XXXVII - Primeira gravação

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Havia uma certa forma bruta e desconcertante de John Lennon se dirigir ao mundo, como se tudo fizesse parte de uma conspiração que ele devia desfazer com as suas palavras afiadas de escárnio e de insultos, numa negligência grosseira perante qualquer noção ou compromisso, mas essa vulnerabilidade disfarçada de força era insinuante de uma maneira tão crua e despojada, que Brian Epstein sentiu-se inclinado à dissecação daquele mistério. Ao contrário do que Paul julgara, não se ofendia com a agressividade de John, antes compelia-o a desarmá-lo com um arsenal inédito. Jogar peças diferentes e declarar vitória no tabuleiro que o próprio John preparara. Uma finta inteligente que o outro conseguisse reconhecer e assim ganharia o seu respeito eterno.

- O vosso nome é muito interessante – admitiu Epstein analítico. – Beatles com um "a"... Não é assim?

- Sim, é esse o nome da nossa banda – replicou John.

- Por que desistiram de "Johnny & The Moondogs'?

- Só nos chamámos assim para aquela noite, no Caverna – disse Paul sério.

- E porque apareceram outros com o mesmo nome – acrescentou George. – Quero dizer, eles é que são os originais, o tal tipo que veio falar contigo, senhor Epstein. Fomos... chamados pelo gerente do clube quando esse Johnny o deixou pendurado. Anunciou-nos como os 'Johnny & The Moondogs' e nós atuámos. A história é essa.

- O nome é algum problema? – perguntou Ringo.

- Não, estou perfeitamente à vontade com as vossas escolhas em termos de como desejam ser conhecidos no meio musical – respondeu Epstein conciliador. – Se agora se chamam The Beatles, perfeito para mim. Entretanto, desapareceram. O que vos aconteceu?

- Estivemos na cadeia – contou John com naturalidade.

Paul corou, apertou os lábios. George e Ringo também olharam para John.

- Não ficaste até ao fim da atuação, Eppy? – continuou ele, para desespero de Paul pois tinha começado a tratar o gerente por uma alcunha inventada no momento. – Fomos interrompidos quando a polícia entrou no clube.

- As rusgas policiais são comuns naquele bairro, por suspeitas relacionadas com substâncias ilícitas. Drogas, compreendem... Clubes noturnos, bandas musicais, gente menos respeitável. O costume. Pareceu-me mais uma ação policial comum, saí antes de a confusão aumentar com a ajuda do gerente da casa, que é meu amigo. Percebi que os agentes tinham atacado o baterista. – Olhou para Ringo compassivamente. – Julguei que fosse um suspeito...

- Ei, estou limpo há meses!

- Bem, Eppy, a polícia esteve no Caverna à nossa procura, porque tínhamos feito uma asneira muito grande. A seguir fomos presos e saímos há pouco tempo da cadeia, em liberdade condicional. Essa é a razão do nosso desaparecimento.

- Tecnicamente, nós é que nos entregámos à polícia – acrescentou Paul numa tentativa de amenizar a impressão que estavam a passar. Mas Brian Epstein pareceu não se importar com aquele percalço do passado deles.

- Queremos reabilitar-nos e ser úteis à sociedade – cantarolou John trocista. – Esquecer os erros do passado, sermos pessoas melhores. Pensámos em continuar com a música, que é excelente para criar... felicidade. Uma sociedade mais feliz é uma sociedade melhor.

Brian riu-se, para alívio de Paul. Bateu as mãos uma na outra e anunciou:

- Meus senhores, querem acompanhar-me até ao segundo piso?

A disposição de John transformou-se. Endureceu as feições, tornou-se ofensivamente severo, todo ele estremeceu. Voltou a agarrar em Paul, a cingi-lo contra si e declarou:

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