Nos olhos da mulher atravessou-se um clarão de espanto que logo foi empurrado resolutamente para as traseiras da consciência, num passe de frio calculismo, correntemente designado por instinto de sobrevivência. A sua expressão desanuviou-se e tornou-se amigável, mas de uma forma artificial naqueles primeiros segundos. Pestanejou para substituir a duplicidade ainda patente no rosto pálido por uma máscara de surpresa, de apreço, um quase olhar carinhoso. Continuava a parecer forçado, desagradável. O tal instinto a ditar-lhe que se comportasse de maneira diferente daquela que sentia realmente.
Os dedos lestos da mulher dobraram uma folha em quatro, guardou o papel na bolsa que tinha sobre as pernas, debaixo do tampo da mesa. Tudo muito rápido, um passe de mágica, com melhor apresentação do que o truque dos cartões de identificação no posto fronteiriço. Então, desabrochou numa atitude descontraída e nada restou da impressão de falsidade anterior.
Paul repetiu surpreendido:
- Margaret.
- Paul!
- O que fazes aqui?
Antes que a situação de alongasse ao ponto de obrigá-la a uma resposta que destruiria o seu esforço, ela lançou-se ao pescoço de Paul e deu-lhe um abraço apertado.
- Margaret...
- Oh, estou tão contente por voltar a ver-te! Que surpresa tão boa!
John, no entanto, achou tudo exagerado. Cruzou os braços, mantendo-se alerta e desconfiado. Queria encontrar o erro, propôs-se a isso. Para que fim, não sabia bem explicar. Tinha uma comichão na nuca que o incomodava e não bastava coçar-se.
Ela despegou-se de Paul, deu-lhe um beijo curto nos lábios. Sorria-lhe, suspirou. Parecia verdadeiramente feliz, solidamente feliz. O que havia ali de esquisito? Tudo ou talvez nada.
Ela, de seguida, sorriu-lhes, a todos eles, passando os olhos por cada um dos três rapazes, uma demonstração sincera de que estava contente por revê-los, de igual modo, sem exceção, mesmo que continuasse agarrada a Paul. George e Ringo, depois John que semicerrou as pálpebras, na sua análise inexplicável. O mais novo acenou-lhe com a mão, o baterista murmurou um "olá", o líder do grupo, John Lennon, não se manifestou. Não conseguia descolar os lábios para o que quer que fosse, falar ou sorrir ou fazer uma careta.
Um reencontro agradável e improvável, quando se conheceram em circunstâncias tão extraordinárias. Após um naufrágio. Continuava a ser forçado, postiço, uma atriz a recuperar o controlo da audiência. John que tinha reparado em todas as subtis cambiantes da mulher ficou confuso, pois deixou de ver qualquer sinal que indicava que havia ali qualquer coisa de errado... Olhou para Ringo e para George, mas os dois tinham um ar tão satisfeito quanto Paul, não notaram coisa alguma e ele pensou que estava a imaginar coisas por conta do cansaço.
No entanto...
No entanto, ele não iria desistir.
Ela agarrou nas mãos de Paul, esticou os braços num gesto que indicava que iria começar a rodopiar no corredor da cafetaria, ao som da música que uma jukebox discreta produzia num canto ao fundo, junto à entrada para os lavabos. Respondeu num tom caloroso:
- O que faço aqui? Esta é a minha cidade. Eu moro aqui.
- Pensava que continuavas no barco com o teu pai – explicou Paul.
George e Ringo menearam a cabeça indicando que tinham a mesma dúvida.
- Surgiu... um assunto urgente com o armador e tive de desembarcar pouco tempo depois de vocês.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Na Minha Vida
FanficE se o João, o Paulo, o Jorge e o Ricardo... Não! Vamos recomeçar. E se John, Paul, George e Richard, depois Ringo, se tivessem conhecido em circunstâncias diferentes daquelas em que se conheceram, adolescentes dotados para a música, apaixonados pel...