XVI - Um enorme e excêntrico perigo

11 5 18
                                    


O estômago de George Harrison minguava numa espécie de embrulho que lhe compactava o músculo num ponto algures que se colava à espinal medula. Era uma bola grossa e fibrosa que ele não entendia como um dos órgãos fundamentais do seu sistema digestivo, que pouco tinha trabalhado naquelas últimas quarenta e oito horas dado o parco alimento ingerido. Sentia-o isso sim como um peso a mais no seu corpo transido de medo.

Nunca julgara possível experimentar aquele tipo de medo que muitas vezes era falado na televisão durante reportagens sobre tragédias que envolviam catástrofes naturais ou desastres, ou sugerido em relatos pessoais de experiências destinadas a assustar os ouvintes, ou mencionado em romances de terror pejados de criaturas fantásticas sedentas por sangue.

Um medo paralisante, absoluto, extraordinário e assustador.

Havia a atenuante, porém, de não se encontrar sozinho naquela provação. Se olhasse para o seu lado esquerdo veria o seu companheiro de infortúnio na mesma posição que ele, de pé e atado a um poste, mãos atrás das costas com os pulsos enrolados em grossas cordas ásperas. O alívio era apenas parcial porque o outro estava tão amedrontado quanto ele e de vez em quando trocavam um olhar mudo de súplica e de pavor.

Duas enormes fogueiras ardiam num terreiro mais ou menos circular que seria a praça central da aldeia para onde tinham sido trazidos pela expedição de guerreiros que os capturaram na clareira. As habitações daquele aglomerado populacional, completamente inédito naquela floresta funda e misteriosa, eram cabanas toscas construídas em lama dura, palha e folhas de palmeira, que se acumulavam a toda a volta do terreiro, como se abraçassem o local e ficassem, desse modo, mais protegidas porque todas juntas. Apesar de ser um espaço aberto havia uma certa impressão de claustrofobia.

Todos os membros da tribo tinham sido convocados assim que eles foram apresentados, aos trambolhões, como uma espécie de prisioneiros e de criaturas estranhas. Os aldeões foram esclarecidos por um curandeiro que num palavreado incompreensível explicou ao chefe algo que animou o velhote imponente que tinha aspeto de ruim, franzido e implacável como um juiz carrancudo. Atrás do chefe existia uma guarda de honra e os outros membros da tribo espevitaram-se com o anúncio posterior à avaliação do curandeiro.

Por breves instantes, George e Ringo julgaram que iriam ser convidados especiais da tribo, estrangeiros que eles não veriam há décadas, provenientes de paragens distantes e que teriam histórias inéditas para contar sobre mundos longínquos que interessaria ao chefe escutar, à sua família e aos seus guerreiros. Mas um mau pressentimento invadiu-lhes a alma, semelhante a uma nuvem negra que cobre o sol, quando se montaram os dois postes e começaram a trazer lenha para acender as fogueiras.

Não deviam ter acalentado esperanças, pensaram, provavelmente, ao mesmo tempo, pois não tinham proferido palavra desde que estavam na aldeia, já que tinham sido apanhados na clareira e logo aí tratados com uma certa brutalidade. Pancadas que os tinham feito desmaiar, pontapés, puxões e outros gestos menos amistosos.

George mal conseguia respirar a contemplar aquele cenário horroroso.

O fogo crepitava e estralejava, os guardadores das chamas, homens com o torso pintado de branco, faziam um bailado lento diante das labaredas enquanto as aspergiam com uma gordura que seria de pescado, dado o odor forte a peixe que se evolava do fumo, enjoando George e Ringo.

As mulheres e as crianças aguardavam pacientemente num sítio que lhes estava destinado, obedientes como um rebanho de ovelhas, com os rostos petrificados e ansiosos, fixando os olhos arregalados nos dois prisioneiros.

Junto ao chefe estavam os guerreiros, possantes, altos, avassaladores, numa postura hirta, mas divertida. O poder pertencia-lhes incontestado e aproveitavam o festim que se instalara na aldeia, ocasião que deveria ser rara ou mesmo sem precedentes para qualquer um deles, que seriam demasiado jovens para se recordarem de terem visto homens brancos naquela ilha.

Na Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora