X - Uma surpresa pela manhã

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A luz do sol, brilhante e intensa, bateu-lhe nas pálpebras fechadas e ele soube que estava na hora de despertar. Dormira a noite inteira. Quando recuperava a consciência, apurando que apesar das circunstâncias tinha dormido bastante bem e descansara o corpo fatigado, espantou-se por se ter entregado ao sono daquela maneira tão desamparada.

Sentou-se na areia que aquecia com os primeiros raios da manhã, espreguiçou-se e bocejou ruidosamente. Os ossos estalaram. Sentia-se incrivelmente recuperado, de energias renovadas, não fosse o ronco profundo do estômago que lhe recordou que estava cheio de fome. Bateu com a língua no céu-da-boca e também se lembrou que estava sedento.

Paul limpou as ramelas com as costas da mão, pois os dedos estavam cheios de areia. A primeira coisa que viu quando habituou os olhos à clara luz matutina foi o pequeno barco que os tinha trazido até àquele lugar. Estava encalhado no banco de areia, mais ou menos a uns duzentos metros da praia, a baloiçar devagar empurrado pelas ondas vagarosas que vinham desfazer-se preguiçosamente, em espuma branca, na orla da praia.

Depois do barco, notou George que molhava os pés descalços nessas ondas sossegadas, a realizar uma espécie de higiene matinal. Agachava-se e lavava as mãos, esfregando-as cuidadosamente para limpá-las da areia. Lavou de seguida a cara e o pescoço, devagar. Era de manhã cedo mas já começava a fazer calor.

Ao seu lado Ringo despertava, pestanejando para habituar os olhos à claridade. Levantou as mãos, mas como as viu panadas em areia branca desistiu de as levar aos olhos. Sentou-se, fazendo estalar a língua encortiçada dentro da boca. Estaria a pensar numa bebida fresca, preferencialmente nutritiva para saciar a sede e também a fome. Coçou a barriga, resmungou os bons-dias e circunvagou o olhar, tendo descoberto os mesmos detalhes que Paul já havia marcado. O barco encalhado, George a lavar-se com água salgada, a pacatez da praia, a maré baixa e calma, o silêncio, o calor da manhã.

Atrás deles estavam as guitarras, a viola-baixo, as baquetas, largadas onde as tinham deixado depois de alcançarem a areia e de se terem estendido exaustos para adormecerem no suspiro seguinte. Pelo que lhe era dado entender, todos tinham dormido a noite inteira e despertavam com os primeiros brilhos daquele novo dia. Ninguém os tinha incomodado, nem eles se tinham incomodado uns aos outros. Estava com fome e sede, era certo, mas parte das suas forças tinham sido recuperadas.

- Onde está o teu amigo?

A pergunta vibrou no ar e chamou Paul à realidade. O filtro belo que transmutava o cenário num local idílico e benigno, onde nada podia acontecer de ruim ou de perigoso, foi levantado. Tudo parecia extremamente bonito até a voz ensonada e inquiridora de Ringo ter lançado o pedregulho que esmagava o sonho. Paul reparou que faltava John. E faltava o saco de dinheiro...

- Não sei onde ele está – respondeu. – Acabei de acordar.

- O quê?!

- O que queres que te diga? Também não o vejo em lado nenhum!

As mãos do baterista lançaram-se ao seu pescoço sem que Paul pudesse reagir a tempo de escapar-se daquele ataque inesperado. Os dedos estrangularam-no primeiro e, com um único impulso, abanaram-lhe a cabeça. Paul abriu a boca para tentar respirar mas o ar não passava por aquele aperto.

- O teu amigo roubou-me o dinheiro! – acusou Ringo irado, lunático. Metia medo só de vê-lo com aquela expressão assassina, olhos inchados, lábios ressequidos, pálido e sujo de areia.

A voz de Paul passou através do estrangulamento, numa tentativa para dar uma explicação.

- Ele... não roubou... nada... Estamos numa ilha. Não podia... podia ir...

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