Pela escadaria do tribunal de imensos degraus de mármore branco passavam centenas de pessoas diariamente. Advogados, arguidos, testemunhas, oficiais de justiça, funcionários, jornalistas, familiares e amigos de pessoas que precisavam de estar presentes em diversas audiências, até juízes que apreciavam a humildade de entrarem pelo mesmo lugar que todos aqueles que frequentavam aquela digna e magna casa da justiça.
O edifício era sóbrio e a sua fachada imponente, composta por várias colunas de estilo coríntio, tão grossas que era impossível um homem abraçá-las. No centro da escadaria existia uma grande estátua que representava a deusa Témis dos gregos, equipada com a balança na mão esquerda, uma espada na mão direita, de olhos vendados que era comumente associada à personificação da justiça. Segundo o mito era mãe das Horas e das Parcas e sentava-se ao lado do trono de Zeus, seu consorte, para auxiliá-lo nas deliberações dos conselhos divinos.
O movimento àquela hora tardia da manhã era normal, sem grandes aglomerações de gente que aconteciam normalmente quando alguém famoso era presente a julgamento. Nesses dias mais agitados, a comunicação social reunia-se naquelas escadarias para fazer a reportagem do acontecimento, posicionando-se em diversos degraus, as estações de televisão e as suas carrinhas apetrechadas para fazer o direto, os correspondentes dos jornais a tirar apontamentos rápidos sobre o que se ia passando, os transeuntes curiosos a juntarem-se numa mole no passeio a ver se conseguiam vislumbrar a personalidade que estaria a ser julgada, telemóveis prontos para a fotografia que seria partilhada nas redes sociais, talvez uma selfie tendo como pano de fundo o circo mediático que se montava.
Aquele dia, no entanto, era normalíssimo. Pessoas a subir e a descer a escadaria, com mais ou menos pressa, nada a assinalar de extraordinário e não estavam cidadãos curiosos especados no passeio, a postos com os seus telefones portáteis para registar o que quer que fosse, nem a estátua magnífica da deusa era admirada por ser tão trivial naquele plinto, desde que o edifício ali ser erguera que ela lhe guardava solenemente os portões. Por isso os quatro rapazes que desciam pelos degraus não captaram a atenção de ninguém.
A sessão em que o juiz lhes concedera a liberdade condicional fora curta e pacífica. O cumprimento de uma formalidade necessária para que eles abandonassem o estabelecimento prisional onde tinham passados os últimos oito meses, após a sua detenção pela polícia da cidade. Limitaram-se a entrar na sala de audiência, escutar a deliberação do juiz presidente, o advogado que lhes tinha sido atribuído oficiosamente falou por eles, tratou da papelada, assinaturas, o bater do martelo e podiam ir à sua vida.
Então eram apenas quatro rapazes a descer as escadas do tribunal na manhã daquele dia cheio de sol, calados, aliviados e sozinhos, não mereceram a atenção de alguém em particular, e não tinham gente a esperá-los. Continuavam na cidade onde eram forasteiros e nem tinham avisado a família de que aquela audiência que os devolvia à vida em sociedade iria acontecer naquele dia.
John Lennon levou a mão ao bolso de trás das calças, retirou o maço de tabaco e puxou de um cigarro. Prendeu-o entre os dedos, agitou a mão a pedir lume aos amigos, nunca andava com isqueiro. Richard Starkey usou o seu e acendeu-lhe o cigarro. George Harrison tinha as mãos enfiadas nos bolsos do casaco e contemplava o céu azul. Paul McCartney estava sereno a olhar simplesmente em frente e vinha um pouco mais atrás, pois fora, à saída do tribunal, dar uma palavra ao advogado, os agradecimentos da praxe, as saudações cordiais que se exigiam. Os quatro tinham o visual mudado. Primeiro tinham emagrecido. Segundo, usavam bigode e Harrison tinha até deixado crescer uma barba rala. Terceiro, os cabelos estavam diferentes, de alguns, mais curto, de outros, mais comprido.
A vida da prisão não era fácil, mesmo que a sua estadia tivesse sido num estabelecimento finório, como Harrison antecipara no dia em que se entregaram à polícia para partilharem com o amigo Starkey do seu infortúnio derivado do castigo que se impunha pelo assalto ao Banco Central, embora nenhum deles, nem mesmo o bandido Ringo Starr de seu nome artístico, se considerasse um criminoso no sentido estrito – ou mesmo lato – da palavra. As celas eram ocupadas por condenados que tinham cometido crimes especiais, por oposição aos delitos considerados mais comuns. Corrupção, perjúrio, falsificações várias, ilegalidades na área da alta finança, assaltos sofisticados a bancos e eles ficaram a saber que os consideravam ladrões inteligentes.
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Na Minha Vida
FanficE se o João, o Paulo, o Jorge e o Ricardo... Não! Vamos recomeçar. E se John, Paul, George e Richard, depois Ringo, se tivessem conhecido em circunstâncias diferentes daquelas em que se conheceram, adolescentes dotados para a música, apaixonados pel...