- Ei... Johnny?
O sussurro na escuridão colocou-o em alerta. Na verdade, não o despertou nem o estimulou mais do que já se sentia despertado ou estimulado. A insónia atacava-o impiedosamente, potenciada pelas condições precárias daquele dormitório.
- O que foi, Macca?
- Tenho frio.
- Eu também...
Escutou um suspiro trémulo do amigo e propôs:
- Queres vir para a minha cama? Juntos talvez nos consigamos aquecer.
- Posso ir também? – pediu George.
- Estás acordado?
- Se estou a falar convosco... é porque estou – devolveu o mais novo, irritado.
- Já te disseram que és um chato, Harrison?
- E já te disseram que falas demais, Lennon?
- E o Ringo? – perguntou Paul.
- Esse conseguiu adormecer... Estás a dormir, Ringo?... Psst, Richard...
No ar gelado não se escutou qualquer resposta, ou sequer um leve murmúrio. John aguardou outro par de segundos. Estranhou:
- Como é possível que esteja a dormir?
Não quis que lhe respondessem. Fora uma pergunta retórica, uma dúvida que reunia uma série de outras questões que se relacionavam, direta e indiretamente com aquela situação noturna anormal. Os outros fizeram-lhe a vontade e não comentaram.
O baterista estava tão quieto que até duvidava que ele estivesse ali. Não se escutava o rumorejar da sua respiração, nem um ronco mais profundo. E ele roncava bastante alto... Pudera! Com uma penca daquelas! O nariz de Richard Starkey destacava-se no seu rosto simpático e curiosamente era dos aspetos que mais atraía as mulheres, em conjunto com os seus olhos azuis carentes. O nariz, os olhos e havia corações a palpitar na plateia quando eles tocavam. Tudo naquele baterista era uma atração para o elemento feminino e muitas vezes John perguntava-se porquê. Paul respondia-lhe que era por causa do seu carácter meigo, George respondia-lhe que era puro magnetismo e, portanto, inexplicável. Muito provavelmente se o vissem a dormir desamparado e a passar frio, como acontecia naquele momento, haveria logo um punhado de voluntárias para aquecer Ringo Starr, com todo o altruísmo dos seus corpos quentes.
O facto era que Ringo, por enquanto, não se queixava com o frio e daí não ser necessário essa tal legião de fãs para que a sua cama ficasse mais aquecida. E mesmo com esses pensamentos descabidos, mulheres nuas a doar o seu calor corporal, John não se conseguiu aquecer.
O facto era também que Ringo dormia sem fazer ruído ou estava demasiado congelado para se manifestar. E ele tinha de se focar em problemas imediatos para não se fatigar demasiado, já que a privação de sono era, por si só, motivo supremo de fadiga e no dia anterior era-lhes requerido que tocassem outra vez e havia que cuidar do seu conforto e, como acrescento, do conforto de Paul que se queixara. Depois tinha de resolver como meter George ali com eles, outro queixoso...
Paul enfiou-se na sua cama e John guinchou:
- Ui... Tens os pés gelados. Por que é que tiraste as meias?
- Isso são as minhas meias com os pés calçados – explicou Paul aninhando-se junto a ele.
- Eh, faz espaço para o George.
- Não vamos caber todos nesta cama.
- Isto não merece ser chamado de cama.
John tinha razão, considerou Paul mas não lho disse. Estava ocupado a bater os dentes. Tinham-lhes dado estrados com uma rede metálica cobertos por um colchão tão fino que o seu peso dobrava a rede, criando uma cova desconfortável. As almofadas estavam puídas e os cobertores eram míseros pedaços de pano que pareciam ter pertencido, outrora, a mantas dignas desse nome.
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Na Minha Vida
FanfictionE se o João, o Paulo, o Jorge e o Ricardo... Não! Vamos recomeçar. E se John, Paul, George e Richard, depois Ringo, se tivessem conhecido em circunstâncias diferentes daquelas em que se conheceram, adolescentes dotados para a música, apaixonados pel...