XXIII - A festa

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As suas barrigas pareciam que iam explodir de tão cheias. A comida de Viejos era confecionada à base de feijão, carne e milho, condimentada com especiarias fortes, numa base de tomate e cebola, aromatizada com frutos como abacate e abacaxi, muito saborosa e irresistível, pelo que eles só pararam de comer muito depois de se sentirem saciados. Boa parte do jantar passaram-no a experimentar novos pratos que o dono do restaurante lhes ia apresentando, desejoso de agradá-los e de surpreendê-los, e a conta, que Paul temeu ser exorbitante, acabou por ser à medida das poucas notas que a sua carteira conservava e comentou, satisfeito, que comer ali era barato e delicioso.

Também beberam muita sangria à base de vinho tinto, água e um granizado de lima com um toque de álcool que os deixou alegres e descontraídos, suficientemente entontecidos para verem o mundo com outras cores. Passaram a refeição a contar piadas, a rirem-se das suas últimas atribulações, desde a fuga à polícia na sucata de John, passando pela tribo de canibais, pela deriva perigosa no mar até serem recolhidos pela traineira do pai da Margaret, terminando na viagem através do deserto no velho autocarro até àquela aldeia.

Antes de regressarem à avenida, descobriram um telefone público num recanto do restaurante. Uma raridade, num tempo em que cada pessoa tinha o seu próprio aparelho e que o podia usar sem problemas graças à antena para telemóveis no tal monte à saída da povoação. Paul conferiu os trocos que tinham sobrado, depois de paga a conta e dada a gorjeta por terem sido tão bem servidos. Anunciou que ia telefonar e todos pediram-lhe moedas para fazer o mesmo, queriam ligar a alguém para que não ficassem tão preocupados pela ausência de notícias. Todos menos John.

- De certeza que não queres ligar a ninguém?

- Mão, Macca. Nesta situação iria ligar para ti, mas estás aqui comigo, a partilhar o meu infortúnio.

- Está bem, Johnny. Tu é que sabes...

Assim, John foi o primeiro a sair para a rua. Acendeu um cigarro e pôs-se a fumá-lo, encostado à parede do restaurante, um joelho dobrado, bota assente na parede, pose de bad boy, a observar o movimento. Os homens olhavam-no desconfiados, mas não deixavam de ser simpáticos e de cumprimentá-lo. As mulheres miravam-no curiosas, sorriam-lhe e ocultavam os rostos numa fingida timidez, trotando avenida acima como se quisessem escapar da influência perigosa do seu olhar cortante. Ele divertia-se com as reações que conseguia provocar.

Paul saiu a seguir e também acendeu um cigarro. Contou, mesmo que John não lho tivesse pedido, que falara com o irmão, Mike. Não lhe revelou onde estava, apenas que tinha decidido tirar uns dias de férias, o trabalho no escritório estava uma loucura e ele precisou de uma pausa repentina. O irmão não fizera mais perguntas.

- Estás a proteger o Ringo?

- Não, Johnny. Estou a proteger-nos a nós.

- E achas que nem ele, nem o George vão contar a verdade sobre o que aconteceu?

Pensativo, Paul tirou uma passa. O fumo pairou entre ele e o amigo.

- Estou convencido de que sim. Estão na mesma embrulhada do que nós. O que ganhariam se contassem o que realmente se está a passar? De que assaltámos um banco e que estamos a fugir à polícia? Nada, não ganhavam absolutamente nada. Ficavam tão lixados quanto nós.

- Estamos a fugir à polícia?

- Hum-hum, com um saco de dinheiro roubado. Não estamos de férias, Johnny.

- Por momentos...

- Sim, apenas por momentos.

O terceiro a aparecer foi George. Alimentado, resplandecia felicidade e boa disposição. Acendeu também um cigarro e contou que telefonara para a sua casa. Ainda vivia com os pais, uma irmã, Louise, e dois irmãos, Harry e Peter, todos mais velhos do que ele. Ele iria ser o primeiro a abandonar o lar com o seu casamento com a namorada Pattie, que nunca chegou a acontecer. Estavam todos muito preocupados, a mãe principalmente, pois ele tinha desaparecido havia quase uma semana e não tinha dado notícias. Ele explicou-lhe que conseguira o empréstimo e resolvera fazer logo a viagem, de que precisava mesmo de se afastar. Claro que a mãe desconfiara dessa história, ele nunca fora apressado e leviano, o instinto materno era difícil de ludibriar, mas como ele assegurou-lhe de que estava bem, a mãe desistiu de fazer a queixa formal à polícia a reportar o seu desaparecimento.

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