XXXVIII - Acreditar sempre

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John despediu-se da namorada na porta do pub onde iria encontrar-se com os amigos, para aí esperarem pelas novidades que seriam trazidas pelo seu empresário, Brian Epstein. Paul tinha sugerido uma cafetaria, George concordara a pensar nos bolos que poderia comer com um generoso copo de leite, John cortara a ideia sem qualquer pingo de diplomacia, insultando os dois amigos. Queria estar num bar onde pudessem consumir bebidas alcoólicas, para comemorar as boas notícias ou para afogar as mágoas se fossem más. A lógica era indesmentível e todos concordaram com a escolha dele.

Deu um beijo apressado nos lábios da namorada e mandou-a embora com impaciência. Estava apaixonado por Cynthia, naturalmente se a considerava como a sua namorada, a primeira mulher com quem saía de forma estável no espaço de três anos, mas não a queria por perto naquela hora crucial para a sua carreira musical. Havia coisas que simplesmente não achava pertinente ou normal partilhar com uma mulher. Tinha uma certa noção machista do mundo que ele não via como errada ou acrónica.

Conhecera Cynthia Powell após um concerto no clube Caverna.

Pouco tempo depois de eles terem assinado o contrato com Brian Epstein, estabelecendo-o como o gestor da carreira dos Beatles, este arranjara-lhes uma temporada de concertos nesse clube. Para começar, dissera-lhes. Era um local com má reputação, sujo e esconso, mas eles já o conheciam e o gerente também os conhecia a eles, portanto havia que explorar aquela hipótese para que começassem a ganhar notoriedade e também experiência. Se tocassem tão bem quanto sabiam iriam chamar a atenção das pessoas certas e em breve, assim lhes prometera Epstein, começariam a subir, paulatinamente, a escada do sucesso. Um novo clube, salas de espetáculos, gravação de um disco.

Cynthia Powell pertencia a um mundo diferente do de John. Talvez tivesse sido a curiosidade de explorar um reino proibido que o estimulou na conquista. Quando apareceu no Caverna também se notou logo à distância que ela não pertencia ali, um anjo loiro e belo que não se sentia muito à vontade num local tão decadente. Fora ao Caverna com um grupo de amigas, uma delas já ali tinha estado e até metera conversa com Ringo... A música deles acabou por descontraí-la e, a meio da atuação, John sussurrara a Paul que estava a ver a mulher dos seus sonhos.

A jovem com aspeto de princesa pertencia a uma família da classe alta que vivia numa vivenda de um bairro exclusivo, com jardim e piscina para uso do condomínio, com relvados e garagens privadas, um local deslumbrante e assustador no seu conceito. Lennon fora apresentado aos pais da moça durante um jantar formal e nunca se tinha sentido tão acossado, ao ponto de ter passado a ocasião a resmungar monossílabos sempre que era interpelado pelo pai austero, um Charles Powell que era corretor na bolsa, pela mãe antipática, Lillian Roby, que se distraía a manter uma galeria de arte, e pelos dois irmãos mais velhos, Charles e Anthony, que faziam uma carreira académica brilhante, com resultados no desporto, nomeadamente na vela, igualmente sensacionais.

Quando se viu livre daquela casa e daquela gente, após despedir-se de Cyn, como a tratava, sentiu um alívio maior do que quando tinha saído da prisão...

Mas nem por isso deixou de a ver e de a convidar para sair. Queria-a a ela, não à sua família insolente. Apesar de ser uma menina nascida em berço de ouro, Cynthia foi desde logo muita aberta em questões relacionadas com sexo e quando ele lhe pediu para irem para a cama, não recusou, nem se escandalizou. Dormiam juntos muitas vezes, sem qualquer arrebate de consciência ou de decência. Ela era solícita aos desejos dele, ele aproveitava para descarregar as suas tensões diárias nas brincadeiras entre lençóis que fazia com ela. Uma vez, Paul aconselhou-o:

- Cuidado, Johnny... Quem anda a chuva pode molhar-se.

- O que queres dizer com isso?

- Tu e a Cynthia, Johnny. Conheço-te bastante bem, aposto que não estás a tomar nenhum cuidado. E se ela fôr leviana como tu...

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