XXXI - E agora, senhoras e senhores...

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Um homem estava agarrado a um microfone montado numa armação metálica e tinha um braço esticado na direção da entrada de palco por onde eles tinham irrompido. Vestia um casaco vermelho cravejado de lantejoulas que lançavam clarões sob os projetores e usava um laço preto ao pescoço, a compor uma camisa de folhos. Usava umas calças justas e umas botas de cano alto. Em tudo se assemelhava a um apresentador de circo, só faltava a cartola preta.

O homem piscou os olhos por dois segundos, não mais, para dissipar uma ligeira confusão. De seguida berrou ao microfone:

- E agora, senhoras e senhores... apresento-vos 'Johnny & The Moondogs'!

John quedou-se estático e pelas vibrações ausentes em seu redor sabia que os seus três companheiros estavam iguais. Parados, imóveis, petrificados. Totalmente espantados, genuinamente estupefactos.

Aconteceu um aplauso tímido. Talvez oriundo de duas ou três pessoas. A banda daquele bar, daquela noite – ou seria o fim da tarde? Seria aquele um espetáculo vespertino? Teriam eles chegado demasiado cedo? Bem, a casa estava cheia... Parcialmente cheia – a banda, pensava ele, não causava grande expetativa ou entusiasmo.

A banda daquele bar... John girou a cabeça e descobriu os instrumentos musicais nas suas costas. Uma bateria com o logotipo anunciado pelo homem pintado no bombo maior, 'Johnny & The Moondogs'. Guitarras, uma viola-baixo, pandeiretas, até um piano de armário. A garganta moveu-se lentamente quando engoliu... em seco.

Girou a cabeça para o lado contrário. Viu o homem do casaco espampanante a encolher os ombros, a negar e a gesticular, a desdobrar-se em explicações. Respondia a um segundo homem, vestido de forma mais formal, fato escuro, gravata azul, careca e irritado, que lhe devia estar a perguntar quem eram aqueles que estavam ali, no seu palco, no seu clube. Muito bem, John começou a estabelecer definições, ligações e situações. Sentia-se incrivelmente desperto e espicaçado por causa da perseguição policial. Conseguiria reagir no espaço de um nanossegundo se fosse preciso.

Tudo aquilo estava a acontecer no espaço desse nanossegundo...

A banda verdadeira provavelmente ter-se-ia atrasado, ou nem sequer viria. Não importava, eles estavam ali no palco e havia um zumbido proveniente da plateia. Através do escuro ele não conseguia vislumbrar se haveria alguém que queria que eles atuassem, que estava à espera da música, toda a gente parecia demasiado entretida com as suas bebidas, os seus cigarros e a sua solidão.

Abandonar o palco, todavia, também não seria uma opção. O par de homens, o anunciante e o gerente, estavam a observá-los e cobriam a entrada através das cortinas que eles tinham usado para aparecer ali. A sua postura era hostil, zangada e ansiosa. No lado oposto divisou uma porta metálica, podia ser uma saída... Se saíssem, a polícia estaria no exterior à sua espera, num cerco programado a partir de uma extrapolação dos seus passos, da sua trajetória. Estavam a pé, não podiam ir muito longe. Seriam capturados. Afastou esse pensamento angustiante.

O sussurro de Paul lançou uma corrente elétrica por todo o seu corpo. John cerrou o maxilar, tentou engolir pela segunda vez sem saliva.

- Johnny...

- O quê... Macca?

- O que faremos agora?

- Bem... tenho a minha harmónica no bolso.

A frase fora tão idiota que ele fechou os olhos. Teve uma súbita vontade de desatar à gargalhada, mas isso não iria ajudar naquela situação. Em nenhuma situação, ele sabia-o bem.

- A tua... harmónica... – murmurou George sem desfitar a plateia.

- Sim, George – explicou Paul quase sem mover os lábios. Ciciava ao falar. – Antes de irmos às compras, passámos pelo Cadillac para o John ir buscar a harmónica. Na altura não percebi... Talvez tivesse sido porque... Vamos atuar?

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