XI - Náufragos

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John e George juntaram-se a Paul na rebentação das ondas. Estavam descalços, tinham tirado os respetivos sapatos, guardando as meias no seu interior, que se alinhavam na areia. Ringo não foi até à água, optando por ficar calçado, abraçado ao saco de dinheiro e a olhar para nenhures, não para o grupo. A sua atitude continuava a ser estranha e ligeiramente deslocada naquele contexto. Estava aborrecido, era notório. Se ele não ultrapassasse a situação que o tinha tornado azedo, desconfiado e solitário, eles podiam tentar alcançá-lo e perceber o que se passava. Mas o passo definitivo teria de partir dele. Aceitar o grupo, aceitar-se novamente dentro do grupo.

Era curioso que tivesse sido ele a afastar-se quando fora ele que, por causa das circunstâncias anormais das últimas vinte e quatro horas, os tinha juntado. Bem, John e Paul já se conheciam, mas não conheciam George e de certeza que não conheciam Ringo, nem George os conhecia a eles.

Os três lavavam as mãos, esfregando-as devagar, com muito tempo. Sentiam, de algum modo, que não tinham de se apressar. O silêncio do sítio era reconfortante, dava-lhes uma espécie de paz ainda que não tivessem decifrado exatamente onde estariam após uma longa, ou curta não saberiam dizer, viagem noturna pelo oceano.

Paul sentiu-se tolhido pela responsabilidade que pesava sobre as suas costas. Fora ele o condutor do barco, fora ele que, em última análise, os tinha levado até ali. Fora ele que mencionara a mansão da ex-namorada, que lhes dera esperança... Ele era culpado pelo engano, pelo erro, pela desgraça... Olhou para Ringo e viu na expressão carrancuda do baterista um reflexo dos seus receios e da sua autocensura.

A voz de John cortou-lhe o raciocínio:

- Apetece-me um mergulho. A água está boa.

- Primeiro vamos comer – disse George.

- Não estiveste a comer? – admirou-se John.

- Fruta. Apetece-me um bife. Achas que haverá bifes no frigorífico?

Os olhos de Paul piscaram para afastar uns brilhos esquisitos que o estavam a incomodar. Não sabia que a culpa podia ter o formato de pequenas estrelas.

- Hum?

- Quero comer um bife.

- Um bife?

John alçou uma perna e levantou água que salpicou George. O rapaz agitou as mãos e estremeceu. Mas de facto não estava fria, a temperatura era bastante razoável e refrescava o calor tépido e húmido que saturava o ar. Não estendeu o protesto às palavras, ficando-se apenas pelo gesto que fizera com as mãos. Torceu a boca num sorriso enviesado.

- Cuidado, não sonhes demasiado alto – avisou John, piscando o olho.

- Querer comer um bife... é sonhar alto?

- Podemos encontrar só enlatados. – Passou o braço pelos ombros do amigo, abanou-o como que a querer despertá-lo. – Certo, Macca?

O sorriso de John era um misto de troça e de desconfiança. Quem não o conhecesse diria que estava divertido, mas por dentro a apreensão corroía-o. Ele teria um pressentimento, provavelmente o mesmo de Paul. Disfarçava as suas questões mais polémicas debaixo de camadas de descontração. Gostava de um bom ambiente, já se tinha apercebido da reticência de Ringo e não queria agravar o mal-estar entre eles com as suposições que ele sabia serem corretas.

Simplesmente... ele sabia a verdade!

Insistiu:

- Certo, Macca?

- Enlatados? – murmurou Paul engolindo em seco. – Não sei. Se calhar só teremos... enlatados. O frigorífico pode estar... vazio.

- Não é uma casa de pessoas ricas? Normalmente essa gente tem empregados que tratam das compras do supermercado e a cozinha está sempre muito bem aviada – observou George. – Estou confiante que encontrarei um bife. E manteiga para fritá-lo! Se eu fosse rico queria ter uma casa onde pudesse chegar e comesse o que me apetecesse.

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