II - Um passageiro indesejado

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John Lennon sentia-se o homem mais desafortunado do mundo.

Não, corrigiu-se mentalmente... o homem mais desafortunado do Universo inteiro. Nem queria acreditar no seu azar, no tremendo infortúnio de ter perdido mais aquele trabalho e quando sabia que isso não podia acontecer. O Instituto de Emprego não iria aceitar as suas desculpas, nem o técnico que o atendesse seria compassivo, em face da sua ficha deplorável que revelava uma instabilidade crónica no que tocava a uma profissão. Dezasseis empregos arruinados...

Ele não tinha conta bancária, achava um desperdício abrir uma conta para depositar meia dúzia de tostões, recebia o salário através de cheque que ia levantar ao banco. Guardava metade do dinheiro na carteira, a outra metade espalhava por diversos esconderijos pela casa. Começava por gastar o que tinha na carteira e assim que as notas sumiam e esta emagrecia, ia explorando os lugares onde sabia que havia dinheiro escondido. Era como uma pequena caça ao tesouro, fantasiando que não sabia que este estava ali. Na realidade nunca sabia quanto é que escondia em casa, fechava os olhos quando empurrava a gaveta, tapava a caixa ou enfiava um rolo de notas debaixo do colchão, pelo que era quase uma verdadeira caça ao tesouro. Às vezes eram vinte, outras vezes eram cinquenta ou mesmo setenta euros.

Naquele momento ele sabia que a sua casa estava tão despida como a sua carteira. Se encontrasse uma nota de cinco euros já se podia considerar afortunado. Estava à espera de receber dali a dez dias... Era muito tempo, pôs-se a pensar. Iria revirar o quarto onde morava até ter a certeza de que recuperava todo o dinheiro que escondera.

O carro rolava devagar pela estrada pouco frequentada, àquela hora passavam poucos veículos por ali pois a maioria das pessoas estava a trabalhar. O ponteiro do velocímetro indicava sessenta quilómetros por hora e já era uma velocidade enorme para aquele chaço enferrujado. Sim, um ponteiro num mostrador embaciado, que o carro era tão velho que não tinha um painel digital moderno.

Olhou pela janela meio aberta – pois o vidro não baixava até ao fim, por muita força que imprimisse na manivela. Sim, uma manivela, nada de vidros elétricos.

Passava por quintas com terrenos cultivados até perder de vista com milho e trigo, pomares de árvores a exibir frutos deliciosos e brilhantes. Sentiu fome. Do outro lado, o terreno recortava-se em propriedades particulares, enfeitadas com palmeiras e outras árvores exóticas, jardins luxuriantes com piscina, mansões imponentes com os seus telhados de ardósia a brilhar ao sol. O tal senhor Moreira que tinha ficado aborrecido por causa da comida de cão – ao pensar no assunto, achou que o homem já devia andar com a ideia de cortar relações com a empresa e só estaria à espera de uma desculpa para fazê-lo – devia morar numa casa daquele calibre, grande como um palácio, cheio de criadagem e... de cães para guardar os seus muros. Portanto, se não podia usar a comida canídea para a tal festa, podia dá-la aos fiéis animais e aproveitava a encomenda. Claro, só precisava de uma patética desculpa para armar aquela confusão e ele, ainda mais patético, provocara a desgraça que acabara por afetá-lo também.

Era injusto. O chefe se quisesse...

- Bah!

Abanou uma mão. Não se importava com nada daquilo e era uma estupidez estar a pensar naquele patrãozinho asqueroso que, tal como esse Moreira, só estava à espera de uma razão mesquinha para despedi-lo. Fim da história.

Ouviu um estalido junto à orelha direita.

- Isto é um assalto! Não faças nenhuma estupidez...

Ao tentar olhar para trás, sentiu um objeto frio a bater-lhe na têmpora. Seria o cano da arma que escutara ser destravada. Reparou que levava alguém no banco traseiro, um homem, mas não conseguiu ver-lhe o rosto. A pistola negra impedia-o de fazer gestos bruscos e era só o que mais lhe faltava, ser despedido e morto no mesmo dia, por causa de duas inutilidades que não lhe diziam respeito.

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