XX - Uma viagem em terra firme, para variar

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No porto de abrigo daquela vila pesqueira, no pontão de cimento, John, George e Ringo aguardavam que a despedida terminasse para que pudessem prosseguir a sua viagem, que eles não sabiam muito bem onde os levaria. Talvez de regresso a casa, talvez não, porque seriam homens procurados.

Paul abraçava e beijava Margaret, a filha do capitão do barco que os tinha resgatado do mar, seis dias antes. Estava tudo a desenrolar-se normalmente entre os dois. Uma conversa amigável, sorrisos, até que ele agarrou na mão dela, os olhos da mulher brilharam num claro convite e a aproximação aconteceu. Ela inclinara a cabeça naquele gesto típico e ele não se fizera rogado.

Dos três, John era o que estava mais descontraído, por estar habituado aos dotes de conquistador do seu amigo. As mulheres simplesmente não resistiam àquela atitude educada, quase frágil, de Paul McCartney, e tinha de admitir que ele era um rapaz bem-parecido, polido, com uma boa apresentação mesmo depois de ter estado naufragado durante dias, com a roupa rasgada e a cheirar tão mal quanto uma doninha fedorenta.

Ao lado de John, Ringo enfiou as mãos nos bolsos das calças e George cruzou os braços, passando o peso de uma perna para a outra.

- Como foi que ele conseguiu chamar a atenção dela... dessa maneira? – indagou o mais novo.

A dúvida era legítima, pois Margaret demonstrou o mesmo grau de atenção para com os quatro, logo que o navio os recolhera da sua situação aflitiva. Dera-lhes água, comida em pequenas quantidades para não lhes sobrecarregar os estômagos fracos, uma cama para descansarem, conforto complementado com carinhos e sussurros, que lhes garantia que iriam ficar bem.

- Ele consegue chamar a atenção delas – respondeu John acendendo um cigarro.

E também lhes tinha dado tabaco, que foi algo que John pediu raivoso e descontrolado, a espumar dos cantos da boca, logo que recuperou as forças minimamente para fazer exigências. O engraçado foi que a mulher não se intimidara com os seus modos bruscos e trouxera-lhes maços de cigarros, com o aviso sério de que aquilo dava-lhes cabo da saúde. Ringo prometera que iria deixar o vício assim que pisasse terra.

Esse mesmo Ringo que franzia uma sobrancelha.

- A Margaret foi simpática connosco, sem fazer distinção.

- Pelos vistos, gostou mais do Paul e só esperava uma oportunidade para... bem, para o agarrar como está a fazê-lo – resmungou George. – Sempre foi assim com o teu amigo? Ele as mulheres?

- Sempre – confirmou John saboreando a nicotina em breves tragos do fumo. – No início também me fazia confusão, mas depois aprendi a não cobiçar as tipas que são mais do jeito dele. Sabem? Existe uma espécie específica de mulher que cai nos encantos do Paul. Se as mantiverem longe dos vossos interesses pessoais, se olharem para as outras tipas, tudo acaba por correr bem.

- Uma espécie específica? – estranhou Ringo, sublinhando o pleonasmo.

- Hum-hum. Percebi que as mulheres que olham para o Paul... são mais para o desengraçado. Prefiro-as com outras características.

- A Margaret não é desengraçada.

- Oh, gostaste dela, George? Esquece-a... A partir de hoje só vai ter olhos para o Paul e vai ansiar todos os dias pelo seu regresso, suspirando à sua janela com uma chávena de café quente nas mãos.

- Que romântico... – desdenhou Ringo.

- Gostaram os dois dela – descobriu John, sorrindo com algum sarcasmo.

- E tu também gostaste – acusou George incomodado. – Ronronavas como um gatinho quando ela te trazia a comida e ria-se com as tuas piadas.

- Ah ah! Boa tentativa! Eu vi logo que ela era do Paul, só estava a ser simpático.

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