XII - Gostaria de estar, no fundo do mar...

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Passado o ataque de neurose, Ringo Starr, nome artístico do bandido amador, sim amador, porque ele não se achava um fora-da-lei especialmente dotado ou munido de grande experiência profissional nesse ramo tão peculiar, nome artístico de Richard Starkey, reagiu.

Na verdade, o infame Ringo Starr tinha aparecido por causa da banda que ele tinha reunido com os seus anteriores amigos, não por causa do banditismo recente, aqueles companheiros que nunca lhe chegaram a pagar os instrumentos que ele guardava no armazém do cais antigo que era a sua casa. Melhor, tinha sido a sua casa pois ele duvidava que lá pudesse regressar depois do arrombamento da polícia. Devia estar tudo destruído, confiscado, marcado...

O baterista Ringo Starr, Ringo por causa dos anéis que usava nesse então, era conhecido no pequeno circuito musical onde se inseria o bar onde ele tocava com os amigos. Numa ocasião tinha até conseguido ganhar uma nota de cinquenta euros extra, fora as cervejas e os cigarros que constituíam o costumeiro pagamento dos músicos naquele lugar pobretanas. Tinham-lhe também prometido um contrato profissional, a sério, para tocar no casino da cidade e talvez gravar um disco com um dos artistas que atuavam nos espetáculos noturnos. Ele gostara da proposta... Podia fazer uns cobres extra com aquela história da música, dinheiro a sério. Dias depois tinham sido todos despedidos por causa de um problema qualquer com um dos outros membros da banda, nunca soube muito bem mas desconfiava que haveria uma mulher envolvida. Então, a fama do baterista Ringo Starr, nascido Richard Starkey, terminou antes sequer de ter começado. Foi um dia triste, muito triste. Ele tinha planos grandiosos depois da promessa do tal contrato.

Nunca desistiu da música, porém. Quando não se deitava deprimido à espera de adormecer ajudado pelos debates políticos da programação radiofónica, sentava-se no pequeno banco que ajustava sempre que o ocupava, subindo e descendo o mecanismo de rosca para encontrar a altura ideal, e tocava bateria. De olhos fechados e a tentar igualar o bater do seu coração ao ritmo que arrancava febril dos tambores e dos pratos, por vezes lento, outras vezes rápido, abanando a cabeça, mordendo os lábios, concentrado e feliz, tocava e vivia noutro mundo.

E foi entre estas considerações e lembranças que Ringo reagiu.

Um enorme peso desceu-lhe sobre o corpo que subitamente se tinha convertido em chumbo e foi desligado como um boneco cujas pilhas se tivessem esgotado. O saco do dinheiro pendeu inerte do braço. Depois da reação histérica sentia-se ridículo, exagerado e principalmente traído.

Olhou para os seus mais recentes amigos, forçados a essa condição porque ele os tinha obrigado a segui-lo por causa de uma pistola... sem balas. A comédia! Riu-se em soluços e os seus ombros sacudiam-se. Não se sentia traído por eles, sentia-se traído pelas circunstâncias, desiludido com tudo e com nada em particular. Estava a ser demasiado dramático? Que fosse! Sentia-se confuso...

- Vamos descer até à praia e pensar no que podemos fazer a seguir? – sugeriu John.

Ringo mirou-o esgazeado. Acenou com a cabeça, sabendo que os outros esperavam pela resposta dele. Foi um gesto automático que serviu para destravar a cena que começava a criar contornos de tragédia grega. Não valia a pena. Só estavam naufragados numa ilha aparentemente deserta, sem comida, água ou abrigo, com um saco de dinheiro roubado. Muito simples... Algo entre o hilariante e o caricato.

Paul tocou no braço de John e foram eles que tomaram a dianteira na descida da falésia. George perguntou-lhe preocupado:

- Estás bem?

Num reflexo, Ringo limpou os olhos secos. Acenou pela segunda vez.

- Yeah, acho que sim. Foi só uma espécie de... desespero.

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