O gerente do clube aplaudia e fazia um comentário ao ouvido do apresentador que meneava a cabeça como um boneco de mola, daqueles que saem de uma caixa colorida. A excentricidade da sua roupa remetia para essa imagem.
Estariam a fazer comparações com a banda original, não se importando a mínima com aqueles usurpadores e impostores. Talvez o tal Johnny se fizesse acompanhar de uns músicos medíocres, talvez esse Johnny tivesse dado à sola e os quatro, providencialmente, ao aparecerem de rompante no clube, tivessem resgatado aquele estabelecimento de um eventual marasmo, de um provável vandalismo por clientes descontentes e mais agressivos que esperavam ter uma banda a tocar para se distraírem enquanto consumiam a sua bebida alcoólica preferida. Eles estavam a dar conta do recado e não havia a necessidade de expulsá-los do palco. Podiam continuar desde que mantivessem o nível elevado. Noção que não se cruzava no seu pensamento, não possuíam um objetivo preciso no que se relacionasse àquela apresentação, iam improvisando à medida que o tempo se alargava, nem se lembravam mais que estavam a fugir à polícia...
Os aplausos provenientes da sala e que lhes eram dirigidos operavam a derradeira magia e eles sentiam-se muito melhor. Uma sensação de que o seu empenho, todo aquele suor, as dores nos dedos e nos braços, as dúvidas e as desafinações estavam a compensar.
Ringo terminou o cigarro e apagou a beata no chão. George acercou-se do microfone e cumprimentou a audiência com um arrojo inédito. Estava muito corado por causa do esforço, pelo que ninguém percebeu que ele também enrubescera de vergonha.
- Boa noite, senhoras e senhores. Vamos continuar com a nossa atuação com uma canção... mais para o cómico.
Paul encolheu os ombros para responder à pergunta de John sobre o que o mais novo estaria a preparar. Estavam a navegar à vista, sem farol, sem cartas, sem bússola, ao sabor do vento e das marés. Deviam continuar comprometidos naquela aventura e apoiarem-se mutuamente. Sem problema nesse quesito, encontravam-se imersos naquele contrato tácito.
George começou a cantar "Three Cool Cats", canção composta por Leiber e Stoller que tinha sido um lado B obscuro de um disco do grupo The Coasters. John e Paul reconheceram a canção e providenciaram os coros de apoio, cantando algumas partes também. Juntavam-se no único microfone e a harmonia vocal, que já tinha sido exibida naquela noite – ou naquele início de tarde, eles não sabiam quanto tempo já se tinha passado – agradava às pessoas que batiam palmas, que se desdobravam em exclamações de espanto.
De seguida, John anunciou que iriam continuar no tom humorístico e que aquela era uma piada entre eles. Se alguém percebesse do que se tratava, o seu amigo capitalista que tocava viola-baixo pagaria uma bebida ao feliz vencedor do concurso. Paul negou enfaticamente, mas teve de se calar quando John arrancou com os acordes de "Money (That's What I Want)", uma composição de Gordy Jr. e de Bradford que foi cantada pela primeira vez por Barrett Strong, que também escreveu alguns êxitos para o grupo The Temptations.
Dinheiro. Falava-se de dinheiro.
Toda a gente se sentiu atingida, marcada, influenciada, transportada por aquelas notas musicais exigentes e vistosas. O público reagia alegre e juntava as mãos num incentivo rítmico à música, o gerente estremecia e conferenciava com o apresentador, não compreendia por que razão estava a banda a exigir mais dinheiro. Ringo ria-se atrás da bateria e olhava para o saco castanho a seus pés, George e Paul sorriam ao recordarem o assalto ao Banco Central, John cantava na sua melhor voz rouca antegozando as maravilhas que o seu quinhão no roubo lhe iria proporcionar. Quando terminaram receberam outro aplauso enérgico. Notaram que os empregados se mexiam mais pelo recinto, estavam a servir mais bebidas. A atuação estaria a potenciar o consumo e o gerente estaria, por certo, satisfeito. Embora os donos dos clubes noturnos, ou vespertinos, o avançar do dia tinha-se perdido naquele interior abafado, nunca ficassem agradados com a receita que faziam diariamente e nunca pagavam convenientemente aos músicos que tocavam para eles. Eles iriam ser pagos? Entreolharam-se ao pensarem na mesma questão, ao mesmo tempo.
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Na Minha Vida
FanfictionE se o João, o Paulo, o Jorge e o Ricardo... Não! Vamos recomeçar. E se John, Paul, George e Richard, depois Ringo, se tivessem conhecido em circunstâncias diferentes daquelas em que se conheceram, adolescentes dotados para a música, apaixonados pel...