XIX - O sol que brilha no céu

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O combustível terminou mais ou menos uma hora depois de terem saído da ilha. Ringo podia jurar que ainda conseguia ver os contornos daquele lugar infernal e amaldiçoado, onde tinham fugido pela própria vida, quando o motor se calou com um gorgolejo, anunciando o fim da gasolina. Estavam ainda demasiado perto da ilha e o baterista, que não sabia nadar, entrou em pânico ao considerar a hipótese de as marés levarem-nos de volta a esse sítio, já que iriam ficar à deriva, mas John ameaçou-o com um dos remos, obrigou-o a sentar-se e a remar para não apanharem essas famosas marés.

Levaram a tarde toda a remar, revezando-se entre os quatro e no fim do dia, mais esgotados do que nunca, comeram cada um o seu fruto rosado – George e Ringo tinham conseguido reunir dez frutos e depois pararam quando apareceram os guerreiros e tiveram de ir socorrer Paul – o que dava uma ração individual de um fruto por dia, metade de um fruto no terceiro dia e depois já não teriam mais nada para comer.

Ainda consideraram racionar o primeiro fruto, mas quando terminaram a discussão, optando por uma votação para ver o que iriam fazer e que fosse consensual entre todos, já George tinha comido o seu, tão esfomeado estava e todos fizeram o mesmo.

Deitaram-se a dormir, embalados pelas ondas e despertaram na manhã seguinte com o corpo massacrado, os ossos moídos, cheios de sede e de fome, conservando, todavia, alguma esperança de que iriam ser resgatados por algum barco que passasse por aqueles mares.

Conversavam um pouco, optavam por longas horas de silêncio, simplesmente sentados nos bancos, a contemplar o oceano infinito que os levava devagar para algum lugar. O barco baloiçava suavemente e o céu estava limpo. Por um lado, era uma sorte, não se avistavam nuvens e não tinham mais essa preocupação para apoquentá-los, pois aquela embarcação não se aguentaria numa tempestade, se apanhasse esse mau tempo. Afundaria num instante. Por outro lado, sem qualquer nuvem, o sol tórrido brilhava e o seu calor impossível açoitava-os com uma violência insuportável.

- Eu quero tanto, tanto, tanto um cigarro! – lamentou-se John.

- Eu também – anuiu George desmoralizado.

Tinham rasgado faixas das blusas para atarem na cabeça, mas assim ficavam com os torsos descobertos e queimavam a pele nesses lugares expostos. O nariz de Ringo já estava a descascar e riam-se todos por ele estar tão vermelho das queimaduras. Depois era a vez de Ringo devolver as risadas de escárnio, apontando-lhes o mesmo estado deplorável dos narizes deles.

John perguntou:

- Tu fumas, miúdo?

- Hum-hum...

- Isso faz-te mal.

- A ti também. E não me chames de miúdo, não sou assim tão mais novo do que tu. E nem vale a pena perguntares-me a idade. Não ta direi!

- Certo, Georgie.

A voz de Paul arrastou-se, áspera por conta da boca seca:

- Parem com a discussão... Parem de me lembrar que eu já devia ter largado esse vício. Mas quando a Jane me deixou, regressei ao tabaco. O meu maço de cigarros ficou com o meu telemóvel, no escritório.

- O meu ficou todo destruído na areia da praia.

- O teu maço de cigarros?

- O meu telemóvel, John!

- O meu telemóvel também, Georgie. Mas conseguimos fazer fogo...

- Será que é assim tão difícil para ti chamares-me pelo meu nome? George?!

- Eu também fumo e estou calado – alfinetou Ringo a acariciar o saco de dinheiro. Desde que o recuperara, nunca mais o tinha largado e dormia agarrado a este. – E que interessa o raio dos cigarros e a falta que nos faz?

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