que indicava alguém com muito bom humor. Num monte que dominava o pequeno burgo erguia-se uma igreja de estilo colonial com a fachada iluminada e os cabos onde se penduravam lâmpadas brancas e amarelas formavam uma intrincada teia que se estendia até ao adro. As casas eram na sua maioria baixas, mas havia uma casa maior, senhorial, numa arquitetura antiga em branco e negro, oposta à igreja, que constituía a habitação do governador.

Eles puseram-se a caminho, com os seus instrumentos musicais às costas, a bolsa do dinheiro a tiracolo. O terminal do autocarro ficava no extremo mais afastado de Viejos e logo que entraram na aldeia, naquilo que se assemelhava a uma avenida larga, com estabelecimentos abertos, portas escancaradas a deixar passar luz quente e perfumes de comida deliciosa e caseira, começaram a ver pessoas e rostos animados. Logo os quatro rapazes se descontraíram pois os indígenas cumprimentavam-nos com sorrisos e acenos. Obviamente que sabiam que eram estrangeiros, mas não os tratavam com antipatia por isso.

A barriga de Ringo começou a roncar pronunciadamente, a de George fazia coro. Os restaurantes sucediam-se ao longo daquela avenida, com prenúncios de refeições tão apetitosas que o baterista e o guitarrista fizeram menção, por várias vezes, de entrar num e desatarem a pedir tudo o que o menu oferecia. John e Paul puxaram-nos pelas respetivas golas.

- Esperem! Nós também temos fome – disse Paul com toda a ponderação que conseguiu reunir, pois estava a sentir-se a desfalecer, igual aos amigos. – Primeiro vamos encontrar um sítio para passar a noite. Não acredito que a esta hora alguém nos consiga arranjar um carro para irmos até à cidade da Margaret. Descansamos...

- Comemos e bebemos – cortou John com um aspeto zangado e impaciente.

- Sim, comemos e bebemos! – concordaram George e Ringo ainda mais zangados e impacientes.

- Muito bem, comemos e bebemos – concedeu Paul com um suspiro, penteando a franja –, dormimos e amanhã verão que, de forças renovadas, já veremos o mundo com outros olhos. Temos ainda uma longa viagem, mais outra, pela frente.

- Vamos à festa...

- Qual festa, Johnny?

- Parece que se está a preparar uma festa. Não ouves a música? E aposto que vai acontecer junto à igreja. Algum feriado local ou coisa parecida.

- Esta gente deve ser alegre, por natureza. Isso não quer dizer que estejam a preparar alguma festa.

- Não me parece, Macca.

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